terça-feira, 25 de março de 2014

A colina da saudade


Exmo Senhores

Assunto: Comentários ao estudo prévio de urbanização da zona do Campo dos Mártires da Pátria

Infelizmente, não me foi possível, durante o período de debate público, documentar-me e estudar em profundidade a vossa proposta para o reordenamento da zona do Campo dos Mártires da Pátria.
Venho assim, provavelmente a destempo, invocar alguns princípios que julgo deverem prevalecer sobre quaisquer decisões.
1 - manutenção da identidade - os cidadãos têm direito à manutenção da identidade de parcelas significativas das suas cidades, incluindo os  moradores de outras zonas. Por isso, é correta a designação para esta zona de "colina da saúde", apoiando a existencia significativa de estabelecimentos de ensino de medicina e enfermagem, de investigação de medicina e farmaceutica e de estabelecimentos hospitalares 
2 - centralização versus descentralização - 2.1 perante os progressos verificados na gestão informática e nas tecnologias de comunicação, a centralização num grande hospital pode não ser a melhor solução quando comparada com a manutenção de unidades locais mais antigas. Acresce: 2.2 os elevados custos de manutenção dos hospitais antigos são  mais devidos à falta de especialização e a pequena dimensão e falta de regulação do mercado de obras de reabilitação do que a custos mais vantajosos de construção nova; 2.3 - quando se centraliza, deverão contabilizar-se numa analise completa de custos beneficios os prejuizos de maiores percursos para o ponto central e da congestão das movimentações internas com longos percursos 2.4 existem exemplos em Nova Iorque e em Paris de hospitais a funcionar nas mesmas instalações há mais de cem anos.
3 - programa base de reordenamento - considerando o anterior, discorda-se de programas base   fundados no aproveitamento urbanistico dos edificios ou dos terrenos dos antigos hospitais; como os profissionais sabem melhor do que eu, uma zona urbana deve ter percentagens de zonas verdes, de equipamentos sociais, de escritórios, de habitação , de oficinas (as tecnologias permitem controlar os ruidos e as emissões nocivas), de comércio; essas percentagens deverão ser estudadas em várias hipóteses de reordenamento, para que os cidadãos possam escolher entre modelos diferentes, em debate público com divulgação pela internet, em vez de se aguardar que apresentem propostas
4 - entidades para elaboração dos programas base - os programas base do numero anterior deverão ser elaborados não por concurso ou seleção da entidade elaboradora,  mas em concursos de ideias abertos
5 - reabilitação de edificios - nas subzonas em que os edificios particulares devam manter-se,será conveniente proceder-se a emparcelamentos ou fusão de numeros matriciais para garantir a comodidade e atratividade dos novos fogos (onde existiam 3 fogos poderá ser necessário passar a haver apenas 1, de modo a garantir estacionamento coberto e divisões habitacionais maiores)
6 - ligação às principais linhas de transporte - por razões de eficiencia energética, deverá evitar-se o transporte individual e coletivo rodoviário com combustíveis fósseis. Deverá assim privilegiar-se os percursos pedonais, de bicicleta, de veiculos elétricos, incluindo infraestruturas de carregamento, e, para ligação transversal (sentido leste-oeste) e longitudinal (sentido norte-sul) com correspondencia comas as linhas d emetropolitano, deverão prever-se futuras linhas de transporte "on demand" em sitio próprio e cabinas automáticas em viadutos desmontáveis pré-fabricados, obrigando a algumas demolições

PS em 27 de março de 20\14 - leio no DN que o senhor presidente da câmara de Lisboa garantiu em Assembleia Municipal que vai ser elaborado um PAT - Programa de Ação Territorial e que só depois será retomada a apreciação dos PIP - Pedidos de Informação Prévia que prevê a reconversão dos 4 hospitais em hoteis ou habitação.
Eu tenho humildemente de reconhecer a legalidade do procedimento e a representação legitima do presidente da câmara e da assembleia municipal.
Mas tenho tambem o direito de lamentar o que me parece ser a demagogia que tudo isto representa.
O senhor presidente, do alto da sua maioria e simpatia que consegue concitar junto dos eleitores, apesar de mais de uma vez demonstrar a deficiente preparação em assuntos técnicos (ficaram célebres os casos do contrato da corrida aérea Red Bull, a imposição da altura de 5 contentores em Alcantara quando a Liscont apenas empilhava 4, a lei que fez sobre o endividamento das câmaras que inviabilizou um pedido de empréstimo que mais tarde fez, as áreas que ficaram sem cobertura de forças policiais quando "reformou" a PSP e a GNR, as duvidosas economias na centralização das freguesias da Baixa, na descentralização das competencias para as freguesias e na indemnização à Bragaparques (que na minha humilde opinião não deveria receber um centimo  por ter tentado enriquecimento na sobrevalorização dos terrenos do Parque Meyer e na desvalorização dos terrenos de Entrecampos)).
Mas enfim, o senhor presidente não faz isso por  mal, nem por mal acredita acriticamente no que os rodeiam, uns que põem os critérios técnicos acima dos politicos e outros não. E a verdade é que os eleitores gostam do senhor e, provavelmente porque a maioria das pessoas não  liga aos pormenores técnicos (por alguma razão a iliteracia em matemática e em física é muito forte entre os portugueses), votam mesmo nele e eu tenho de suportar as consequencias da vontade da maioria.
Porém choca-me, provavelmente por defeito da minha sensibilidade, o ar convencido com o senhor pretende evidenciar uma democraticidade de procedimentos que a  mim me parece falsa.
A recolha de contributos em assembleias em que a pessoa tem de pegar no microfone e falar para a plateia é tudo menos um processo democrático; qualquer pessoa com experiencia em congressos sabe que os participantes devem ser divididos em pequenos grupos e os relatores de cada grupo apresentarem os resultados num painel de conclusões; a internet permite uma preparação prévia, uma circulação das propostas por todos os interessados e a monitorização da inclusão das propostas no trabalho final. Não foi isso que se fez.
Seriam ainda bem vindos concursos de ideias em que grupos de estudantes de arquitetura pudessem participar (a história da ópera de Sidney diz alguma coisa?). 
No fundo, está-se a seguir um processo que vai acabar por não impedir a desativação dos 4 hospitais, nem a construção do novo hospital central, nem resolver o absurdo de uma empresa pública, a Estamo, que compra coisas ao Estado. 
Está-se a validar, sob a capa de um procedimento democrático, a decisão autocrática, ou melhor, oligárquica (poder de grupos), ou ainda melhor, plutocrática (poder do dinheiro).
E é pena, a colina da saude, os seus habitantes e os lisboetas não mereciam que ela se transformasse numa colina da saudade do que ela foi e do que poderia ter sido.   


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