Da Ota para a RAVE no Oriente, e da RAVE no Oriente, para o nó de Alcantara
Tentei sempre ter, e levar os meus colaboradores a ter uma visão integrada do trabalho de cada um no contexto do Metropolitano e deste no contexto dos transportes na área Metropolitana e no País.
Sempre discordei da teoria “cada um no seu compartimento estanque”, à espera que as coisas aconteçam e culpando os outros por não acontecerem.
Por isso acompanhei com entusiasmo a “novela” do novo aeroporto e aplaudi ter-se conseguido evitar o erro da Ota.
Embora reconheça que a terceira travessia do Tejo e as novas linhas da RAVE são uma solução francamente acima da nota 10 (em 20) , sinto uma certa pena por ver que o trabalho se desenvolve de uma forma olímpica e sobranceira, com imposição de soluções específicas não trabalhadas em debate alargado (ver localização e critérios construtivos da estação de Oriente, com graves inconvenientes para a nossa estação, e sem que ninguém, ao nível decisório, dê razão a Santiago Calatrava, quando reconheceu que da primeira vez cometeu erros; ora, tendo ele cometido esses erros por não ter ouvido outros, a probabilidade de vir a cometer novos erros, por continuar a não ouvir outros, será muito elevada).
Considero um erro não se estar discutindo a nível das empresas que operam na área de Lisboa, a nova rede suburbana que utilizará a nova ponte, nem os pontos de correspondência intermodal.
Porém, grave é o que o nosso ministro dos Transportes, nos veio dizer na entrevista na televisão de dia 18, quando justificou o prolongamento da concessão do terminal de contentores de Alcântara com as beneficiações que a Mota-Engil vai custear na zona.
A gravidade para mim não está em qualquer aspecto legal, uma vez que concordo com ele, ministro, que não houve ilegalidade.
A gravidade está em que é apresentado como benefício a demolição dos edifícios da Doca do Espanhol e a transformação de toda a área em parque de contentores.
Benefício? Vedar aos cidadãos o acesso ao rio? A troco de aumento do PIB, é certo, mas não há outro sítio para ir aumentar o PIB?
Passou a ser prática corrente atribuir pedaços da margem a honoráveis entidades, que são honoráveis mas que impedem a fruição do rio pelos cidadãos? Enquanto a margem sul, a Poente de Cacilhas, jaz podre e abandonada, também sem fruição e sem planos do conhecimento público.
Foi o observatório da droga e a sede do controle marítimo (perguntaram aos cidadãos se aqueles pastelões arquitectónicos podiam ali pôr-se?), foi a fundação com o nome do sobrinho mais competente de Henrique Sommer em Pedrouços (era o único terreno disponível?). Foi a deslocação dos contentores e dos depósitos de combustível da zona da Expo para Santa Iria da Azóia e para Alverca (podemos falar em êxito no Parque das Nações quando as populações destas localidades se viram privadas do acesso ao rio?
Ameaçam-nos com a ocupação da margem em Santa Apolónia com um terminal de cruzeiros (se tiver de ser, arranjem por favor um arquitecto que ouça as opiniões das pessoas, para não repetir o desastre da Ribeira das Naus).
É portanto um benefício a demolição dos edifícios da Doca do Espanhol? Segundo as regras dos economistas, o benefício é diminuído do valor da reinstalação em condições equivalentes dos serviços aí residentes. A entrevista foi omissa nessa contabilização (é possível que já tenha sido publicitado, porém ignoro se o concessionário irá suportar a 100% o custo das infra-estruturas ferroviárias que não colidam com o tráfego rodoviário; caso contrário, teríamos outra parcela dedutível ao benefício). Além do mais, pode ser que seja benefício se deixarem o argumento de que o Metro não pode ir em viaduto a Alcântara por razões estéticas.
As mesmas regras pedem ainda a comparação do benefício assim obtido gratuitamente até 2042 em Alcântara com o diferencial benefícios-custos de outras localizações.
E aqui surgem as campainhas de alarme, tocando com a sua máxima força.
Havia alternativa.
Havia alternativa com benefícios muito superiores. Claro que com custos muito superiores. Por isso falo em diferencial.
Essa alternativa já estava estudada. Há muito, e era a etapa seguinte ao fim da concessão de Alcântara.
Alguém terá feito o mesmo que na Ota.
Decretou que o nó de Alcântara estava indissociavelmente ligado aos contentores e pronto. Não se fala mais nisso.
Mas fala. Os técnicos da especialidade tinham o plano preparado há muito para instalar o principal terminal de contentores do porto de Lisboa no fecho da Golada, entre a Cova do Vapor e o Farol do Bugio.
Estava tudo estudado.
Alguém achou que era mais barato afundar o nó de Alcântara com as mais valias do terminal de contentores de Alcântara.
Será.
Porém eu não subscrevo. Quem o fez terá compreendido as razões técnicas da proposta na Golada?
Terá compreendido que “despejar” sobre a linha de cintura da CP tráfego de passageiros vindos da linha de Cascais e tráfego de mercadorias vindo do terminal de contentores de Alcântara será incomportável para a linha, por mais quadruplicada que esteja, sobrecarregada que está ou estará com serviço de suburbanos de Sintra, da Azambuja, da margem sul pela 25 de Abril , da margem sul pela 3ª travessia, e naturalmente com necessidades de manutenção?
Se compete aos técnicos esclarecer quem toma decisões, porque não esclareceram?
E quem decidiu prolongar o período de concessão do terminal de Alcântara terá decidido proscrever o projecto da Golada? A entrevista é omissa.
É que se decidiu e depois acontece o mesmo que na novela Ota-Alcochete, e o projecto da Golada fôr mesmo para a frente, quanto mais não seja para responder ao desafio da competitividade de que falou o ministro na entrevista, o tal benefício deixa de ser benefício, passa a ser apenas dinheiro deitado à rua, isto é, afundado juntamente com o nó de Alcântara.
Em resumo: temos no nó de Alcântara erros graves de planeamento de transportes urbanos; temos no terminal de contentores de Alcântara erros graves de planeamento de transportes marítimos. Se pouco podemos fazer porque não há debate participado, ao menos tenhamos opinião , e quando for caso disso, “Express it”.
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