sábado, 27 de junho de 2015

Contas da subconcessão do metro de Lisboa

Citação de Fernanda Cancio, no DN de 26 de junho de 2015:
                             
                         "... cansa anotar mentiras do governo, números martelados, inanidades e desaforos quase todos os dias, e perceber que têm disso fábrica em laboração contínua e são mesmo bons no mister, bem melhores e bem mais incansáveis que quem os desmente ... sabem que só podem ganhar mentindo".

Vou eu correr o risco de os desmentir, ou apenas de lhes retirar o brilho com que se auto-elogiam, apesar de não ter acesso aos elementos fiáveis, apenas me baseando nas informações disponíveis na comunicação social e na análise promovida pela comissão de trabalhadores do caderno de encargos da subconcessão do metropolitano de Lisboa.

Mandou o senhor secretário de Estado aos orgãos de comunicação social dizer que obteria uma poupança anual de 25 milhões de euros, relativamente ao exercício de 2014, ao longo dos 8 anos da subconcessão, para as duas empresas, a Carris e o Metro. Um desses jornais até foi mais longe no zelo e escreveu que a taxa de cobertura das despesas pelas receitas ia passar a ser de 159% (os papistas são mais fundamentalistas que os papas).
Este é um disparate tão grande, tão fora da realidade das empresas ferroviárias de transporte, que não vou fazer contas para o desmentir.
Para avaliar a poupança dos 25 milhões de poupanças vou comparar as receitas e as despesas de 2014 do metropolitano de Lisboa, empresa pública,  com as estimativas em 2016. Concluirei que teoricamente podem prever-se poupanças da ordem de 9 milhões, mas que, considerando as receitas previsíveis e as especificidades da operação e manutenção de metropolitanos, essa poupanças só poderão ser obtidas, com elevado grau de probabilidade, com degradação ou abaixamento do nível do serviço, ou com financiamento oculto ou temporário.
Vou considerar apenas as que irão variar, em função das condições do caderno de encargos, admitindo por simplicidade que se mantêm as despesas de capitalização, do serviço da dívida, amortizações de equipamentos, amortizações financeiras, locações de material circulante e financeiras, juros, resgate de SWAP/IGRF, provisões, etc, etc, sabendo-se que basta alterar critérios, como por exemplo reestruturar dívidas, para fazer variar os encargos de ano para ano (em 2014 pagaram-se 20 milhões de locações, 95,5 milhões de juros e 129 milhões de empréstimos/capitalizações/provisões).

A - Receitas e despesas variáveis em milhões de euros em 2014 pelo metropolitano de Lisboa EP:

- despesas:
       fornecimentos e serviços externos ..  38
       despesas de pessoal .........................  62          
(os numeros disponíveis são 43,3 milhões sem encargos indiretos; o valor de 62 foi obtido a                 partir da estimativa de 47,78 do caderno de encargos para as despesas de pessoal a suportar               pelo subconcessionário correspondentes a 1100 trabalhadores para ele transferidos do metro)
                         total ............................. 100

- receitas:
       de tráfego .....................................    87
       publicidade/alugueres ...................     9
                        total ..............................   96

- saldo em 2014 ...................96 - 100 =  - 4

B - receitas e despesas variáveis em 2016 pelo metropolitano:

- despesas:
         manutenção de material circulante e de tuneis e edificios (estimativa de forn.serv.ext. 30% relativamente a 2014) ....................0,3 x 38 = 11
        pessoal que se mantem no metro...........  14          
(valor calculado para 330 que se manterão no quadro sendo transferidos 1100 para o subconcessionário correspondendo a 47,78 milhões de euros)
        pagamento ao subconcessionário
                         1,5€/carruagem.km
                                1,5 x 21 ........................... 31
                   
                       total ..................11 + 14 + 31 = 56
- receitas:
         70% das receitas de tráfego:
                               0,7 x 87 ............................ 61

- saldo em 2016 ................................61 - 56 =  5

C - variação do saldo de 2014 para 2016
 
               variação   5 - (- 4) =  9 milhões

Isto é, graças à colaboração do subconcessionário, que prescindiu de 20% das receitas de tráfego (17 milhões) (o caderno de encargos previa uma remuneração de 50% das receitas de tráfego ou 43 milhões relativamente aos números de 2014, mas a sua proposta contenta-se com 30% ou 26 milhões), o saldo operacional melhora teoricamente 9 milhões de euros.

