segunda-feira, 5 de março de 2012

O valor das estatísticas

Pese embora o conciliatório comunicado do Instituto Ricardo Jorge,
http://www.insa.pt/sites/INSA/Portugues/ComInf/Noticias/Documents/2012/Fevereiro/Comunicado_27022012.pdfhttp://www.insa.pt/sites/INSA/Portugues/ComInf/Noticias/Documents/2012/Fevereiro/Comunicado_27022012.pdf

permito-me discordar.
É sem duvida conveniente apurar causas específicas das mortes registadas para adoção das medidas preventivas e corretivas recomendáveis.
O número de fatores e circunstancias é muito elevado e é dificil estabelecer correlações entre eles e as suas variações.
Mas os elementos disponíveis são já suficientes para colocar hipóteses cuja probabilidade de corresponderem à realidade é muito grande.

A primeira figura representa os gráficos de mortalidade semanal nos invernos de 2007-2008 e 2008-2009.
A segunda figura representa o gráfico de mortalidade semanal no inverno de 2011-2012 ( faltando 5 semanas para completar o período de inverno (dezembro a março inclusivé).









Temos assim que a média de mortes por ano foi:

2008               104.300
2009               104.400
2011               105.000

O que dá uma média semanal de mortes, ao longo do ano, de:
2008               2006
2009               2008
2011               2019

Mas se considerarmos os 4 meses de inverno, temos a média semanal de:
2008              2273
2009              2288
2012              2538        (estimativa em 3mar2012, considerando como estimativa uma curva 
                                       descendente análoga à do  inverno de 2011 - corrigida para 2567
                                           em função dos dados reais da semana de 27fev a 4mar2012; corrigida
                                                para 2565 em função dos dados da semana de 4 a 11mar2012)

Aplicando o conceito de excesso de mortes no período de 4 meses de inverno relativamente ao valor médio durante o ano (tomou-se o valor de 2038,46 mortes por semana, o valor mais alto desde 2006) temos os seguintes excessos:
2008           1,115
2009           1,123
2012           1,245        (corrigido para 1,260 em função dos dados da semna 27fev-4mar; corrigido
                                      para 1,258 em função dos dados da semna 4mar-11mar)

Em resumo, a estimativa para o inverno de 2012 é termos um excesso de 24,5% de mortes relativamente à média do ano de maior mortalidade depois de 2005.
Segundo um estudo europeu sobre o período de 1988-1997, referindo a sensibilidade dos idosos do sul da Europa aos picos de frio por deficiência de isolamento das habitações e pelos custos do aquecimento, o excesso de mortes no inverno relativamente à média anual era de 28% (excesso de 8500 mortes no inverno relativamente à média anual, o pior da Europa).
De notar que as estatísticas de há vários anos apresentam valores de reduzida dispersão e de variação regular (embora a amplitude de mortes em condições extremas de frio ou de calor seja grande).
Considerando que o vírus da gripe em circulação não é mais virulento do que o que circulou no inverno de 2009, parecerá poder concluir-se que o pico de frio provocou o excesso de mortes por impreparação da comunidade para esse pico.

O interesse da utilização de dados estatísticos foi já referido neste blogue ao citar o livro “Freakonomics” de Steven Levitt
(por exemplo, para avaliar as estatísticas da sinistralidade rodoviária, em:
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2009/12/algumas-noticias-do-fim-do-ano-de-2009_30.html  )

para interpretar as correlações entre as variáveis económicas e sociais e implementar medidas preventivas e corretivas (na altura em que o ministério da educação não compreendia a correlação entre o insucesso escolar e a incapacidade educacional e financeira do encarregados de educação e a irrelevância dos sistemas de avaliação perante essa incapacidade).

