sexta-feira, 9 de março de 2012

Falas de governantes - a adimplência





O fait-divers, perdoe-se o galicismo, da duplicação do pagamento de 4,4 milhões de euros (que já estavam integrados num conjunto de 6,7 milhões de euros) tem o nível, em primeira análise, como fait-divers, de um episódio ligeiro de uma opereta.
Como acusou o senhor secretário de estado, terá sido um excesso de zelo da Estradas de Portugal, que queria economizar o pagamento de 4,4 milhões de euros (a ideia de acabar com as borlas das portagens em Agosto de 2011 era essa) .
Pena não terem os senhores governantes um pouco desse excesso de zelo para comprar os 3 milhões de chapas para os estaleiros de Viana iniciarem os asfalteiros venezuelanos.
Passados 6 meses e meio sobre Agosto de 2011, parece excesso de lentidão da parte do governo em reaver os 4,4 milhões de euros através da assinatura de novo acordo com a Lusoponte.
Ou, em síntese, terá sido um excesso de adimplência por parte do governo, de um contrato que retratava uma situação diferente (o contrato previa portagens à borla em Agosto; a situação nova foi Agosto de 2011 sem borlas).
Pena os senhoress governantes não quererem cumprir “à letra” os contratos sobre os subsídios de férias e natal, alterados unilateralmente.
Mas o episódio não é de lana caprina e merece uma segunda análise.
Objetivamente, interessa perceber, do ponto de vista psicológico, por que o senhor primeiro ministro afirmou que o dinheiro estava retido nas estradas de Portugal, quando ele já tinha sido recebido pela Lusoponte.

Interessa perceber, não para concluir se é devido ou não o pagamento conforme despachou em novembro de 2011 o senhor secretário de estado, mas para compreender os mecanismos de análise, de compreensão e de decisão do senhor primeiro ministro.
Isso interessa muito, porque a perceção que se tem é que o seu governo segue rigorosamente as suas determinações. Isto é, o senhor primeiro ministro não é um “primus inter pares”, como ensinou a história da democracia, é um “primus”, tão só.
E fala na Assembleia da Republica com a maior das seguranças sobre um assunto de que não dispõe de informação suficiente. Ouviu-o eu, através da TV, afirmar na AR que os 4,4 milhões tinham ficado retidos na EP, e acrescentou com ar de superioridade contentinha consigo própria, passeando um sorriso triunfante pela assembleia, que o senhor deputado estava a interpretar mal uma simples retenção.

Bem, como dizia, interessam-me os mecanismos psicológicos.

Como compreendeu a questão o senhor primeiro ministro? Ouviu qualquer coisa como reter e achou que a EP/ Estradas de Portugal tinha retido e promulgou a conclusão: não tinha havido pagamento “duplicado” à Lusoponte.
Provavelmente pensou que era a EP que cobrava as portagens e depois dava o dinheirpo à Lusoponte. Não é, a Lusoponte cobra as portagens e fica com o dinheiro. Elas contribuem para o seu lucro anual de 7 milhões de euros.
O senhor primeiro ministro ouviu outra coisa diferente do que o senhor secretário de estado lhe transmitiu apressadamente pelo telefone.
É um princípio básico da comunicação – é essencial que o que se ouve seja o que se emitiu, mas para isso o critério de análise dos sons e palavras tem de se o mesmo pelo emissor e pelo recetor.
Para se conseguir isso há regras de análise que devem ser seguidas e que não são seguidas normalmente por quem toma decisões, quer seja num episódio pequeno como este, quer seja na decisão de atribuir ou não 3 milhões de euros aos estaleiros de Viana para comprar chapa para arrancar com os asfalteiros.
Que decide prefere acreditar na realidade que constrói com base em indícios do que seguir as regras de análise da realidade.
Era o que eu observava em muitas reuniões, toda a gente a perceber as questões com exposições rápidas e eu sem compreendê-las.
Depois os decisores tomavam a decisão de acordo com o seu mundo virtual, não real, por mais que eu, quando o assunto era comigo, tentasse explicar as relações de causa e efeito (foi exemplar um senhor administrador ter começado uma reunião com esta frase: “vamos então resolver isto, mas não me venham com questões técnicas”).

De acordo com a notícia do jornal o Sol, que desencadeou este episódio de opereta, pelo acordo de reequilíbrio financeiro, versão 8, de 2008, com a Lusoponte (como amortizações pela construção da Vasco da Gama, como compensação pela não subida das portagens na 25 de Abril com medo dos buzinões, como compensação pelo apoio da Lusoponte às salinas do Samouco, ou de construção de acessos, etc, etc), em princípio a ser substituído pela versão 9 em 31mar2012, o Estado paga como compensação pela não cobrança (pela Lusoponte) das portagens de agosto, 6,7 milhões de euros (equivale a cerca de 100.000 carros por dia).

Tendo a Lusoponte cobrado 4,4 milhões de portagens, o que ilustra a redução de tráfego, a EP propôs pagar apenas 6,7-4,4=2,3 milhões, o que o senhor secretário de estado não aprovou, mandando-a pagar.

Porque, de facto, embora fosse lógico, e as pessoas têm cabeça é para pensar, o fim das borlas justificava a EP não pagar o que já tinha sido cobrado. Porém, o imperativo jurídico do contrato, por não prever o pagamento das portagens em agosto, “fundamentou “ a determinação para a EP pagar os 4,4 milhões.
Isto é, ninguém reteve nada, foi uma incompreensão.
Mas foi principalmente um excesso do senhor secretário de estado, não de zelo, mas de adimplência do contrato, e uma exibição de excesso de auto confiança do senhor prieiro ministro.

Ah! É verdade, tinha-me esquecido de dizer, adimplência significa cumprimento rigoroso, à letra, fundamentalista, de qualquer obrigação, contrato ou acordo.
Se calhar o nosso problema é este, um problema de adimplência de enunciado mal compreendido e de resolução pior tentada.

Enfim, mais um episódio da novela das parcerias público privadas, tão criticadas pelo Tribunal de Contas
(ver
http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2001/47-2001v1.pdf  ),

 embora se reconheça que o problema é complicado e, evidentemente, mais um exemplo da promiscuidade entre o poder político e o poder económico, através das suas figuras de relevo (cargos em companhias privadas de anteriores ministros com que tiveram relações) .



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