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Micro-ensaio é isso mesmo. Pequeno demais para ser um ensaio, mas mesmo assim como se pudesse vir a ser um ensaio.
Tal como a minha professora de ciências naturais do liceu nos ensinava, não deveremos estudar os grupos de animais segundo os padrões da sociedade humana.
Mas podemos analisar o comportamento dos bichos para fazer metáforas.
As formigas são um exemplo de predomínio do coletivo sobre o individuo.
Por exemplo, uma formiga pode desenvolver uma espécie de vacina quando todo o grupo é ameaçado por uma epidemia; a pobre formiga desfaz-se a si própria na vacina que impede a propagação da epidemia; é como se o indíviduo se sacrificasse para redimir ou salvar todos os seus semelhantes.
Claro que este comportamento não resulta de nenhuma decisão; é apenas um mecanismo de proteção da espécie. E como qualquer mecanismo biológico, a capacidade humana para estabelecer relações entre supostas causas e supostas consequências terá, por exemplo, transformado o mecanismo em fenómeno religioso. Veja-se o caso do deus indu Aravan, escolhido pelos deuses para se sacrificar para os salvar. O que Aravan aceitou, com a condição de se casar na véspera da batalha em que ia morrer. Nenhuma noiva o quis, pelo que Krishna, um avatar do deus supremo Visnu, tomou a forma de Mohini, que deu a Aravan a noite de núpcias merecida. E assim Aravan é considerado o progenitor das hijras, os transexuais homem-mulher na Índia. Não inventei nada. Tudo isto faz parte da religião indu. O cérebro humano, em grupo, consegue criar relacionamentos entre comportamentos, como a formiga consegue criar vacinas. Provavelmente o efeito protetor sobre a espécie será o mesmo, se podemos dizer que a religião protege de alguma coisa, do medo, talvez.
Mas talvez seja mais fácil analisar o comportamento dos insetos altruistas entre os pirilampos.
Verificou-se que os grupos de pirilampos macho sincronizam os seus
flashs em vez de emitir as luzes aleatoriamente.
Se o fizessem, algumas, apenas algumas pirilampos fêmea reagiriam aos flashs.
Essa seria a proposta de Adam Smith, que os mais capazes emitissem os seus apelos, sendo certo que só muito poucos receberiam o retorno (é a velha historia de 10 % de indivíduos terem 90% do rendimento).
Porém, os pirilampos são também insetos altruístas e sincronizando os seus flashs permitem às fêmeas escolher calmamente os seus acasalamentos. Essa seria a proposta de Marx, distribuir os benefícios pelo maior número possível de indivíduos. Como dizia John Nash (teoria da conciliação e da negociação), não devem todos os pretendentes concentrar-se simultaneamente na loura de olhos verdes.
E não esqueçamos que os insetos estão razoavelmente preparados para resistir às radiações nucleares e às mudanças climáticas.
Mais uma vez regeito qualquer racionalidade entre as formigas ou entre os pirilampos. Mas também é capaz de não haver muita racionalidade nos comportamentos humanos. Pode ser apenas uma reação de grupo, de movimentos moleculares, de mecanismos protetores de uma espécie. Ninguém desejaria alterar o código genético do indivíduo de modo a que ele se sacrificasse pelo coletivo, nem tão pouco de modo a que limitasse a sua liberdade individual contentando-se com um benefício igual ao do coletivo, quando tinha uma oportunidade de o ter maior.
Porém, não devemos propor a mudança do código genético, mas podemos pedir a utilização do cérebro para melhorarmos o bem estar do coletivo. É por isso que existe o código da estrada. Todos vão sincronizados, na autoestrada, a 120 km/h, de acordo com as regras de circulação pela direita, em nome do bem estar coletivo. Altruísmos.
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