Eis-nos assim no jardim novo do Parlamento enquanto uns entram e outros preferem ficar no meio das árvores, perto de José Estevão a arengar, não aos peixes, mas aos veículos de duas rodas dos funcionários e deputados da Assembleia.
Como os antigos gregos na Ágora, há os que preferem cotejar argumentos e perderem-se nos sofismas e contra-sofismas de um lado e doutro da questão, nós, os portugueses, gostamos de discutir se as subvenções vitalicias ou os complementos de reforma são prestações sociais ou se são prémios ou mordomias, e então com os comentários na internet à sua disposição, está armado o circo.
Então o poder independente do tribunal constitucional, e ainda bem que é independente, embora, de acordo com os princípios da qualidade numa empresa isso não queira dizer que não há controle mútuo horizontal, achou que uma subvenção vitalícia de um ex-político não é como um complemento de reforma, mas que é uma prestação social, uma recompensa, uma compensação por perda de oportunidades e uma proteção contra incertezas, evitando que a pessoa caia na insustentabilidade da subsistência.
Que era uma questão de "tutela da confiança".
Terão as pessoas entendido bem? terei eu entendido bem, tanto eu como os meus colegas? Que a subvenção vitalícia é um prémio e um reconhecimento por serviços prestados, ao contrário de outras remunerações não contributivas, como os complementos de reforma, que são uma cláusula de um contrato de trabalho.
Para o tribunal constitucional, se é uma prestação social não se pode cortar, se é uma recompensa pode, embora saibamos que a declaração de constitucionalidade do corte dos complementos de reforma se deva apenas à militancia partidária de alguns juízes.
Ou a linguagem cifrada dos jurídicos serve não só para serem independentes, e ainda bem que o poder judicial é independente do poder legislativo e executivo, embora, de acordo com os princípios da qualidade numa empresa isso não queira dizer que não há controle mútuo horizontal (perdoe-se-me a repetição, mas é para vincar bem o que falta ao poder judicial em Portugal, sem o que ele sempre impedirá mudanças democratizadoras), como serve também para justificar um tratamento diferenciado entre os políticos e os humildes servidores de um bem público, ou para desculpar a declaração de constitucionalidade do corte dos complementos de reforma em 2014?
E contudo, a contratualização de novos complementos de reforma cessou em 2004, assim como a das subvenções vitalícias em 2005. Todos (alguns...) estávamos conscientes das dificuldades financeiras que se aproximavam, mas estas coisas não podem ser, constitucionalmente, retroativas...
Nós, reformados, até concordámos em descontar, sobre os complementos, uma contribuição para a segurança social, e a conversão dos complementos não pagos nestes dois anos (isto é, perto de 26 milhões de euros) num fundo de pensões para benefício de reformados e ativos do metro.
Para nos situarmos, convém lembrar que os cerca de 340 beneficiários das subvenções vitalícias receberão anualmente cerca de 10 milhões de euros, ou 2000 euros por mês, individualmente.
Apesar do que o tribunal constitucional diz na sua linguagem de confiança cifrada, somos mais semelhantes do que diferentes, pese embora a média dos complementos cortados ser de 640 euros mensais.
Os complementos não são apenas para evitar a miséria, nem são um prémio, são uma remuneração correspondente aos menores vencimentos auferidos no metropolitano de Lisboa quando foram contratualizados desde 1973 a 2003 com quem era admitido e que optava pelo metro pela segurança da sua contratação coletiva, por oposição aos melhores vencimentos nos setores privados de qualificações profissionais equivalentes.
E são também uma remuneração equivalente aos ganhos pela empresa em "reformar" os seus profissionais antes de esgotado o prazo da sua vida útil na empresa (mas atenção, na maior parte das vezes quem saía, com pouco mais de 55 anos, já tinha 40 anos de descontos por ter começado a trabalhar aos 14 anos).
Não esquecer que os reformados com idade inferior à da reforma até se dispuseram, quando o XIX governo cortou os complementos, a regressar ao trabalho ativo. Mas a empresa não quis.
Reformado é para deixar estiolar, não é para aproveitar a sua experiência em pequenas colaborações, não querem saber do provérbio africano, quando morre um velho arde uma biblioteca.
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Eu aproveitei aqueles momentos no jardim para mostrar no meu grupo a linguagem cifrada de um quadro Excel com os cálculos da capitalização do diferencial de vencimentos no metro e no setor privado antes de 1995.
Enquanto lá dentro, na Assembleia, uns deputados rasgavam as vestes por não haver dinheiro e outros diziam que contratos são contratos, que podem renegociar-se, mas que são contratos, é esse o entendimento do princípio da confiança, válido para os cidadãos ex-políticos e para os cidadãos ex-maquinistas, enquanto o princípio da igualdade diz que não pode haver grupos privilegiados.
