Os dias de Natal vão caindo sobre nós, economistas ou não, mas duma maneira que os economistas devem saber explicar melhor do que eu.
Não podendo eu explicá-lo de acordo com as regras da economia, apenas posso manifestar os factos que observo, com muita pena de não ver nenhum economista a explicar os ditos factos.
E os factos que vejo e que desta forma testemunho são, numa grande superfície comercial, onze bancadas cobertas de caixas e saquinhos de chocolates para serem consumidos nesta época de Natal.
Admitindo, de acordo com os princípios dos problemas de Fermi, que cada bancada tem 9 m2 de área, que estão sobrepostos 5 caixas ou saquinhos, cada um com uma área média de 200 cm2 e com 100g de chocolates, teremos que nas 11 onze bancadas foram postos à disposição dos consumidores 25 toneladas de chocolates.
O que chamou a minha atenção para o fenómeno foi que só encontrei uma das onze bancadas com chocolates com a etiqueta do código de barras a começar por 560, isto é, o indicativo de que tinham sido manufacturados em Portugal. Devo dizer que, fazendo o papel do velhinho com obsessões particulares, mas inofensivas, espreitei por amostragem grande quantidade de códigos de barras. Só noutra bancada encontrei chocolates 560, mas numa pequena porção. A esmagadora maioria (esmagadora até pela tonelagem em jogo), era chocolate vindo de Espanha, França, Bélgica, Suíça, Polónia, Indonésia, China, Brasil, Inglaterra.
Poderá afirmar-se que naquela cadeia de hipermercados se importou 90% do chocolate a vender neste fim de ano (desprezo, nesta contabilidade, a matéria prima importada).
As grandes marcas portuguesas de chocolate estavam modestamente representadas.
Como sou do contra, ou, pelo menos, faço por retirar da globalização o que bem entendo, tirei para o meu carrinho de compras 3 saquinhos, de 100 g cada, de amêndoas cobertas de chocolate, saídos da confeitaria da Ajuda, cujas operárias gosto de ver quando calha passar à hora do almoço pela rua do centro cultural do meu bairro (Alvalade).
Eu sei que sou ignorante em economia, mas gostava que os economistas e os eleitos das autarquias compreendessem que os bairros devem ter oficinas e industria. Por causa do PIB, entre outras coisas, mas principalmente por razões de fixação das pessoas às povoações. Da forma como escrevi, parece uma redundância, e é-o na verdade, mas os decisores da câmara de Lisboa têm dificuldade em perceber, e deixam fechar as oficinas, as marcenarias, as fábricas de chocolate (lembram-se da Favorita?).
E agora andamos a subsidiar os fabricantes de chocolate estrangeiros.
Damned. Temos mesmo de os subsidiar?
Se pensarmos que 80% dos alimentos que consumimos são importados, fechamos o quadro do pessimismo (reforçado, esse pessimismo, com a ideia de que, para termos cá esses 80% de alimentos, temos de emitir mais umas doses de CO2 para ajudar ao efeito de estufa).
A importar esta quantidade de alimentos só podemos continuar a endividarmo-nos cada vez mais.
Provincianamente, e contra o parecer de Drucker, o guru dos anos 80 e 90, abandonámos a produção tradicional (o chocolate era uma delas, a metalomecânica ligeira e a pesada também, ainda bem que ainda se faz vinho, azeite e cortiça) e vamos indo atrás de algumas modas.
A Zara salvou, de momento, a industria têxtil do vale do Ave. As T-shirts vão de camião do vale do Ave para Madrid e de Madrid são distribuídas por todo o mundo, por exemplo, por camião para Setúbal, para Lisboa e para as Caldas da Rainha, e por avião para Macau e Hong Kong.
A Zara é um case study nas universidades norte americanas. Já encheu páginas da Harvard Business Review.
Mas, quem salva as fábricas de sapatos?
É que a Aerosoles, uma companhia americana, deixou cair a sua pequena filial portuguesa (será o método GM a funcionar? Como fizeram na Alemanha com a Opel?).
E agora, para os lados de Esmoriz, só criando uma nova empresa com o apoio do Governo.
Mas se não vier o apoio do Governo acabou-se (a fábrica, não o Governo).
Há um ano que os trabalhadores da Aerosoles almoçam um pão e uma sopa (está nos registos da cantina).
Há anos e anos que há mercado internacional para absorver os sapatos produzidos em Portugal. Mas a produção tinha de ser em grandes quantidades. Por causa do efeito de escala. Trabalho artesanal infantil, daquele que se leva para casa, não dá.
E o Governo diz que não tem dinheiro mas que gostava de resolver o problema (ou o que diz é por ordem inversa).
Antigamente, no tempo em que os caixeiros viajantes da Favorita e da Regina colocavam os seus chocolates nas festas de Natal das empresas, quando faltava o dinheiro, fazia-se uma subscrição pública (podiam chamar-lhe aumento de capital por emissão de acções ou de obrigações, mas também podia acontecer por efeito de solidariedade).
Agora existem o micro-crédito, os business angels, os especialistas da bolsa, o instituto de apoio ao investimento para a exportação e a provável falência das soluções para os trabalhadores da Aerosoles.
Então eu pergunto:
Alinham numa subscrição pública para lançar a Investvar, independente da Aerosoles?
Já existe uma agência de publicidade que faz a campanha e só recebe quando os resultados chegarem.
Ou será que não querem que o mercado funcione?
Eu, por mim, até acho que a empresa podia ser pública, assim como assim, como temos de nos endividar por causa da importação dos 90% de chocolate, endividámo-nos mais um bocadinho para fabricar sapatos em escala industrial.
Mas como a maioria dos portugueses vota de acordo com regras económicas contrárias, parece que a única solução é fazermos a subscrição.
Alinham?
PS - Não conheço os pormenores da organização, mas talvez tenha interesse participar na conferencia sobre o consumidor responsável. Ver em http://www.transportesemrevista.com/Default.aspx?tabid=390
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