segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Uma teoria da conspiração à portuguesa



Fiquei impressionado com o filme norte-americano de sábado. Mais uma teoria da conspiração. Metia uma unidade especial de comandos militares. E ligações do presidente ao negócio das armas, o maior negócio do mundo, ainda mais importante do que a saúde, como dizia aquela directora financeira de um novo hospital privado.
De modo que imaginei construir uma teoria da conspiração com coisas do nosso meio de transportes. Chamo a atenção de que se trata de uma ficção. E se houve factos reais que aqui são falados, não são coincidências; simplesmente não têm nada a ver com a realidade da história; estão fora do contexto, porque os órgãos institucionais de controle, regulação e vigilância funcionam regularmente, bem como as comissões da concorrência.


Lá no seu país, o presidente da república e o primeiro-ministro repreenderam, apesar de adeptos confessos da economia liberal, a administração da Zokert-Zomons por ter permitido um desvio avultado de dinheiro para um sindicato, em troca da paz laboral. O caso veio nos jornais e foi encontrado, como bode expiatório, o director dos serviços financeiros, ou dos recursos humanos, agora não me recordo, exemplarmente punido (foram-lhe caçadas todas as contas off-shore que tinha em seu nome, da sua companheira e da sua mãe). O presidente da república e o primeiro-ministro, sempre preocupados com as exportações, tranquilizaram os accionistas e todos os embaixadores dos países com que a Zokert-Zomons tinha negócios, garantindo que o caso não se repetiria e que os negócios com todos os países respeitariam as regras da concorrência. Nos casos em que isso não se verificasse (e de facto veio a verificar-se) a Zokert-Zomons pagaria todas as indemnizações compensatórias pelos desvios às regras que ocorressem nos concursos públicos (o que também veio a verificar-se, até veio nos jornais, mas em países de economia terceiro-mundista).
Estes factos não comprometeram os negócios de interesse mútuo que entretanto se desenvolveram com um grande pais do outro lado da Europa, tendo a Zokert-Zomons ganho cristalinamente um recente grande concurso público (foi pena não ter ganho o pequeno concurso para as locomotivas da primeira transportadora privada que transporta contentores de Alcantara para Madrid e de Madrid para Alcantara, mas que é isso, num mercado tão vasto…).
Mas vender locomotivas do outro lado do continente não bastava. Era preciso assegurar a manutenção. Para isso foi constituida uma parceria entre a Zokert-Zomons e a ALAD, a empresa de manutenção da companhia estatal de caminhos de ferro. A ALAD tinha conservado, de uma anterior parceria com outro fabricante de locomotivas, uma pequena oficina perto do centro da capital, beneficiando da venda para investimentos imobiliários do restante terreno, mas iria concentrar a sua actividade a alguns quilómetros da capital, numa tentativa de reanimar o interior do país, o que era bom para todos.
E como a economia tem esta força forte, interior e nuclear, quanto mais cresce mais quer crescer (é o princípio da definição do número “e”, o padrão de crescimento exponencial dos juros), também não bastava a manutenção das locomotivas.
E então imaginou-se fazer avançar o conceito de “marketing”. Aquele “marketing” que nos convence, apesar de termos um carro novo ou um televisor recente, que os novos modelos que saíram depois são muito melhores e devem ser comprados. Claro. Se formos elementares como Watson, resolvemos a crise da produção aumentando a procura. O problema é que vamos ter de aumentar a produção e depois vamos querer aumentar ainda mais a procura (o que me leva sempre a questionar-me, quando falo nisto, porque é que Adam Smith não reparou nas cochonilhas a reproduzirem-se exponencialmente e a darem cabo do limoeiro, e delas próprias?).
O “marketing” avançou primeiro silenciosamente, e depois em força, alargando o âmbito das propostas da Zokert-Zomons. E os argumentos foram os mesmos que para os nossos carros. Embora ainda funcionem bem, já consumam pouco de acordo com os padrões ambientais e ainda não estejam amortizados, a campanha para aderirmos às novidades está sempre disponível e é eficaz. O nosso provincianismo e novo-riquismo de ignorantes das coisas técnicas fará o resto e ficamos encantados sonhando com os novos modelos. Cortando na alimentação se for necessário (o que estou a descrever é o que se passa quando compramos carro).