Neste caso, de acordo com o que já se escreveu sobre o assunto, são admissíveis as seguintes causas ou circunstancias:
- frio
- pico de gripe *
- maior sensibilidade das pessoas idosas ou mal alimentadas a gripe e a perturbações respiratórias devidas ao frio
- ausencia de políticas consistentes para qualidade de vida dos idosos
- mau isolamento térmico das habitações
- dificuldades económicas para pagar o aquecimento ou o isolamento das habitações
- dificuldades económicas para pagar tratamentos médicos (privados ou taxas moderadoras que aumentaram)
- dificuldades económicas para pagar transportes até centros de saúde ou hospitais (fecho dos locais, aumentando as distancias para os centrais)

Analisando estas causas e circunstancias, poderá estabelecer-se uma relação de causa e efeito entre as medidas “racionalizadoras” do fecho dos centros de saúde e hospitais locais, aumento de taxas moderadoras, aumento dos custos de energia, redução de rendimentos dos cidadãos e cidadãs.
É triste pensar que também aqui se aplica a lei da selva, de auto-regulação dos sistemas entregues a si próprios. Depois de uma época em que os indicadores traduzem um excesso de mortes de idosos os indicadores melhorarão, o que é uma forma aplicação do critério de cortes, "custe o que custar".

Perante o clima de penúria e carência de liquidez do país e a insistência do governo em não mudar de políticas, dir-se-ia que temos aqui um campo de atuação para empresas de projetos e jovens licenciados para dinamizarem, no âmbito de programas de requalificação dos parques habitacionais financiáveis pelo QREN, planos de isolamento das habitações com materiais nacionais.

Evidentemente que há vários grandes problemas: um, é que isto seria uma ação semelhante à do SAAL a seguir ao 25 de abril e demonstraria mais uma vez que os critérios de funcionamento dos mercados não resolvem estas questões; o outro, é que os fundos QREN só aparecem com os projetos bem elaborados, o que a burocracia e os preconceitos partidários e ideológicos muito dificultam; e outro, é que os senhores governantes talvez achassem que estas soluções para estes problemas seria reconhecer como criminosas as poíticas que têm seguido, o que contraria o princípio de que têm sempre razão.

Mas não fica mal listar as dificuldades e as possíveis soluções.

Ver ainda o gráfico comparativo dos nascimentos e mortes em Portugal.
Trata-se de um indcador terrível, apenas atenuado pelo saldo migratório, mas mesmo esse a diminuir.
Em janeiro e fevereiro de 2011 nasceram 15175 bébés, e em 2012 nasceram 14523.
Como dizia Alexandre O'Neill, "algo vai mal no reino".




PS (em 9mar2012) - nº de mortes nas semanas:
                                        13 a 19fev:       3048
                                        20 a 26fev:       3142  (das quais 24 por virus da gripe A, sendo que o   
                                                                            subtipo AH3 manifestou-se em 16 destes 24 casos)
                                        27fev a 4mar:   2912  (a notícia grave que decorre dos dados desta semana, para além da pioria dos indicadores, é o aumento da mortalidade infantil até aos 4 anos, prevalecendo sobre os idosos de mais de 65 anos, com a causa próxima como o aumento da virulencia da gripe AH3; continuo a discordar da posição oficial, de que só daqui a 6 meses poderá haver conclusões)

PS (16mar2012) - nº de mortes na semana 5 a 11mar:           2650 (manutenção da tendencia    
                                                                                    decrescente; incidencia gripal
                                                                                 identica à de dez2008-fev2009:  150 por 100.000)
   

Aparentemente, a situação de mortalidade é mais grave do que a de dez2008-fev2009, sendo a virulência da gripe semelhante, embora desfasada nos meses homólogos. Aliás, se interpreto bem o indicador da incidencia (da sindroma gripal por 100.000 habitantes) a influencia da gripe na mortalidade não será a principal. Mantenho o parecer de que é muito elevada a probabilidade de que as más condições de vida, dificuldades de transporte e de acesso às consultas e à medicação são causas, ou pelo menos catalisadores determinantes, desta situação.
  
Fonte: 

                               




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