segunda-feira, 18 de maio de 2009

Nó de Alcantara (MAI08)

Durante muito tempo esteve suspensa a espada de Damocles.
E agora caiu, com estrondo.
Seguidamente se abaterá sobre as nossas cabeças o cortejo de infelicidades.
O pensamento português contemporaneo saiu recentemente das tormentas da escolha do local do novo aeroporto (eu podia tentar uma análise mais dentro da economia política clássica e dizer que a escolha foi entre as propostas de 2 grupos económicos, de constituição espúria, mas comportando-se como grupos de interesse económico; mas isso são analises fora de moda, por isso me refiro ao "pensamento português" enquanto "motor" da tomada de decisões a nível de governo) .

Passou rapidamente para as tormentas da escolha da terceira travessia do Tejo.
Aqui inovou e conseguiu apresentar um projecto mais avançado, beneficiando do “know how” da RAVE. O modelo gerado pelo pensamento português seguiu duas linhas de orientação fundamentais para escolher o local da travessia que servirá a ligação ferroviária TGV com Madrid:
1 – deverá ser a ligação mais curta entre a estação Oriente e o Barreiro, porque se pretende instalar as oficinas do TGV no Barreiro (o facto da ligação a Madrid ter mais 5 km é irrelevante, e para justificar o local com argumentos do tipo “ordenamento do território”, expressão que fica bem em qualquer curriculo de mestrado, obtem-se o apoio dos presidentes de câmara da margem sul acenando com a utilização rodoviária da ponte: Barreiro-Lisboa num ápice);
2 – deverá ser a ligação mais fácil entre a ponte e o eixo da linha do Norte, a caminho de Oriente (os projectistas de traçados de caminho de ferro têm alguma razão em escolher as soluções mais simples; o problema é que por vezes a melhor solução para um modo de transporte não é a solução mais simples para um traçado ferroviário).
Se aceitarmos os 2 pressupostos anteriores, a escolha da RAVE (Chelas-Barreiro) está correcta; se aceitarmos outros pressupostos, não. A vantagem do pensamento português é satisfazer-se com os 2 pressupostos e assim encontra a solução.

Vencidas as etapas novo aeroporto e terceira travessia enfrenta agora o pensamento português novo desafio: o nó ferroviário de Alcantara. Este é a espada de Damocles acima referida.

O nó ferroviário de Alcantara é, objectivamente, emtermos de engenharia de transportes, um disparate. É o resultado de decisões políticas tomadas por decisores que ignoram as regras da arte.
A ideia de correspondencia entre as linhas de Sintra e de Cascais está correcta, mas o modo não.
Recordo que em 1974 o estudo da Deconsult apontava como primeira prioridade o prolongamento do metro da Rotunda para Alcantara. E continuaa ser prioritário. Infelizmente houve um ministro em 1993 que achou que Salomão atribuiria o serviço da Baixa-Santa Apolónia ao ML e o serviço Alcantara-Campolide à CP. E assim fez, enquanto preparava o futuro da travessias rodoviárias do Tejo.
Mais tarde um presidente de Câmara rendido às urbanizações de luxo insistiu que o troço da linha de Cascais entre Alcantara e o Cais do Sodré devia ser desactivado (a mania que os presidentes de câmara têm de desactivar) para Renzo Piano fazer umas urbanizações de luxo (que maçada, temos de aturar provincianos em lugares decisivos?).
E os nossos colegas da CP/REFER tomaram posse do seu território e fizeram um projecto que não levou em conta a experiencia adquirida pelo ML com os próprios erros (é muito mau não aprender com os erros, quer sejam do próprio, quer sejam de outros):
Ligação enterrada da linha de Cascais à linha de Sintra e uma estação enterrada em Alcantara, obrigando alguns colegas nossos do metro (sendo chefe dessa missão o arq Brito da Silva que teve de me ouvir na altura)a projectar uma estação enterrada.
Vem finalmente outro ex-ministro que aparece a chefiar uma empresa ligada à concessão do terminal de contentores de Alcantara e que atira com decisão a espada de Damocles ao chão, anunciando para já um investimento de 200 milhões de euros (chamo a atenção que esta estimativa é para a remodelação do terminal de contentores, não é para o nó de Alcantara, cujos custos de construção são proibitivos). Eu não digo que não deva haver um porto marítimo em Lisboa (tem de ser tudo na margem norte? já viram bem o abandono em que está a margem sul? não podiamos ser informados sobre as hipoteses de aproveitamento das frentes ribeirinhas e da repartição dos seus usos, incluindo zonas de lazer e náutica de recreio?), mas é uma pena que não se assuma uma coisa muito simples: o porto de Sines não é um elefante branco, é um planeamento correcto dos anos 70 do século anterior (o senhor eng.Guterres havia de gostar de ler isto), incluindo o alívio do Porto de Lisboa; eu sei que o pensamento português gosta muito do argumento de que não se deve gastar dinheiro, mas a engenharia de transportes tem de dimensionar as infraestruturas em função dos volumes de transporte, e esses volumes excedem a capacidade do porto de Lisboa (faz-me lembrar a Portela; se estagnarmos o país para não transportarmos mais passageiros e desertificarmos à volta da Portela para não fazer ruido para os moradores, já podemos conservar lá o aeroporto - o pensamento português tolhe muito os movimentos...).
Parece-me que estas decisões não deviam ser factos consumados comunicados ao "povo ignorante e impotente" com pompa e circunstancia.
Numa altura em que por esse mundo fora as decisões são partilhadas e submetidas a apreciação pública (lá vou eu citar outra vez a Sabedora das multidões, mas para variar podem ver tambem o "Wikinomics", leia só as primeiras páginas na FNAC que já é elucidativo), graças à força do pensamento português estamos nisto.