E finalmente a declaração oficial, pelo secretário de Estado dos assuntos parlamentares, a reposição dos complementos de reforma está incluida no orçamento de Estado de 2016.
http://www.tsf.pt/politica/interior/governo-vai-repor-complementos-de-pensoes-a-antigos-trabalhadores-do-metro-e-carris-4991054.html
Respiramos de alívio, sentimos uma espécie de voo de inércia em silêncio, antes de ruidosamente manifestarmos o nosso apoio.
Mas ao que chegámos, ter trabalho remunerado e emprego certo foi transformado pelos decisores em privilégio, com os protestantes dos comentários na internet a dizer que como contribuintes não querem pagar os complementos de reforma, na mesma altura em que a Oxfam denuncia o crescimento da fatia de rendimento mundial absorvida pelos 1% de maior rendimento...
E contudo, as profissões no metro têm de ser qualificadas, na construção, nos ensaios, na manutenção, na operação.
Por razões de segurança.
Um desempenho deficiente pode provocar um acidente.
Infelizmente em qualquer economia o princípio da igualdade é contrariado por um leque salarial demasiado aberto, influenciado pelas qualificações exigidas e pela oferta de candidatos.
Eis porque a tabela salarial no metro começou a ser superior à do setor privado (excluindo bancos, financeiras e orgãos de cúpula, claro) a partir do afluxo de fundos europeus para a coesão, por volta de meados dos anos 90, coincidindo com a expansão do metro à Pontinha. à Baixa, ao Parque das Nações, enquanto a dívida assacada à empresa ía subindo pelos custos de construção e pelos défices de exploração devido à venda do serviço de transporte abaixo do custo.
É um facto esquecido, mas quem trabalhava no metro até 1995 chegava a ganhar dois terços do que um profissional do mesmo nível ganhava no setor privado ou até mesmo na CP. E até na remuneração em espécie (por exemplo, carro de serviço à disposição de montador eletricista) ou em trabalho extraordinário ou por turnos, a remuneração podia ser superior fora do metro.
O que o quadro mostra é a capitalização desse diferencial ao longo dos anos de acordo com as tabelas de capitalização dos certificados de aforro, disponíveis no site do IGCP.
No fundo, é este o princípio dos fundos ou planos de pensões, que investem e reinvestem capital, embora neste caso o metro nunca investiria a poupança dos baixos salários num fundo desses, quando muito apenas uma parte dessa poupança. Isso teria sido correto, mas nem os colegas financeiros tomaram a iniciativa, enquanto nós nos entretínhamos a fazer andar o metro e a construir novas linhas, que a divisão do trabalho não é uma palavra vã, nem as administrações que inscreviam o problema nos seus relatórios anuais jamais conseguiram acordar com as tutelas nenhum plano de pensões. Aliás, a sistematização de formas de capitalização adicionais relativamente à segurança social só foi feita com a lei de 2007 da reforma da segurança social.
Mas o quadro mostra o valor das poupanças equivalentes e, no caso da subida relativa dos vencimentos no metro, o valor a descontar no resultado global.
Isto é, por cada trabalhador, teria sido gerado, em média, um capital de 180.000 euros, o que daria para pagar um complemento de reforma médio de 640 euros durante 20 anos, até 2030.
Não tem existência real este capital, é virtual, mas traduz o valor da poupança do metro e o valor merecido dos complementos a receber.
Os cálculos não serão exatos, mas quem quiser pode entreter-se a estudar hipóteses mais plausíveis para a evolução das taxas de juro de capitalização e dos vencimentos do metro e do setor privado equivalente. Tem aqui já armado, o quadro Excel para poder substituir valores:
Será uma forma de encriptar a nossa realidade.
Embora a realidade a que assistimos é a desvalorização do fator trabalho.
Não devia a troika ter desembarcado em Lisboa em 2011 e impor que os vencimentos dos trabalhadores portugueses seriam rebaixados para os níveis da Bulgária e da Roménia. Deviam antes ter ido à Bulgária e à Roménia subi-los.
Isso é que é igualdade, não é estimular o desemprego como efetivamente e reconhecidamente pelos próprios "especialistas" do FMI fizeram.
Aguardemos então que faça efeito a inclusão no orçamento de Estado para 2016 a reposição dos complementos de reforma, com retroatividade a janeiro de 2016 (nota posterior - não confirmada a retroatividade)
PS em 22 de janeiro - por informação dos deputados do PS ligados à questão dos complementos de reforma, apenas está garantido o pagamento dos complementos de reforma devidos depois da data de entrada em vigor do orçamento de Estado
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