O cérebro humano é um factor de produção nas empresas e na vida económica.
Não sou a pessoa mais indicada para o demonstrar, mas em todos os seminários ou apresentações de gurus da economia e da gestão a que tenho assistido lá vem a asserção de que o conhecimento é um factor decisivo para o sucesso das empresas.
Conhecimento e informação são o produto do cérebro humano, que é assim o factor de produção determinante.
O cérebro humano pertence ao indivíduo que o detém.
Logo, a posse deste meio de produção determina a classe dominante na cadeia de produção, sendo certo que o detentor desse meio de produção é o próprio indivíduo.
Logo, ou a lógica é uma batata, ou já atingimos o estágio marxista da posse dos meios de produção pelos próprios trabalhadores assalariados.
Como já referi anteriormente, o raciocínio anterior não é meu, e até tenho pena, mas sim dos autores do livrinho de que já fiz propaganda, “Funky business, capitalismo para sempre”, que serão tudo menos marxistas.
Vem isto a propósito, enquanto exemplo da maravilhosa dialéctica que nos atormenta a paixão dos nossos cérebros por lógica “tudo ou nada”, de duas manifestações curiosas do cérebro humano.
Uma, a de um escritor com uma rara sensibilidade poética e uma vasta cultura literária, que reagiu mal aos resultados eleitorais e invocou o conceito de estupidez para a multidão dos votantes (utilizei aqui o termo multidão para mais uma vez fazer propaganda do livrinho de James Surowiecki , a Sabedoria das Multidões).
O fenómeno das eleições é muito interessante enquanto manifestação de massas, comportando-se o indivíduo aparentemente como sujeito de movimentos indecisos ou erráticos.
Apenas aparentemente e talvez reproduzindo o movimento colectivo dos grandes grupos de animais, para quem as regras desses movimentos são condição de sobrevivência (resistência a predadores, por exemplo, garantindo os caminhos de fuga para todos os individuos do grupo graças à manutenção das posições relativas entre si apesar das constantes mudanças de direcção).
A previsão dos movimentos dos eleitores é assim mais fácil para uma boa empresa de sondagens do que para os próprios indivíduos que irão votar, mas que poderão não antever os resultados.
Nesta perspectiva, os resultados eleitorais não poderão ser classificados como “estupidez”, como de forma inapropriada o dito escritor escreveu.
Assim se poderá compreender como os eleitores, perante a desregrada política económica e financeira dos neo-liberais (respeitando religiosamente a máxima adam smithista: ”laissez faire, laissez passer”) em vez de punir nas eleições os partidos de inspiração liberal, ao contrário os premiaram.
Talvez porque os movimentos de grupo vão seguindo tendências que vão resultando de micro movimentos de imitação (como as aves no grupo migratório ou os peixes nos cardumes, protegendo-se dos predadores) e que não podem bruscamente cindir-se em dois grupos menores em direcções diferentes.
Nesta perspectiva poderia até pensar-se em “estupidez” dos votantes se pulverizassem as tendências.
As novas tendências formar-se-ão assim lentamente, talvez se possam detectar movimentos de mudança (traduzidos por uma derivada ou variação do valor absoluto relativamente a um valor anterior ) e talvez para as próximas eleições mudemos em valor absoluto.
E aqui entro no segundo exemplo de manifestação curiosa do cérebro humano.
Que é a da estratégia da nossa televisão pública. Que compete valentemente com a televisão privada nas audiências de programas de baixo nivel cultural (já imaginaram o que seria se, em vez daqueles senhores que apresentam concursos aparecessem depois do telejornal as personagens do Crepusculo dos Deuses a cantar Wagner? Que a RTP até gravou toda a Tetralogia…).
Para manter os concursos e as novelas, a RTP absorveu indemnizações compensatórias da ordem de 2.400 milhões de euros entre 2000 e 2009 (em 2009 a novidade foi um aumento de capital público de 292 milhões de euros).
Qualquer coisa como 24 km de linhas de metropolitano, chave na mão. Não é um fenómeno cerebral interessante, o que possibilita isto?
Como sabem, a grande desculpa para o sorvedouro da RTP é que precisa de fazer o serviço público.
Não, não faz, vejam o que diz o organizador do festival de cinema documentário e de curtas de Lisboa: "Não há serviço público na RTP".
Assim como é um fenómeno cerebral interessante o passivo de 15.000 milhões de euros do Instituto de Estradas de Portugal (ah, sim, existe a desculpa das Scuts, porque a dívida do IEP é só de 1.500 milhões de euros; mas também é verdade que foi vendido que a administração do IEP era muito “competente”).
Não é mesmo uma manifestação dialéctica do nosso cérebro bem português, podermos discutir números destes, da mesma ordem de grandeza do Lehman Bros?
E assim vamos.
Bem, com certeza.
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