Eu gostaria de não ser mal interpretado e mostrar por que estamos perante um disparate:
1 - a estação do metro não deve ser enterrada porque o desnivel relativamente a Estrela implica maior consumo de energia relativametne à solução viaduto (por sobre a linha de Cascais)
2 - a estação de metro e a estação da CP não devem ser enterradas porque os terrenos de Alcantara são aterro (2ª metade do século XIX) e aluviões; tecnicamente pode construir-se (relembro os custos das estações enterradas de Terreiro do Paço e de Santa Apolónia) mas é mais económico recorrer a estacas e viadutos
3 - a ligação entre Alcantara e a linha de cintura não deve ser enterrada ao longo do caneiro de Alcantara (lembram-se da recente intervenção no caneiro, que estava a abater?) pelas mesmas razões geo-técnicas;
4 - a linha de cintura da CP já está saturada em termos de tráfego suburbano, interregional , de mercadorias e necessidades de manutenção, pelo que a ligação entre as linhas de Sintra e Cascais será feita com vantagem pelos prolongamentos das linhas do metro Rato -Alcantara e Alameda-S.Sebastião-Alvito (correspondencia com a linha da ponte 25 de Abril); é uma pena outra característica do pensamento português: querer aproveitar uma unica infraestrutura para tudo, neste caso a linha da cintura; e é uma pena porque os decisores não são aqueles que depois vão explorar e manter em regime de sobrecarga
5 - seguindo a velha técnica shakespeariana de avançar com 2 ou 3 árvores a esconder a floresta, os promotores do nó de Alcantara vão conquistar o apoio popular com o desnivelamento rodoviário relativamente à ligação ferroviária ao terminal de contentores, prometendo construir as estações enterradas e a ligação enterrada à linha da cintura para melhores dias (lembram-se que os melhores dias nunca mais chegaram para o pobre túnel rodoviário do Terreiro do Paço, por causa do qual a nossa estação TP está a 18m de profundidade? isto é, foram mais uns dinheiritos de volume de escavação).
Quer isto dizer que vão dar prioridade ao secundário (a cidade para os cidadãos parece ser a primeira prioridade, e não o terminal de contentores e o TI para Cascais, ou estou enganado?) e o que vão construir já vai condicionar inapelavelmente as estações do metro e da CP.
É pena, mas é muito português.
É também muita pena, porque Alcantara significa em árabe "ponte", e não túnel, e os engenheiros árabes, dignos herdeiros de Vitrúvio, já sabiam que o terreno ali era ingrato, e havia que fazer lá uma ponte para unir.

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