sexta-feira, 22 de março de 2019

email para o presidente da junta de freguesia da Estrela, a propósito da sessão de 9 de março de 2019 sobre a obra do metropolitano na colina da Estrela e Santos


Caro Presidente

Antes de mais, venho agradecer-lhe a oportunidade que me proporcionou de expor a minha perspetiva sobre a extensão Rato-Cais do Sodré e felicitá-lo pelo acolhimento da iniciativa de dia 9 de março.
Gostaria de lhe apresentar uma pequena apreciação da sessão e algumas sugestões, observando que as minhas afirmações só a mim vinculam e que o conteúdo desta comunicação é aberto.
Duma maneira geral, pareceu-me que a maioria dos moradores não tem a informação necessária, lacuna que poderá ser grandemente reduzida através da divulgação do estudo de impacto ambiental.
No site participa.pt encontram-se, pesquisando em “prolongamento entre a estação Rato e a estação Cais do Sodré” o EIA - estudo de impacto ambiental, incluindo os desenhos da obra na fase de estudo prévio (isto é, não tem os desenhos de pormenor das estações) mas podem ver-se os traçados e perfis da galeria a construir e a margem de 30 m para vistoria do estado atual das habitações. Sugiro por isso que a junta de freguesia imprima os principais desenhos e os distribua.
Outra informação de interesse para divulgação será o registo do levantamento patrimonial  e os relatos dos estudos geotécnicos e hidráulicos no EIA, aditamento ao EIA e TUA (título único ambiental).
Relativamente à segurança da obra, só posso repetir o que afirmei.
Não há motivo para alarme, mas a obra será segura se e só se existirem equipas de prevenção 24 horas por dia durante todo o ano com capacidade para acorrer aos alarmes dos sistemas automáticos de instrumentação, monitorização e deteção, e se tiverem também capacidade para acionar imediatamente as máquinas de injeção de cimento e de pregagens para conter eventuais desvios ou assentamentos.
Como se sabe, o grande risco que se corre é que cativações ou cláusulas menos exigentes dos cadernos de encargos obstem à existência dessas equipas de fiscalização e de intervenção de emergência.
Por este motivo, do ponto de vista técnico, não posso deixar de observar que em terrenos assim o método TBM (tunnel boring machine) com tuneladora permite uma monitorização mais simples. Em nenhum texto do EIA ou do metro se faz uma análise comparativa do método NATM com o TBM, o que julgo, deveria ser exigido, sabendo-se que para uma construção de menos de 2 km não é económico utilizar tuneladora. Esta é mais uma razão para defender uma expansão de maior comprimento, para Alcântara e para Algés.
Assinalo a excelente prestação do representante do metropolitano, com capacidade para convencer as pessoas e fazê-lo até com calma e contenção.
Mas não consegue, porque é impossível, negar os factos.
Vejamos:
Tal como ele reconheceu, o mapa de 2009 não foi sujeito a consulta pública, apenas a aprovação pelas câmaras municipais da AML em campanha eleitoral.
A “paternidade” do mapa de 2009 não tem sido reconhecida e o metro e o EIA apenas falam em desenvolvimento de estudos. Eu estava no metropolitano nessa altura na direção de engenharia e desenvolvimento da direção de gestão de infraestruturas e esse mapa não foi debatido na empresa. Terá sido imposto pela tutela e pela administração da altura com recurso via hierarquias aos técnicos de projeto de construção civil (não de operação ou de manutenção) da FERCONSULT, a empresa de projetos de construção civil do metro. A haver “primas donas” a decidir nos seus gabinetes mapas distantes do interesse público, elas não foram certamente técnicos ou técnicas do metropolitano.
Reformei-me no ano seguinte e lá deixei os meus argumentos contra.
Devo também assinalar que o sistema CBTC (communications based traffic control) otimiza a aproximação entre comboios, mas há normas de segurança a cumprir e uma delas é manter a segurança em condições degradadas dos sistemas de controle. Por isso, o CBTC não poderá garantir intervalos curtos (frequências elevadas) na linha circular se for por diante a determinação da tutela de ter exploração partilhada da linha circular e da linha de Odivelas na hora de ponta para evitar transbordos em Campo Grande. Aliás, o corpo técnico do metro não validou, pelo menos até agora, essa exploração partilhada.  
Esclareço ainda que não é o atual sistema (computorizado) de sinalização ferroviária que é obsoleto, como foi afirmado, são os dispositivos que detetam a ultrapassagem de um sinal vermelho e provocam a travagem automática do comboio.
Quanto às frequencias, o atual sistema de sinalização permite em linhas normais, com términos de  inversão alternada (um comboio a sair do término assim que chega outro), intervalos de 2,5 minutos.
É portanto enganadora a afirmação do EIA de que a linha circular vai aumentar a frequência e portanto a atratividade. Não é preciso uma linha circular para isso (embora ela tenha a vantagem de poupar um ou dois comboios em circulação à custa de uma pior rotina para o maquinista e uma pioria da taxa de fiabilidade e de regularidade da linha).
Frequencias elevadas e minimização do tempo de transbordo conseguem-se com material circulante em quantidade suficiente (duvido que as 14 unidades triplas encomendadas cheguem para a procura futura), manutenção sem cortes e com quadros de pessoal bem dimensionados, maquinistas e técnicos de manutenção que não sejam alvo de cativações.
