segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Economicómio XVII – Questões de Manutenção


Economicómio XVII – Questões de Manutenção

O programa do canal Discovery sobre acidentes aéreos retoma a queda do Concorde. A causa principal foi o incêndio de um dos motores, atingido por uma peça de metal caída de outro avião e pisada pelo trem de aterragem. Como um acidente daquela gravidade não tem habitualmente uma só causa, vários profissionais que estiveram ligados ao Concorde prosseguiram as investigações para além do relatório oficial do BEA (gabinete francês de investigação de acidentes). E assim tomo conhecimento de dois factos extraordinários: 1 - o pavimento da pista encontrava-se em mau estado e foi imediatamente reparado após o acidente (recordam-se que uma das causas do acidente em S.Paulo com o avião que saiu da pista foi pavimento em más condições, sem estrias para drenagem); 2 – o trem de aterragem do lado esquerdo do avião acidentado não tinha montado o espaçador entre as rodas. Como consequência, o avião desviou-se para a esquerda, os pneus desse lado rebentaram e contribuíram para o incêndio do motor. Para evitar a saída da pista o piloto levantou mais cedo do que devia. Os Concorde que voaram posteriormente tinham sofrido alterações geométricas de modo a evitar que as rodas projectassem detritos sobre os motores (defeito de projecto aliás já detectado anteriormente e perceptível na fotografia acima).
Cito estes factos porque são um exemplo de falhas graves de manutenção (a peça caída de outro avião não estava certificada como peça sobresselente; o espaçador para manter a distancia certa entre as rodas foi encontrado no hangar depois do acidente; o estado do pavimento da pista era mau).
Qualquer sistema de transportes suporta falhas de manutenção. Porém, a convergência de várias causas pode conduzir ao acidente. Por isso a redução dos recursos para a manutenção, ou a redução da formação dos técnicos, ou a sua substituição por “outsourcing” não qualificado, podem facilitar a ocorrência de acidentes. Toda a economia desejada em tais acções de racionalização desaparece perante um acidente grave.
Mais exemplos de falhas de manutenção: a colisão no metro de Washington ocorreu provavelmente devido a falhas intermitentes de um circuito de via após a substituição de uma conexão indutiva (“impedance bond”) em Dezembro de 2007. Se foi assim, podemos interrogar-nos se os quadros técnicos do metro de Washington estavam bem dimensionados, ou se não terão sido reduzidos exageradamente, ou se a manutenção não terá sido entregue a um “outsourcing” menos experiente.
Coloquemos uma hipótese, por aplicação do método analógico.
As mesmas intenções economizadoras de redução de custos terão sido aplicadas no hospital de Madrid em que uma enfermeira sem experiencia em prematuros, e consequentemente com formação incompleta para a função, cometeu um erro fatal? E no hospital de Santa Maria, não terá havido economias na organização dos procedimentos em que ocorreu o erro da troca de medicamentos oftalmológicos?
Em sistemas de transportes ferroviários há exemplos de acidentes graves devidos a deficiente formação de maquinistas – é uma hipótese, por analogia.
Assim como a melhor manutenção não é a mais barata, nem a que executa as tarefas mais depressa (não interessa entregar o avião num tempo muito curto, não interessa inaugurar um linha com prazos de execução comprimidos; interessa entregar o avião em boas condições; interessa abrir a linha com todos os sistemas devidadmente ensaiados), devendo os custos e os prazos serem fixados pelo dimensionamento dos meios necessários e não por critérios de optimização económica da produtividade, assim qualquer serviço não pode ser avaliado apenas pelos preços baixos.
São uma armadilha perversa, os preços baixos.
Porque se a hipótese das analogias se confirma, podem acusar-se os economistas que desenvolveram e conseguiram “vender às nações e às empresas” as teorias da produtividade, da concorrencia e da competitividade na optimização dos custos e na redução de prazos (no fundo para diminuir os custos) de responsabilidade na criação da causa “intangível”, como dizia Keynes, de tantos acidentes.
E essa é uma acusação muito séria, mas apenas válida se a teoria das analogias se revelar correcta, como aliás parece.

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