sexta-feira, 30 de outubro de 2009
Energis VII - O secretário de Estado João Fictício Azeitona
João Fictício Azeitona , nascido e criado em Azeitão, e talvez por isso admirador de Sebastião da Gama, tem um nome bem adaptado à sua militância em grupos ecologistas.
Dada a sua proximidade ao partido mais votado, não se estranhou a nomeação como secretário de Estado do Ambiente.
Mas João Fictício teve, enquanto secretário de estado, um comportamento independente das orientações do partido, colocando sempre em primeiro lugar o Ambiente ou, como ele dizia, as pessoas.
Já se percebeu, por esta altura, que este pequeno texto é apenas uma homenagem a João Fictício, e não tem nada que ver, nem sequer por meras coincidências, com a constituição do actual governo da Nação.
João Fictício, a quem muitos acusavam de lírico, o que não deixava de lhe causar um certo prazer, atendendo à admiração por Sebastião da Gama, tratou de fazer jus ao seu nome quando se apanhou na secretaria de estado.
E um dos dossiers, como se diz em burocrático, que tomou entre mãos e fez até avançar, foi o do levantamento e identificação das potencialidades de cultura e produção de espécies vegetais para a produção de combustíveis, ou para mistura com combustíveis fósseis, de modo a reduzir a dependência externa dos ditos, e também a famosa “pegada ecológica”, ou pegada do carbono” do país que muito queria servir.
Em pouco tempo, um grupo de jovens entusiastas que o rodeava, alguns com concepções políticas que mais tarde escandalizaram os chefes do partido, tinham desenhado um mapa do país agrícola com áreas bem marcadas em que estavam assinaladas as espécies que se poderiam cultivar com sucesso, as quantidades de grão, frutos ou bagas que se poderiam obter e as quantidades de combustível vegetal e os respectivos poderes energéticos.E depois, se o projecto ayingisse os objectivos, que não se admirassem de ver andar camiões apenas com óleo de colza, que Rudolf Diesel experimentou o seu primeiro motor com óleo de amendoim.
João Fictício iniciou então uma guerra com entidades públicas e privadas, porque em Portugal é muito difícil planificar de forma integrada seja o que for.
Os proprietários rurais não quiseram associar-se nem coordenar as suas culturas em função das necessidades de produção de combustível vegetal, as empresas industriais de resíduos urbanos e agrícolas desconfiaram de que estavam a querer ficar-lhes com o negócio, as repartições públicas temeram o fim da calma dos gabinetes, e todos acharam que havia ali movimentações de comunistas.
Enquanto essa guerra germinava, como bom azeitonense, impressionado pela quantidade enorme de azeitona que é desperdiçada quando começa a cair, todos os anos, a partir de Outubro, João Fictício promoveu a recolha, por todo o país, da azeitona caída.
Carrinhas de caixa aberta ou de caixa fechada, de grandes empresários de transportes ou individuais que foram a correr registar a sua empresa unipessoal em menos de uma hora, e que responderam aos processos de contratação pública em estrito cumprimento da legislação, percorreram todo o país.
E assim ficou provado, aos olhos de muitos, que era mesmo coisa de comunistas, porque essa ideia de apanhar a azeitona do chão já tinha vindo à tona com a Maria Vitória da ocupação da herdade da Torrebela e do filme de Thomas Harlan (ver em http://pt.wikipedia.org/wiki/Torre_Bela_(filme) ).
Foram assim levantadas do chão toneladas de azeitonas, desde as azinhagas de Carnide, em Lisboa, às estradas e caminhos das serras da Arrábida e do Louro, ali ao lado de Azeitão, aos campos de Sousel e do Alentejo, às terras de Trás os Montes e do Côa.
Não se tocava nas azeitonas agarradas aos ramos. Só se apanhavam as caídas.
Toneladas e toneladas de azeitonas foram prensadas, até nos lagares que as normas comunitárias tinham excluído da produção de azeite por carência de satisfação dos requisitos da União.
Do óleo de azeitona que se obteve, não integrável na cadeia alimentar pelas razões acabadas de expor, produziu-se por transesterificação combustível biodiesel.
Depois, a partir do bagaço da azeitona, com peles, sobras de polpa e caroços, que sobraram nos filtros das centrifugadoras, obteve-se mais óleo, agora iluminante ou para queima.
E por fim ficaram os caroços, da melhor madeira.
Caroços, restos do bagaço e óleo iluminante acabaram em centrais termo-eléctricas de bio-massa, de braço dado com cascas de amêndoa , ramos triturados e sobras dos baldios.
Feitas as contas, conseguiu-se produzir naquele ano, só à conta das azeitonas, aproveitando-se duas pequenas centrais de 5 e de 20 MW já existentes, qualquer coisa como 30 GWh (Gigawatt.hora) ou dizendo doutra forma, 30 milhões de kWh de energia eléctrica.
Não foi muito, num país em que se produz cerca de 47 TWh (Terawatt.hora), ou dizendo de outra forma, 47.000 milhões de kWh.
Porém, esses 30 milhões de GWh ficámos a devê-los às azeitonas, e não a combustíveis fósseis que temos de importar, e quase nada poluíram em emissões de gases com efeito de estufa, quando comparados com as emissões dos combustíveis fósseis. Digo quase nada porque houve algumas emissões durante o processo de recolha e de fabrico dos combustíveis vegetais.
Não gostou um grande industrial com grande volume de negócios na área do aproveitamento de resíduos, talvez “et pour cause”, que lhe tivessem atravessado a herdade a apanhar azeitonas do chão.
E como publicano ofendido rasgando as vestes com pública fúria, processou o secretário de Estado por violação de propriedade privada.
Não teve João Fictício paciência para aturar os senhores jornalistas que quiseram fazer grandes títulos dos jornais, nem os chefes do partido e do governo que lhe exigiram relatórios e arrepio do caminho mudando para alvos prioritários de melhor aceitação pública.
E demitiu-se.
Foi dar aulas para a sua escola, duas ou três cadeiras do curso de engenharia ambiental; desabafa de vez em quando num blogue, relê aos fins de semana a poesia de Sebastião da Gama com a serra da Arrábida como fundo, e está a investigar o potencial das algas para a produção de biodiesel e dos respectivos resíduos para queima em centrais termo-eléctricas de bio-massa.
Este ano pelo Outono, lá estão as azeitonas no chão, morrendo ingloriamente aos pés de quem passa.
Mas atenção, é mesmo verdade, não tem esta história nada que ver com o governo actual.
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