É igualmente enganadora a afirmação, aliás baseada em argumentação da disciplina de estimativa de tráfego de que se discorda (uma vez que, depois de pedida publicamente a divulgação dos estudos de tráfego ela foi recusada, é legitimo pôr a hipótese de que os pressupostos nos cálculos das matrizes dos pares origem-destino são discutíveis), de que a linha circular vai atrair mais 3 milhões de passageiros por ano do que a variante de duas linhas independentes sobrepostas ao traçado da linha circular. 3 milhões de passageiros por ano equivalem a cerca de 9 mil passageiros por dia ou 4500 passageiros por dia e sentido; ou 450 passageiros por hora de ponta e sentido, ou pouco mais de meio comboio por hora de ponta e sentido. Isto é, não é fator relevante de escolha para um investimento tão elevado.
Aliás, basta ver que de 2016 a 2018 o crescimento da procura de passageiros no metro foi da ordem de 10,4%, e de 2016 para 2017 foi de 5,42%.
Os 9 milhões de passageiros que segundo o estudo não divulgado serão induzidos pela linha circular representam cerca de 5,57% dos 161,5 milhões de passageiros transportados em 2017.
Isto é, não é precisa uma linha circular para haver acréscimo de passageiros no metro.
Ainda no capítulo de “estudos” é importante salientar o enviesamento da argumentação oficial, ao fundamentar a linha circular com a satisfação da procura dos passageiros da linha de Cascais, mas comparando-a com o prolongamento da linha vermelha de S.Sebastião a Campo de Ourique, com o mesmo comprimento, mas que fica muito longe da correspondência com a linha de Cascais (curiosamente, o plano de 2009 colocava a estação Estrela no prolongamento da linha vermelha e a estação Santos encostada ao Parlamento).
O argumento oficial é de que só se dispunha de 200 milhões de euros para a construção de um troço de 2 km e que o prolongamento da linha vermelha a Alcântara seriam cerca de 4 km e portanto com um orçamento de 400 milhões, incomportável neste momento.
Duvido que, dada a complexidade da obra, 210 milhões de euros sejam suficientes para os toscos e equipamentos do projeto, e também que a ligação de Rato  a Alcântara Mar (aqui em viaduto) seja tão cara. Estimo 2,2 km de túnel por Infante Santo e Lapa (180 milhões) mais 500 m de viaduto (30 milhões).
Evidentemente que o prolongamento de S.Sebastião a Alcântara Mar (4 km) ou de Rato a Algés (7,5 km) seria muito mais caro, mas trata-se de investimentos para pagamento em vários anos com a justificação da economia devida à redução do transporte individual o que justifica o financiamento comunitário com a condição de os projetos estarem bem feitos. Ora, perdendo-se o tempo em tentar desenvolver uma má solução em vez de estudar as hipóteses melhores, perde-se também a oportunidade dos fundos europeus.
Além disso, a frase “não há dinheiro” é desmentida pela realidade do financiamento bancário e se se quiser falar com objetividade, dir-se-á que o razoável é gastar por ano 2 a 3% do PIB em infraestruturas, considerando para a área metropolitana de Lisboa a parte correspondente à sua contribuição para o PIB, cerca de 40%.
E se discutimos montantes, poderia estudar-se a sério, para evitar a ligação de metro Estrela-Cais do Sodré, uma atualização da linha de elétrico Cais do Sodré-Estrela-Campo de Ourique, com renovação total da via (normalização da bitola), alimentação elétrica, catenária rígida, controle de movimento, material circulante, pedonalização e introdução de sentido único automóvel e retirada do estacionamento automóvel para parques próprios em todas as ruas do trajeto, sítio próprio para os elétricos nalgumas ruas. Estimativa para os 4 km do percurso Cais do Sodré-Campo de Ourique: 40 milhões de euros, a que se adicionariam 50  milhões de euros para 10 unidades de tração para garantir intervalos de 5 minutos com uma velocidade comercial de 11 km/h (ou 30 milhões para 6 unidades e velocidade comercial de 20 km/h)
Infelizmente, o critério da câmara de Lisboa ao apoiar o projeto da linha circular  é o de privilegiar a zona empresarial da avenida da República, os empreendimentos imobiliários que lhes estão adjacentes, desde os terrenos do quartel dos bombeiros de Santos  aos da antiga feira popular, e a mobilidade da população flutuante turística, crescente enquanto a residente diminui.
Na zona de Alcântara parece subsistir alguma hesitação da parte da câmara sobre os investimentos imobiliários, o que provavelmente constituirá obstáculo à definição da expansão da rede de metro. Sabe-se que a câmara diz que está a estudar soluções de mobilidade, mas de concreto o que pode afirmar-se é que o PUA – plano de urbanização de Alcântara contem erros graves, como a estação enterrada da CP para ligação da linha de Cascais à linha da cintura e duas estações de metro também subterrâneas. Não devem construir-se infraestruturas destas junto do caneiro de Alcantara e em terrenos de aluvião, mas sim em viaduto. Não há justificação, apesar de quadruplicada a linha de cintura, para ligar a linha de Cascais de caraterísticas suburbanas à linha de cintura por estar saturada, por lá passarem mercadorias, intercidades, várias linhas regionais e suburbanas e que necessita de períodos para manutenção.
Prioritário será reformar completamente a linha de Cascais através de um plano progressivo para a manter operacional em vez de se apregoar virtudes ilusórias dos sistemas BRT – bus rapid transit para a substituir através da A5.
Infelizmente não se debatem com transparência as hipóteses possíveis, que incluem também, para alem da previsão de viadutos para as linhas de metro, a reformulação total do nó rodoviário e ferroviário de Alcantara-Mar. E é urgente a revisão do PUA.

