As imagens têm destas coisas.
Suscitam comentários e emoções.
Nunca se sabe o que está fora do campo de observação, se ameaças, se forças benfazejas, se indiferença simples.
E o desconhecido gera receios.
Nunca se sabe o que o objeto esconde, se por trás da árvore está a floresta do exército adversário.
Tão fácil fazer um filme de terror, desde que se usem as imagens. Mais dificil será fazer uma peça de teatro como Macbeth, donde vem a imagem da árvores a esconder a floresta.
Nesta fotografia, vê-se um comboio em contraluz, sobre o viaduto do Campo Grande.
Explorando a fotografia pode iluminar-se o campo de visão, divisar alguns passageiros, pormenores do desenho das guardas do viaduto.
Mas eu prefiro em contraluz.
O objetivo do metropolitano e transportar pessoas o mais rápido, confortável e seguro que economicamente seja razoável.
Não interessam aos beneficiários do seu serviço, no sentido de não deverem incomodá-los, os pormenores técnicos da montagem do serviço de transportes.
O ideal seria o transporte instantaneo, sendo a infraestrutura de transporte perfeitamente transparente.
Não podendo ser, eis o contraluz, rasgando os céus de Lisboa.
Uma árvore entre o observador e o comboio, sem esconder a realidade por trás, relembra as preocupações ambientais, outro dos fundamentos da existencia de metropolitanos, pese embora o apetite dos investidores pela facilidade do transporte rodoviário e as confusões que os senhores do governo e da troika geraram com o processo de concessões/privatizações.
Enquanto a secretaria de Estado dos transportes vai alimentando a fantasiosa ideia de fusão entre a REFER e a EP.
Juridicamente deve ser um caso interessante, embora os modelos juridicos sejam uma péssima imitação da realidade; economicamente deve ser mais fácil fazer recair o ónus das más decisões sobre um conselho de administração,em vez de dois; mas é pena não pensarem que as soluções jurídicas e economicas têm um vasto historial de afastamento da realidade.
As intervenções dos decisores do governo e da troika, mais do que os cuidados de um elefante numa loja de porcelanas, fazem-me lembrar o critério seguido em todos os metropolitanos, o de preparar a sala de comando de itinerários de forma a que um bando de orangotangos possa entrar, sentar-se à mesa e digitar todo e qualquer comando sem que os sinais fiquem permissivos e as agulhas se movam.
É o próprio sistema que rejeita ordens incompatíveis com a segurança, colocando-se num estado de imobilização.
No caso da gestão e das estratégias que vêm sendo seguidas não, confesso que a minha geração cometeu o erro de não ter preparado o metropolitano para resistir a tão desajeitadas intervenções.
Na sua sabedoria popular e ingénua, a maioria dos seus trabalhadores optará pelo procedimento do sistema de segurança quando operado por orangotangos.
Paralisará com greves contra as concessões/privatizações.
Não será uma reação racional, será simplesmente física.
Com o cortejo de incomodidades para a restante população que deveria ter um sistema de transportes operacional todos os dias.
Que zonas do cérebro, que grupos de neurónios desenvolvem a angustia no cérebro de quem trabalha que se sente ameaçado pelo desconhecido que não está na imagem do contraluz?
Podemos imaginar que será a mesma zona, o mesmo grupo de neurónios que excitaria os centros de angustia dos cérebros dos altos quadros do BP se lhes dissessem que os seus vencimentos seriam reduzidos de 60%, que o seu plano de pensões ia ser anulado, que o seu automóvel de serviço ia ser vendido.
Ou dos cérebros dos governantes que fossem informados que iriam ser julgados por gestão danosa e por omissão de deveres, num tribunal eficiente e respeitador do artigo da constituição que diz que incumbe ao Estado providenciar politicas de pleno emprego.
Mas eu sou conciliador.
Não serão apenas os interessados privados que deram sugestões para novas formas de financiamento do transporte público que permitam a concessão/privatização.
Eu repito as minhas sugestões para redução do desperdício energético nos transportes e financiamento do transporte coletivo, que há anos, na minha vida profissional e neste blogue, em modestos trabalhos sem préstimo tenho formulado, por exemplo, no ultimo congresso da ADFERSIT, em outubro de 2013, em que um simpático ex-ministro da coloração do atual governo saudou a apresentação de sugestões para o governo saber o que deveria fazer:
- limitação severa de velocidade em vias rápidas e em ambiente urbano, privilegiando as deslocações pedonais e em segunda prioridade em bicicleta
- penalização do estacionamento urbano
- portagens nos acessos às zonas centrais urbanas
- correspondencia com o TI em “park and ride”
- desenvolvimento de redes de aluguer partilhado de bicicletas e pequenos automóveis elétricos em pontos de correspondencia com o TC
- taxação extraordinária da venda de combustíveis
- criação de escalões de consumo de combustível
- benefícios fiscais para as empresas que paguem as deslocações em TC aos seus empregados ou clientes ou emitam cartões de desconto associados ao TC
- afetação do IMI ao financiamento do TC
- Taxação de empresas (0,5 a 1% dos salários) servidas pelo TC, tipo “versement” francês
- Concessão à empresa de TC, incluindo as mais valias, da urbanização de novos bairros servidos pelas suas linhas, tipo Hong Kong
- politica de reorganização urbanística e de reabilitação habitacional
Aliás, se procurarem bem no ministério, pode ser que encontrem nos arquivos o decreto lei 208/82 de 26 de maio, que instituia a TMT (taxa municipal de transportes), do tipo do "versement" francês, mas que nunca entrou em vigor por omissão de regulamentação.
É tudo uma questão de prioridades.
Como se diz no Brasil, evoé.
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