quinta-feira, 28 de maio de 2009

Gestionarium III - A metáfora da técnica ferroviária

A metáfora da técnica ferroviária

A técnica ferroviária podia ser uma jovem colega elegantemente vestida como uma executiva.
Mas neste textozinho não é.
É mesmo o conjunto de práticas e teorias que permitem mover pessoas e bens de um lado para o outro, para ajudar à geração de mais-valias.
É portanto um assunto desinteressante para um leitor não dado às questões técnicas, que terá de me desculpar tratar este tema, por ter passado a vida numa empresa ferroviária.
Que eu desculparei o leitor por me achar desinteressante.
É que é normal. Imaginem que há uns tempos, havendo uma questão importante para resolver na empresa, dignou-se a alta direcção convocar uma reunião para tomar a grande decisão. E comoçou a dita reunião dizendo: “Vamos lá resolver isto, mas não me venham com descrições técnicas porque não temos tempo”.
E assim se resolvem as coisas neste país, como dizia o professor Carvalho Rodrigues, sem que a Ciência entre na equação.
Voltando à metáfora, foi o caso de, ao vasculhar uns papeis antigos, do tempo em que os computadores ainda mal falavam entre eles e não deixavam os seus ficheiros nos arquivos da rede da empresa, ter dado com o relatório de um talonamento em 1999.
O que é um talonamento de um aparelho de mudança de via (ou “agulhas”)?
Chama-se talão à vara podada da videira que fica agarrada ao tronco (deixem pelo menos 4 olhos) .
Diz-se talonar um aparelho de via quando o rodado do comboio vindo do ramo principal (por analogia com as plantas: vindo da parte superior do tronco) força os carris móveis do ramo desviado e deforma-os.
Pois aconteceu no Metropolitano em 1999, na estação da Pontinha , que na altura era terminal, depois de sairem os passageiros. O maquinista não esperou o sinal permissivo, avançou com os carris móveis do aparelho de via ainda em movimento, e os rodados do primeiro bogie foram em frente, enquanto os do segundo bogie foram para a via desviada, ficando a carruagem da frente atravessada. Quando se fez marcha à rectaguarda para”endireitar” a carruagem, o rodado do primeiro bogie forçou, talonou e deformou os carris móveis do aparelho de via, inutilizando-o.

Ver desenhos em :

http://en.wikipedia.org/wiki/Railroad_switch

O que é a metáfora?
A metáfora é nós, comunidade, precisarmos de mudar de direcção, o que parece ser consensual.
E parte de nós vamos em frente como se não quiséssemos mudar, e parte de nós mudamos, mas como estamos agarrados uns aos outros por sermos uma comunidade, ficamos atravessados.
E isso acontece porque não se respeitaram as regras de mudança de direcção (aguardar pelo sinal permissivo que resume que todas as condições necessárias ao avanço seguro do comboio estão reunidas), ou porque os sistemas instalados permitem erros de tomada de decisão.
Voltamos assim ao professor Carvalho Rodrigues: é preciso meter a Ciência na equação.
Por mais dinheiro que custe, é preciso instalar sistemas que evitem os erros (ou pelo menos atenuem a probabilidade da sua ocorrência).
Seja em que modo de transporte for.
Os princípios físicos e matemáticos que enformam a concepção, construção e instalação desses sistemas fazem parte dos programas das escolas e universidades.
Mas temos a tendência para os esquecermos, para não os aplicarmos; e os erros sucedem-se, e as consequências dos erros agravam-se.
E quando as consequências dos erros aparecem nos jornais, todos têm opinião, mesmo sem se lembrarem dos tais princípios físicos e matemáticos…
Até quando? como diziam os clássicos…

1 comentário:

  1. Provavelmente até serem os físicos e os matemáticos a dominar as máquinas, ou pelo menos a serem eles a explicar o conceito.
    DPVL

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