quinta-feira, 25 de junho de 2015

Greve no metro

Greve no metro

Greve no metro, dia 26 de junho de 2015, contra a privatização (transferir para uma entidade privada a gestão de uma rede de transporte também é privatizar, pelo menos parcialmente).
Estaria provavelmente a pensar em mais uma greve no metro, a passageira que, lesta no  caminho para o seu trabalho, subindo a escada do cais ascendente da estação Marquês de Pombal, e contornando o pequeno grupo de reformados e pensionistas do metropolitano, apertados em torno do orador que empunhava um megafone rouco, para entrar no tapete ainda rolante que dá acesso á outra linha, a azul, gritava espaçadamente, ao mesmo tempo que ria : “Vão trabalhar”.
O grupo tentava apenas, dois dias antes e fora da ação concreta da greve de dia 26 de junho, chamar a atenção da opinião pública, através de reportagens da TV, devidamente convocada, para o incumprimento do contrato de trabalho que previa complementos de reforma.
Ao argumento do atual governo, que repete que a maioria dos beneficiários não descontou para os complementos que recebia, respondemos nós que foi a própria empresa que convidou os seus funcionários a sair antes da idade da reforma, pagando-lhes os complementos de reforma, para poder mostrar nos congressos e seminários de “benchmarking” os indicadores de pessoal a reduzirem-se.
Ou que a média dos complementos cortados é superior à média das pensões nacionais (e isso não quereria dizer apenas que as pensões neste país são escandalosamente baixas?).
Mas não vale a pena perder tempo. Este tipo de argumentações é como o motor cujo veio roda em vazio, sem trabalho útil fornecido a qualquer mecanismo beneficiário de movimento.
Por isso, e porque as ações judiciais se arrastam na burocracia impenitente, a conclusão da reunião foi a de que só mudando de governo poderemos reaver os nossos complementos de reforma.
Mas eis que se levanta aí uma preocupação.
Em quem irá votar a passageira dos gritos risonhos de “Vão trabalhar”? Burguesinha de cintura cingida e sandálias de tiras (terá sido por usar um vestido como uma túnica que me recordou  a heroína do Cântico dos cânticos?) funcionária nos serviços de uma grande financeira? Classe média alta que só esporadicamente viaja de metro quando tem o carro na revisão? Exemplo, num país em que se desperdiçam os combustíveis fósseis no transporte individual maciço, de que desenvolvido não é o país em que pobre anda de carro, desenvolvido é o país em que rico anda de transporte coletivo?
Votará provavelmente na coligação que nos desgoverna. E como ela tantos passageiros escandalizados com as greves.
Lá continuaremos sem complementos de reforma. Já não iremos trabalhar, nós, velhos de 70 anos. Será que a passageira nos achou ainda com ar robusto, saudável o suficiente para produzir mais valias em horários prolongados, digo prolongados porque com a redução constante do valor da hora de mão de obra ainda teremos de trabalhar durante muitas horas?
Então o seu grito risonho “Vão trabalhar” não foi uma provocação de burguesa votante na coligação conservadora, antes terá sido o riso que se escapa, correndo e furtando-se à perseguição, duma ninfa provocadora do canto nono, como Julio Pomar desenhou na estação Alto dos Moinhos.
Terá sido assim um elogio. Mas, mas… onde trabalhar? Se nem a nossa empresa nos quer…

Regresso a casa e dou por mim a pensar, na carruagem meio vazia (pois, o arrefecimento da economia e a loucura de privilegiar o transporte individual para cobrar o ISP dá nisto, decréscimo de passageiros) se não será chocante eu estar a ironizar, quando o nosso grupo se vai paulatinamente reduzindo. Uns vão deixando de aparecer porque se sentem doentes, outros envergonhados por não poderem manter-se em Lisboa, exilaram-se na terra, outros porque já atingiram o fim da sua estrada.

Mas não, vou continuar. A ironia é uma arma, contra a impreparação e a prepotência de quem nos desgoverna. Têm o direito de governar como governam, com insensibilidade e desumanidade, e nós temos o direito de exprimir a nossa indignação e o nosso desprezo pela sua falta de qualidades humanas, com ou sem apoio  da ninfa do grito “Vão trabalhar”.

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