sexta-feira, 12 de junho de 2015

Vendi por 10 mil euros

Vendi o meu prédio por 10 mil euros.
Estamos em crise, porque se não estivessemos teria vendido por um preço mais justo, mais próximo do valor real.
Eu diria que o prédio valia 100 vezes mais.
Mas isto do valor real é discutível.
O montante de um ativo é sempre discutível, o valor de mercado também, normalmente acaba por prejudicar quem tem de vender num período de baixa.
As coisas estão-me correndo mal.
O meu banco diz que a culpa é minha e come-me a maior parte da minha pensão para cobrar juros e amortizações. Ainda se vangloria dos juros e das comissões serem baixos. Mas eu vejo os lucros do banco a subir.
Há dois anos tive de vender a minha oficina de carroçarias, que foi acumulando dívidas ao meu banco que ainda hoje duram e por isso vendi o prédio.
Depois dos chineses terem comprado uma concorrente no bairro do lado o negócio caiu brutalmente. Não pude competir com eles nos preços e na rapidez de execução.
Para tentar equilibrar as contas, fiz uma parceria com uma marca de eletrodomésticos que montou uma fábrica de ventoínhas nos terrenos da minha oficina.
Mas as coisas complicaram-se porque o meu primo que tinha encomendado carroçarias para dois autocarros acabou por recusá-las.
Com o peso dos equipamentos que ele foi exigindo, o pobre motor foi incapaz de alcançar a velocidade que ele queria.
Como eu sou muito distraído, esqueci-me durante a construção de substituir o motor por outro mais potente.
O golpe de misericórdia veio depois, quando a GNR encomendou oito carroçarias para viaturas rápidas que não forneceu, nem pagou os materiais que eu já tinha comprado para o trabalho.
De modo que acabei por vender a oficina de carroçarias a outro concorrente, duma cidade mais a sul, que por sinal era acionista da marca de eletrodomésticos.
Como sou muito distraído, não liguei.
Voltando ao meu prédio, fiz o negócio através de um corretor imobiliário, exatamente porque sou muito distraído e me fazem confusão as técnicas de compra e venda, especialmente quando a situação financeira associada é complexa.
A verdade é que o meu prédio era um bom negócio. Contraí uma dívida no meu banco para realizar umas obras de transformação do prédio em bloco de apartamentos individuais para aluguer a turistas, que é neste momento uma fonte de receitas para o país. Equipei os apartamentos com ar condicionado e wifi.
Digamos que a dívida era de 1 milhão de euros.
Como os ativos se foram desvalorizando com a crise, conforme me explicou o meu banco, os meus capitais eram negativos, da ordem de 500 mil euros.
O banco informou-me que, não só não me emprestaria mais dinheiro, como informaria os outros bancos que não deveriam emprestar-me dinheiro.
Nestas circunstancias, acabei por aceitar a proposta que o corretor me apresentou.
Por sinal de um conhecido dele de longa data, mas eu não reparo nessas coisas, até porque o corretor explicou que, mais importante do que o valor que eu recebo pela venda, é a manutenção do prédio no mercado.
Isto porque o comprador vai já investir nele 388 mil euros e depois renegociará com o banco a dívida, entre especialistas e não com irrelevantes financeiros como eu.
E assim a minha oficina de carroçarias e o meu prédio continuarão a viver.
Mas há um problema, a minha família pôs-me uma ação de interdição. Eu ainda lhes disse que podia ter sido pior, que podia ter conseguido apenas 5 mil euros, mas eles não se convenceram.
Está marcado o julgamento para outubro deste ano.
Vamos aguardar o resultado.


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