quinta-feira, 20 de março de 2014

A economia abutre

Salvo melhor opinião e apesar da fragilidade deste blogue por não poder apresentar uma fundamentação sólida com cálculos e estatísticas, temos em Portugal bons exemplos da economia abutre (vulture funds:
http://en.wikipedia.org/wiki/Vulture_fund).

Parece que o ministério da defesa encara a possibilidade de comprar umas fragatas em segunda mão à marinha dinamarquesa, porque só existem dois navios modernos de superfície, os dois patrulheiros construidos em Viana do Castelo. Como se sabe, os patrulheiros foram construidos com prejuizo porque a série era de 8 e ficou limitada a 2. O governo conseguiu apoio da opinião pública para fechar os estaleiros de Viana do Castelo com a desculpa de prejuizos na construção.
Mas não contabilizou os prejuizos da compra ao estrangeiro de fragatas com 12 anos de idade. Pode ou não o fabrico nacional ser superior à aquisição ao estrangeiro? Ou prefere-se enviar para o estrangeiro o dinheiro que for preciso para poupar o pagamento interno que for possível?  A necessidade da compra é que existem zonas maritimas que não estão a ser patrulhadas (os armadores internacionais de pesca agradecem, desde os coreanos predadores do atum aos pequenos espanhois de Ayamonte, predadores das conquilhas).
Economia abutre é o governo dos Açores participar nas decisões que inviabilizaram o cumprimento da velocidade contratual do Atlantida e lançar os estaleiros de Viana na insolvencia.
Economia abutre é respeitar todos os formalismos juridicos de um ministro que não sente o serviço público dos assuntos maritimos (se sentisse saberia responder a Bruxelas que o tratado de funcionamento europeu prevê exceções à lei da concorrencia para questões de defesa como a patrulha da zona maritima) e impedir o acesso a verbas comunitárias.
Economia abutre é negociar contrapartidas do contrato dos submarinos a beneficiar os estaleiros e que foram deixadas por cumprir.
Economia abutre é debicar bocadinhos apeteciveis do que resta dos estaleiros, beneficiando outros estaleiros navais (comprar um estaleiro quando se é proprietário de outro estaleiro e fechá-lo não é concorrencia, é atuação abutre).
Economia abutre é, passo a passo, inviabilizar o negócio da construção dos asfalteiros para a Venezuela. Por ironia do destino e inépcia dos seus governantes (a síndroma da posse da verdade sem partilha com quem pensa de forma diferente), a Venezuela, onde se encontram as maiores reservas do planeta de combustíveis fósseis, encontra-se neste momento sob o olhar atento de abutres, aguardando.

A estratégia da economia abutre seguida pelo ministro da defesa parece ser seguida tambem pelo secretário de estado dos transportes, no processo de concessão e privatização dos transportes urbanos, muito contente por ter recebido 9 respostas à consulta para o interesse dos privados.
A ideia abutre é aproveitar os bons bocados, deixando no Estado a dívida do financiamento das ampliações e da construção das estações do metropolitano, por exemplo. Parece que a coisa vai ao ponto de quererem abocanhar apenas uma estação ou um grupo de estações, ou uma linha, o que der mais jeito, mas sempre com um limite para a cobertura das despesas operacionais pelas receitas.
O senhor economista Alexandre Patrício Gouveia, funcionando como porta voz do governo, foi ao programa de Judite de Sousa, Olhos nos olhos, de 17 de março de 2014,
http://www.tvi24.iol.pt/programa/4407

explicar que se antecipou em dois anos as instruções da troika de anular o prejuizo operacional  das transportadoras publicas urbanas.
Disse que era saudável, ter passado de um prejuizo anual de quase 250 milhões de euros para resultados positivos (apesar de ainda terem sido pagos os complementos de reforma), graças à saida de 20% de pessoal (é verdade, mas reduzindo a capacidade operacional), à eliminação da sobreposição de carreiras da Carris e do Metro (deve estar mal informado, continua a sobreposição de carreiras inteiras de autocarros) e à redução de fornecimentos e serviços externos (é verdade, mas reduzindo não só a qualidade de serviço, mas os niveis de segurança; saudável, isto?).
gráfico com a despesa das transportadoras públicas urbanas apresentado no programa Olhos nos olhos de 17 de março de 2014

Que o Estado não tem vocação para gerir os transportes, porque a gestão privada é mais produtiva e competitiva (esta afirmação é uma ofensa para quem trabalha ou trabalhou nas empresas públicas, mas já se sabe que o insulto é uma arma dos governos das elites). Que a divida das empresas subiu a 19.000 milhões e que o pessoal era excessivo (que sabe ele de transportes para avaliar a extensão de um quadro de pessoal? e contabilizou os custos das rescisões para não vir queixar-se do aumento das despesas sociais com os encargos das pensões?).
Que a rigidez laboral é um obstáculo ao investimento estrangeiro, embora o gráfico que apresentou mostre que a rigidez laboral na Alemanha na Holanda é da mesma ordem de grandeza de Portugal. Claramente negativo para a Alemanha, disse o senhor, esquecendo que a segurança no emprego é um fator de estabilidade psicológica, que por sua vez é condição sine qua non para a produtividade (tal como transportes coletivos eficazes entre o local de habitação e o local de trabalho). A rigidez laboral não é, nessa perspetiva, um fator negativo, mas um objetivo de felicidade (não confundir produto interno bruto com felicidade interna bruta).
indice de rigidez laboral na Europa, a laranja situação em Portugal se o tribunal constitucional chumbar as propostas do governo/troika e a verde no caso de as aprovar; notar o efeito thatcheriano no Reino Unido e a posição média da Grécia; aparentemente, não é o fator decisivo na economia, salvo melhor opinião


Foi muito curiosa a educada divergencia entre Medina Carreira e Patricio Gouveia, quando o primeiro criticou a estratégia obssessiva de privatizações, especialmente no caso em que o Estado ganhava dinheiro, como nos CTT, ou em questões essenciais como as águas ou o lixo: "o governo parece que perdeu um bocado a cabeça". E quando deu o seu testemunho sobre os transportes no Reino Unido, antes e depois de Thatcher. Os transportes degradaram-se. E Patricio Gouveia, lesto como um prosélito que repete só os exitos da sua fé: sim degradaram-se, mas as despesas públicas reduziram-se e os contribuintes pagam menos.
Assim é muito dificil, quando se dá preferencia aos números em detrimento da qualidade de vida dos cidadãos, refiro-me tambem ao Reino Unido.









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