Comentador critico não gostou de ver escrito neste blogue "caraterísticas". As coisas não chegaram ao ponto em que há uns anos um irado comentador escreveu inconveniencias, e agora até trocámos impressões calmamente. Mas resolvi olhar para a questão de outro angulo.
Comecei por escrever uma frase de teste, com a grafia do acordo ortográfico de 1945:
"as características de um carácter escrevem-se com caracteres"
e depois fui ao Google tradutor ver como ele achava que se escreveria em várias línguas.
Eis os resultados
alemão
merkmale eines zeichens werdn mit zeichen geschrieben
basco
pertsonaia baten ezaugarriak karaktereekin idazten dira
catalão
les característiques d'un personatge s'escriuen amb caràcters
espanhol
las características de un personaje están escritas con caracteres
esperanto
karakterizajoj de gravulo estas skribitaj per signoj
francês
les caractéristiques d'un caractère sont écrite avec des caractères
galego
as caracteríticas dun personaxe están escritas con personaxes
grego
ta charaktiristiká enós charaktira einai gramména me charaktires
holandês
kenmerken van een personage worden met tekens geschreven
inglês
characteristics of a character are written with characters
italiano
le caratteristiche di un personaggio sono scritte con caratteri
latim
ingenia et mores proprietatibus agentes alicuius scripta sunt
romeno
caracteristicile unui personaj sunt scrise cu caractere
É curiosa a confusão entre caráter/carácter (natureza, índole de uma pessoa, mas também sinal tipográfico) e personagem de teatro ou cinema.
É tambem interessante a consulta ao ciberduvidas, que me pareceu um pouco desencantado e hesitante com a confusão entre os linguistas brasileiros e portugueses:
https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/carater-caracter-caractere-e-caracteres/32337
Debruço-me sobre este tema não para discutir linguistica ou etimologia, o que os especialistas farão melhor, mas para observar o comportamento e a atitude das pessoas perante problemas. Neste caso concreto, como abordar a formação das palavras sabendo que por um lado o povo vai introduzindo variações , e por outro lado as elites e os gramáticos darão outra orientação aos termos, nomeadamente como forma de autonomização relativamente a linguas estrangeiras e respetivo poder politico. Por exemplo, os gramáticos portugueses pós século XVII sistematizaram os termos em português distinguindo-os do castelhano (lingua em que Gil Vicente escrevia), proibindo que se dissesse "mais grande" como os castelhanos.
Outro aspeto que me parece muito interessante é que, sendo inquestionável que a palavra caracter/carater é de origem grega, as línguas europeias ou ignoraram o facto por terem termos próprios para o seu significado (caso alemão, holandês e latim culto) ou respeitosa e conservativamente mantiveram o "c" antes do "t" retransmitido a partir do grego pela potencia colonizadora latina através do latim falado. Exceto o italiano, que se esperaria estivesse mais próximo do latim. Nada que se compare com os conservativos ingleses, que religiosamente respeitaram a ocupação romana (Londinium - London; a muralha de Adriano) e mantiveram o "ch" no início da palavra e o "c" antes do "t", ambos retransmitidos pelo latim. Paradoxalmente, dado que a escrita inglesa, talvez por na origem ser falada pelo povo e não pelas elites, é muito concisa.
Que concluir? ou melhor, que hipótese colocar? Que o italiano é uma língua unificadora que se sobrepõe aos dialetos (como dizia Jorge de Sena, para que os venezianos entendam os napolitanos), que agradeceu o prodigioso contributo grego para a cultura clássica, mas que dispensa o "k" ou o "c" antes dos latinos "t" (e contudo, no latim escrito era "charäcter", segundo o Houaiss, que também regista esta coisa curiosissima, em português no século XIV era "carautala"que se escrevia, no século XV "carater" (!) e no século XVII "caracter").
Isto é, é mesmo provável que o "c" antes do "t" seja uma subserviencia, de que os falantes de uma lingua independente e sem ligações umbilicais ao anterior colonizador, falante do imperialista latim, não precisam. Falantes mais preocupados em produzir algo de útil, os famigerados bens transacionáveis (e não necessariamente transaccionáveis pese embora os latinos escreverem "transäctio") utilizando uma linguagem precisa e concisa, sem purismos e maneirismos. Nesta perspetiva, talvez que o conservantismo de ingleses e franceses se deva ao labor dos seus gramáticos, puristas cumpridores da vontade normalizadora em excesso das elites de não escreverem como o povo (é uma hipótese, repito).
Ou, como diz Frederico Lourenço, uma língua não é de mármore, evolui e os romanos da antiga Roma que escreviam grafitos nas paredes escreviam como pronunciavam e não como os eruditos da época escreviam:
https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/artigos/rubricas/acordo/chronica-de-carnaval/3290
Sem comentários:
Enviar um comentário