sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A escola aprisionada


As escolas têm sido encerradas, fechadas, ou simplesmente aprisionadas?


Escolas feitas prisioneiras, com cadeado no portão.

Quer-me parecer que não foi previsto o aumento do custo dos combustíveis quando se decidiu que era melhor transportar as crianças para a escola do que ter uma escola perto das crianças (deteta-se aqui uma lacuna na formação dos decisores: não lhes terão ensinado o teorema de Fermat-Weber).

Esta escola tinha, no ano passado, 20 crianças a brincar no recreio, no mês de Fevereiro.
Agora está aprisionada.
Como a esperança de que as crianças tenham sucesso escolar.
Mas quando já se viu a esperança morrer por terem fechado uma escola a cadeado?

Dedicado a todos os ministros da Educação deste País, especialmente ao atual, tão crítico que foi aos anteriores para agora ser seu continuador, adensando a probabilidade de agravamento com o tempo da correlação entre insucesso escolar e criminalidade, violencia e desemprego, cito Natália Correia e José Mário Branco:



Queixa das almas jovens censuradas


Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.


Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.


Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.


Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.


Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.


Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.


Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.


Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura

Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.


Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.


Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.


Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.


                                                        Natália Correia
                                      Poesia Completa Publicações Dom Quixote, 1999




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