Primeiro argumento, os modelos em serviço já estão obsoletos. Realmente, se todos os dias há inovações tecnológicas, comparativamente há modelos que têm funcionalidades mais evoluídas. Por exemplo, quando um material circulante tenha sido projectado, há quase 20 anos, as velocidades de transmissão nos buses de comunicação eram menores, as velocidades de processamento também, não se fazia o controle de parâmetros que agora é corriqueiro, não havia as comunicações por rádio encriptadas para fins de segurança que há agora … E depois, desdramatizemos o que é ser obsoleto. O “marketing” devia ser prudente: não devia utilizar este argumento de obsolescência; primeiro, a obsolescência técnica em si não é grave; o que seria grave seria a obsolescência funcional, o que não se verifica normalmente antes de 30 a 50 anos; e se não houver peças de substituição, só poderemos queixar-nos do fabricante, não é?; segundo, podemos sempre perguntar ao fabricante: então você vendeu-me uma coisa que ficou logo obsoleta? Não sabia isso, quando ma vendeu?
Segundo argumento, estão sempre a avariar, a recolher às oficinas, com as consequentes perturbações no serviço (mesma pergunta: se me vendeu uma coisa que avaria, vai agora vender-me outra mas que não avaria?).
Bom, houve uma altura em que a fiabilidade andou mazinha.
Foi verdade que a certa altura começaram a cair, ou a ameaçar cair, motores em plena circulação. Mas rapidamente se encontrou solução para isso e, na melhor tradição do pelourinho e do bode expiatório, se castigou exemplarmente o técnico que se tinha lembrado de substituir um apoio de aço por um apoio de alumínio sub-dimensionado. Para poupar peso e energia dissera o pobre, lá na distante Zokert-Zomons.
E aqui cabe relembrar a todos os que tiverem de especificar novo material circulante: ganhos de peso e de energia também se conseguem com a construção em aço (por exemplo, com deflectores aerodinâmicos junto das rodas e com armazenadores de energia a bordo), devendo evitar-se o alumínio em material circulante destinado a linhas subterrâneas, porque as características de comportamento ao fogo do material em alumínio são mais desfavoráveis do que o aço.
Resolvido o problema dos apoios dos motores, teve a Zokert-Zomons de resolver outro, o de portas que abriam inopinadamente. Era um problema de software que foi resolvido com hardware mais robusto (ai o software nos equipamentos industriais…em que as regras não são as mesmas dos equipamentos domésticos, em que não existem as facilidades que existem nas cabeças dos programadores… lembram-se do director da GM dizer para Bill Gates: não me queira explicar como se fazem automóveis, porque se eu fizesse automóveis como você faz computadores, o automobilista ouviria a seguinte mensagem no meio de uma descida acentuada – este sistema encontrou uma anomalia de processamento e vai ser desligado, volte a ligar depois de desligado… e batido…?).
E depois também houve aquela da imprecisão nos sensores de velocidade, que não havia meio de darem informações acertadas para o sistema de controle automático de condução. Não houve também problema, desligou-se o controle automático.
E assim, alargando novos mercados de material circulante, esperemos que a Zokert-Zomons ocupe o seu merecido lugar na economia do grande país, garantindo emprego à população local e contribuição significativa para o PIB. Será uma parceria em que todos ficarão a ganhar, lá como cá. Mas a concorrência vai ser difícil…com a guerra dos preços…

Mais uma vez recordo que esta é uma história ficcionada, em que muitos dos factos não ocorreram (raramente se fala em substituir material circulante antes de amortizado; ainda?) , outros são simples produto da imaginação, e os factos reais foram propositadamente retirados do seu contexto, pelo que ninguém poderá ser acusado de comportamento menos próprio. Nem os mecanismos institucionais, como já foi dito, o permitiriam.

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