Tal como se constatou na sessão, através da comunicação do representante do metro, das referencias ao EIA e ao TUA, do concurso a decorrer, estaremos perante um facto consumado, apesar das evidencias das inconformidades como o processo foi conduzido para os fins pretendidos.
Provavelmente não serão eficazes as providencias cautelares, os abaixo assinados, as resoluções na AR.
Persistindo  a  recusa  oficial de aceitar a argumentação  técnica  que  lhe  é  contrária, e  esperando-se  que  a  lei  da  contratação  pública  e o seu conceito de “proposta mais vantajosa”  não  venha  a prejudicar o curso do processo, resta-nos exercer a cidadania para que as novas expansões das redes de transportes coletivos, não apenas do metro, decorram de forma diferente do que foi esta fase, que não sejam impostas, mas debatidas com transparência, com argumentos técnicos e sem factos consumados, e submetidas aos pareceres identificados dos membros do CSOP (conselho superior de obras públicas – que se deseja se pronuncie sobre as ameaçadoras propostas do BRT –bus rapid transit – na A5 e no Jamor-Restelo, e do enterramento da linha de Cascais em ligação à linha da cintura), e no caso da construção da linha circular,  exigir    rigorosas    e    permanentes  fiscalização e monitorização da obra.
São estes objetivos, senhor presidente, que eu sugeria tentasse desencadear através duma proposta de convocação de uma assembleia municipal com a ordem de trabalhos de votar uma proposta para revisão completa e de forma transparente e participativa do plano de 2009 e para organização a nível municipal e de freguesias, de um processo de acompanhamento pelos cidadãos da obra, dos seus projetos de execução, da sua monitorização e fiscalização.

Com os melhores cumprimentos e votos de sucesso para a freguesia da Estrela


apresentação do prof. Mario Lopes na sessão:

minha apresentação:


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