quarta-feira, 21 de março de 2012
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos e a citação de Thomas Jefferson
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
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Felizmente não estou exatamente nas mesmas condições de Álvaro de Campos, que já não festejava o seu dia de anos.
Apesar dos tempos de crise ofereceram-me CDs e vinhos.
Formam de mim esta ideia, que gosto de música e de vinhos, e será provavelmente mais aproximada da realidade do que a ideia que tenho de mim.
Teve bom gosto, quem ofereceu, e eu a sorte de não haver repetições nas ofertas.
Syrah e Touriga do Douro, Vivaldi e Corelli do século das luzes.
E eis que, já de madrugada, cai no meu email uma oferta não repetida, uma citação que eu não conhecia, sobre os financeiros, de Thomas Jefferson, um dos pais fundadores como os americanos gostam de dizer.
«Acredito que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades do que o levantamento de exércitos. Se o povo Americano alguma vez permitir que bancos privados controlem a emissão da sua moeda, primeiro pela inflação, e depois pela deflação, os bancos e as empresas que crescerão à roda dos bancos despojarão o povo de toda a propriedade até os seus filhos acordarem sem abrigo no continente que os seus pais conquistaram.» Thomas Jefferson, 1802.
Lembrei-me da citação de Andrew Jackson, outro dos “founding fathers”, presidente dos USA em 1834 quando escreveu (ver
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2010/11/andrew-jackson-e-alguns-banqueiros.html ):
“Também tenho sido um observador atento do que o Second Bank of the United States tem feito. Tenho colaboradores a vigiar-vos há longo tempo e estou convencido de que vocês usaram os fundos do banco para especular . Quando ganham, dividem os lucros entre vocês; quando perdem, debitam ao banco… vocês são um ninho de víboras e de ladrões”.
Eu não queria dar razão aos comentadores adeptos das ideias dominantes mais ou menos ultra liberais que criticam por injusta a diabolização dos financeiros.
O filme Margin Call, por exemplo, desvia a atenção dos espetadores, dos comportamentos culpados da crise, para os aspetos humanos dos financeiros.
Mas por formação ou deformação profissional prefiro analisar as causas e circunstancias das coisas, e depois de ver o filme Inside Job, é impossível não considerar culpados os financeiros especuladores e os senhores dos grandes grupos bancários que dominam Wall Street e o governo dos USA (Goldman Sachs, Governman Sachs).
E também gosto de analisar a consistência das críticas.
No caso da, para mim, desconhecida citação de Thomas Jefferson, que o amável correspondente me enviou, consultei os sites da especialidade (ver
http://www.monticello.org/site/jefferson/private-banks-quotation )
e encontrei a seguinte interpretação dos textos de Thomas Jefferson, relativamente a cada frase da citação:
1 - Acredito que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades do que o levantamento de exércitos - texto retirado de uma carta para John Taylor em 1816 com ligeiras alterações: “Acredito sinceramente, como tu, que os estabelecimentos bancários são mais perigosos do que o levantamento de exércitos; e que o princípio de gastar dinheiro a ser pago pela posteridade, sob o nome de financiamento, não é senão uma burla em larga escala”;
2 - Se o povo Americano alguma vez permitir que bancos privados controlem a emissão da sua moeda, primeiro pela inflação, e depois pela deflação, os bancos e as empresas que crescerão à roda dos bancos despojarão o povo de toda a propriedade até os seus filhos acordarem sem abrigo no continente que os seus pais conquistaram – a referencia mais antiga desta citação data de 1937, dando-a como fazendo parte de uma carta para Albert Gallatin, secretário de estado do Tesouro, em 1802, mas não foi encontrado nenhum documento da época com esta frase; na altura não se usavam os termos inflação e deflação; possivelmente ter-se-á criado a atribuição a Thomas Jefferson no rescaldo da grande depressão de 1930, com base noutra afirmação dele, esta histórica: “A emissão de papel bancário (bank-paper, securities) deve ser suprimida e os meios de circulação devem ser restabelecidos ao serviço da nação a que pertencem”
Interessante, na verdade, como os presidentes americanos, desde o princípio, tentaram combater o poder financeiro (Obama: “não fui eleito para fazer o jogo dos senhores de Wall Street”, embora tenha aceite no seu governo os grandes “desreguladores” da crise financeira).
Faz-me lembrar o discurso de Eisenhower, contra o poder do complexo político-militar-industrial.
Ou por outras palavras, é mais o que une Adam Smith e Karl Marx do que o que os divide.
Ou, de como os ideais da Revolução americana de 1777 foram tão contrariados internamente como os da Revolução de outubro de1917.
Etiquetas:
Adam Smith; banqueiros,
Andrew Jackson,
Karl Marx,
Thomas Jefferson
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