D - previsão de receitas do subconcessionário

- 30% das receitas de tráfego:
                        0,3 x 87 = 26
- 1,5€/carr.km:
                        1,5 x 21 = 31
- publicidade, alugueres:
                                           9
- total de receitas:
                 26 + 31 + 9 =  66 milhões

E - previsão de despesas do subconcessionário

- encargos de pessoal (1100 conforme o caderno de encargos, embora só garantido por 1 ano o respetivo acordo coletivo):
                                         48
- fornecimentos e serviços externos, incluindo segurança e vigilancia, energia de iluminação, força motriz e tração, manutenção de via,  sinalização, telecomunicações, baixa tensão, média tensão e pequena manutenção das estações (estimativa de 70% do valor de 2014, considerando que a manutenção do material circulante, viadutos e túneis foi excluida da subconcessão)
                       0,7 x 38 = 27
- total de despesas:
                                        75 milhões


Aparentemente, iremos ter um subsídio ao Estado pelo subconcessionário de 75 - 66 = 9 milhões, que serão provavelmente compensados com medidas futuras como redução dos quadros de pessoal, degradação ou abaixamento do nível do serviço ou da segurança, ou ainda compensados por excedentes de receita da Carris, ou simplesmente por acionamento das cláusulas de reequilíbrio financeiro.

Não posso portanto acreditar no senhor secretário de Estado quando afirma que obterá poupanças de 8 x 25 = 200 milhões.
Nem deixar de recordar que há alguns anos vigorava uma lei que simplesmente excluia propostas demasiado baixas. como parece ser o caso.

A manutenção dos túneis e edificios não consta das obrigações do subconcessionário, nem tampouco a atualização dos equipamentos.
Ao longo de 8 anos alguns equipamentos tornar-se-ão obsoletos e o investimento negativo pelas depreciações.
Isto são coisas para que os financeiros, os jurídicos e os especialistas em autocarros como a Avanza e o grupo ADO (Autobuses de Oriente) não estarão sensibilizados, porque não se pode estar ao corrente de tudo.
Normalmente, quem não está sensibilizado para uma coisa não se candidata a ela, mas parece ter acontecido.
Acresce o risco do subconcessionário começar a cortar na qualidade do serviço, reduzindo a oferta ou os níveis de segurança de circulação (o caderno de encargos não define os indicadores de desempenho que anteriormente se usavam).
Existem ainda cláusulas de reequilibrio financeiro (parecendo não se ter aprendido com as parcerias publico-privadas, sendo conhecida a grande experiencia do senhor secretário de Estado na elaboração de alguns projetos financeiros do passado, desde as salinas do Samouco, às portagens de agosto da Lusoponte e ao Poceirão-Caia), especialmente se a oferta ultrapassar 5% (coisa provável se os combustíveis continuarem a aumentar ou se os governos prescindirem dos ISP considerando o desperdício em combustíveis fósseis importados e em emissões de CO2).

Posso ter-me enganado nas contas, ou não ter tido acesso a dados que deveriam ser públicos, por isso serão bemvindas eventuais correções, nomeadamente quanto aos encargos indiretos de pessoal em 2014, quanto ao coeficiente de redução de encargos de manutenção/FSE devido à exclusão da manutenção do material circulante, túneis e viadutos (sendo certo que no caso dos túneis e viadutos os encargos não são constantes de ano para ano, e no caso do pessoal por um lado diminui o quadro, por outro existe a possibilidade de reposição de componentes salariais cortados no âmbito das medidas da troika).

No entanto, considerando que um transporte público não é para dar lucro (os seus custos são compensados pelos seus benefícios habitualmente não contabilizados, nomeadamente em eficiencia energética e emissões de CO2), este é um exemplo, salvo, repito, a apresentação de dados ocultos, de uma proposta enganosa e de uma gestão de contratação danosa, por ignorar a importancia da experiencia no ramo de negócio a que se concorre.


2 comentários:

  1. Como sabes... não se trata de contas ... mas de "políticas" ... e esta é de "libertar" o Estado das suas Empresas... para privados... O "drama" ... vai continuar... até que ...!!! Deus nos acuda..!!
    A Dantas

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  2. "Libertar" por "libertar", ao menos que "libertassem" para quem percebesse de comboios...

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