terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Conto fantástico, o petróleo, ou um dia na vida de João

dedicado aos economistas que no Eurogrupo e nos governos dos bancos centrais, sem um mandato expresso eleitoralmente, desenvolvem políticas deflacionárias, aos políticos e às administrações que nas instâncias internacionais controladoras do preço do petróleo comprimem artificialmente o seu preço, e aos que  nas universidades teorizam sobre essas políticas, todos hipocritamente apregoando as vantagens dos preços baixos, mas desprezando na realidade o interesse e o bem estar das populações                   




João, contrariamente ao habitual, passara o fim de semana em casa.
Divertiu-se quando encontrou no sótão uma coleção de revistas de 20 anos atrás.
Um dos artigos mostrava as preocupações sobre a evolução do preço do petróleo, que ameaçava baixar todos os indicadores das bolsas.
Que os governos responsáveis tomariam medidas se a cotação do petróleo continuasse a diminuir e atingisse os 20 dólares por barril.
Apenas 8 anos depois da crise financeira internacional de 2007-2008 era a descida do preço do crude que ameaçava a economia, ainda não completamente refeita, especialmente na Europa.
João recordou o ambiente internacional tenso de então, com guerras e terrorismo em demasiadas zonas estratégicas, sempre com a problemática do petróleo por trás.
Na segunda feira, João passou pelo posto de combustível antes de seguir para o trabalho, numa empresa de transportes coletivos da sua área metropolitana.
Apesar dos esforços dos movimentos ambientalistas, de alguns governos e dos fabricantes de automóveis e dos progressos na motorização elétrica e a partir do hidrogénio, a motorização térmica com combustíveis fósseis era ainda a preferida, dada a sua maior densidade energética, conforme as leis da mecânica quântica mostravam.
João encheu o depósito e recebeu do robô do posto o talão e 20 euros, pensando de si para consigo que a gasolina tinha aumentado mais do que pensava. Ainda na quinzena anterior (o rendimento dos motores térmicos era agora perto de 60%, pelo que a ida às bombas era menos frequente) tinha recebido apenas 15 euros pelo depósito cheio. Provavelmente o governo tinha aumentado o seu imposto injetando 5 euros.
Um aumento brutal, mas despreocupadamente seguiu o seu caminho, autojustificando a utilização de automóvel privado apesar de trabalhar numa empresa de transportes coletivos, com a persistente inexistência da linha circular de metro.
João tomou o seu pequeno almoço na cafetaria da empresa, a preços especiais; recebeu do robô do balcão 1 euro por ele, enquanto observava com inocente prazer os movimentos com que a eletricista da assistência externa executava as tarefas de rotina de manutenção do robô. Dava-se a coincidência dela ter sido estagiária numa das oficinas do serviço de João e ter deixado ótima impressão, não só pelas suas habilitações como pela disponibilidade para a resolução dos problemas.
O trabalho de  João era interessante e abrangente, obrigando ao constante controle de qualidade do serviço prestado e acompanhando a evolução da procura em toda a área metropolitana.
A descida contínua do preço do petróleo nos últimos anos tinha alterado totalmente a problemática dos transportes coletivos. A empresa conseguia pagar a todos os seus passageiros valores razoáveis por passageiro.km . Os fornecedores da empresa, nomeadamente a elétrica regional, pagavam regularmente e satisfatoriamente os fornecimentos necessários ao serviço de transporte.
Os receios de há 20 anos tinham-se concretizado numa descida para além do limite de 20 dólares por barril, continuando até aos 10 dólares, apesar dos esforços de grandes companhias que chegaram a manter uma centena de grandes petroleiros pós Panamá, completamente carregados, esperando vãmente nos oceanos que o preço voltasse a subir.
Mas não. Foi então que os principais governos e os produtores de petróleo reuniram uma cimeira que, surpreendentemente, proibiu o fabrico, a comercialização e a utilização de qualquer tipo de armamento fora do controle da ONU e, por proposta de um economista português da muito cotada top business school da universidade católica de Lisboa, que apresentou um estudo académico exaustivo para a fundamentar sem contestação, decretou um intervalo variável de preços negativos do petróleo à saída do poço.
A partir de então, os produtores de crude pagavam aos transportadores  e às refinarias o preço internacionalmente estabelecido do petróleo que extraíam,  que por sua vez entregavam às distribuidoras o petróleo e os outros refinados, juntamente com o valor acrescentado. Era parte deste dinheiro que os automobilistas recebiam quando enchiam os seus depósitos nos postos de combustível.
O sistema funcionava sem problemas, tal como os investidores se tinham habituado a pagar pelos seus investimentos em vez de receber juros,
  com uma continuada deflação, não só porque a guerra do petróleo tinha cessado nas respetivas áreas estratégicas, mas também porque se tinham encontrado formas de extração por fratura hidráulica sem contaminação dos aquíferos e sem provocar terramotos, e de extração das areias betuminosas sem poluição de partículas, óxidos de azoto e dióxido de carbono. O predomínio das energias limpas e renováveis na produção de energia primária estava assim adiado.
Além disso, os fabricantes de equipamentos pesados para a extração do petróleo cumpriam religiosamente os seus contratos, entregando dentro dos prazos o equipamento e o dinheiro do valor correspondente, proveniente maioritariamente dos seus funcionários e dos fornecedores de robôs e dos outros fatores de produção.
Todos os economistas e académicos tiveram de se reciclar para compreenderem que ao longo dos anos o preço do petróleo sempre tinha sido enganador, uma vez que dado o seu papel central na economia, os seus custos espalharam-se lentamente e consistentemente por todos os produtos da economia.
Sendo assim, a tendência universal para redução dos custos de produção através do recurso massivo a robôs e sucessivas taxas crescentes de deflação levaram a um efeito multiplicador da redução do custo do petróleo, que por sua vez só poderia prosseguir através de valores negativos dos preços do próprio petróleo.

Ao fim do dia de trabalho João verificou o que tinha recebido e concluiu que tudo estava bem porque era mais do que suficiente para entregar ao robô de controle da empresa para crédito desta. Se o resto do mês corresse bem poderia destinar as sobras para o pequeno gabinete de engenharia com que de vez em quando colaborava e o restante seria para a simpática inquilina da casinha que tinha herdado já arrendada. A continuar assim poderia escolher ainda nesse ano a agência de viagens que mais lhe oferecesse por um programa de férias no estrangeiro ou, até, escolher a marca do novo carro que mais dinheiro oferecesse com o carro.
Calmamente passou pelo supermercado para recolher as compras que a mulher lhe tinha pedido para o jantar, e achou que, graças à campanha de promoções da semana, o dinheiro que recebeu do robô do supermercado com as compras foi razoável , embora tivesse de lá deixar 1 euro correspondente ao vale de pontos que a mulher andava a juntar para ter mais um pirex.
De facto, os produtores de leite e de carne de porco cada vez ofereciam mais dinheiro para os supermercados lhes ficarem com os produtos, para que os seus funcionários pudessem depois receber dinheiro quando fizessem compras no supermercado, dinheiro esse que depois iria para os produtores, que depois iria para os supermercados, que depois iria para os compradores como o João... e assim sucessivamente.

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