quinta-feira, 21 de março de 2019

Mais um problema topológico no plano de expansão da rede do metropolitano de Lisboa

Tentei associar a topologia à discussão de planos de expansão de redes de metro em:
https://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=koenigsberg

Tratava-se então, no longinquo ano de 2010, de criticar o plano de 2009 que previa a linha circular que veio a ser decidida em 2016.
Pessoalmente, como técnico da especialidade, não reconheço autoridade técnica ou profissional para decidir por si só, a quem decidiu sobre esta questão específica, quer tenha desempenhado ou desempenhe funções como primeiro ministro, como ministro de infraestruturas ou de ambiente, como secretária de Estado de transportes, como presidente ou vereador de uma câmara municipal ou de uma área metropolitana.
Reconstruiu-se o argumento de Bossuet, que por delegação divina o chefe de Estado, o rei, tomava as decisões certas. Agora invoca-se o argumento de que os decisores foram eleitos e são corretas as suas decisões, enquanto os técnicos que criticam a decisão não foram eleitos. Só que os técnicos tiraram os seus cursos com o dinheiro dos contribuintes, à maioria dos quais era vedado o acesso às universidades e essa circunstancia só por si legitima a crítica aos decisores.
Não reconheço autoridade técnica ou profissional porque, ou não tiveram experiencia profissional que sustente os argumentos que utilizam (choca ver a inconsistencia dos argumentos usados no EIA, a recusa em mostrar os pormenores dos "estudos" que sustentam o EIA e a decisão da linha circular, a recusa em discutir  frontalmente os argumentos, ao nível de quem decide), ou já demonstraram que não entenderam como funciona uma rede de transportes.
Choca saber que a maioria dos técnicos que detém o conhecimento da operação e da manutenção de metropolitanos seja marginalizada desta forma.
Choca ver as forças políticas e as instituições que representam os eleitores manifestarem a crítica ao gasto dos dinheiros públicos desta forma, ao arrepio das orientações concretas do PROTAML de 2002 (que é o que está em vigor), e deixarem o XXI governo manter a sua decisão.
Mas isto é apenas uma exemplo da inabilidade e incapacidade de sucessivos governos em concretizar uma política e uma estratégia consistentes para dotar o pais com infraestruturas de transporte eficientes.
Inabilidade e incapacidade que se traduz no desperdício estrondoso das oportunidades dadas pelos fundos comunitários para infraestruturas, só concedidos contra apresentação de projetos sólidos.
Choca verem-se perdidas essas oportunidades, e não me refiro só a redes de metropolitano.

Em 21 de fevereiro de 2019 o Publico publicou um artigo do senhor secretário de Estado do ambiente e da mobilidade em que afirmou:
"Os comboios oriundos de Odivelas poderão entrar na nova linha circular e transportar os passageiros até ao centro da cidade, sem transbordos."
No dia seguinte o senhor ministro do Ambiente, o senhor presidente da câmara de Odivelas e o senhor presidente do metropolitano de Lisboa, em reunião nos paços do concelho, afirmou:
“Durante as horas da manhã e as horas da tarde estará sempre assegurada a entrada dos comboios na linha amarela na própria linha circular. " 
E o boletim da câmara  (https://www.cm-odivelas.pt/pages/864?news_id=319registou:
"Foi reafirmada a garantia de que a Linha Amarela continuará a ter uma ligação direta de Odivelas até ao centro de Lisboa."

Talvez por ingenuidade, ouvi algumas pessoas dizer que os senhores governantes apenas tinham referido uma possibilidade, não uma intenção real de fazer a exploração "partilhada" das linhas circular e de Odivelas.

Não sendo eu um especialista de semantica, interpretei como a tutela ter instruido o metro para inserir comboios vindos de Odivelas no meio dos comboios da linha circular.
Qualquer técnico com um mínimo de experiencia de operação de redes de metro sabe que isso é possível, mas como tal partilha exige cruzamentos de nível, os intervalos entre comboios, por razões de segurança no estabelecimento dos itinerários, aumentam muito, contrariando a publicidade dada à melhoria das frequencias (a frequencia dos comboios é inversamente proporcional ao intervalo entre eles).
Por esta razão, dirigi aos intervenientes algumas informações sobre os constrangimentos dos cruzamentos de nível e pedi ao senhor diretor do Publico que publicasse uma pequena  nota com comentários ao artigo do senhor secretário de Estado e que abrisse as páginas do seu jornal a um debate sério sobre o tema.
A resposta de qualquer dos intervenientes foi a do costume, silencio.

Mas é interessante notar que que o problema da inserção da linha de Odivelas na linha circular é um também interessante problema de topologia, cujo enunciado talvez se possa por assim: qual a probabilidade de um comboio vindo de Odivelas e com o destino de Rato poder entrar na linha circular sem ter de esperar?
Para tentar responder, tive de analisar a rede de metro prevista (com aquelas horríveis intervenções nos viadutos de Campo Grande), estimar os tempos de percurso e de libertação de itinerários e calcular por tentativas os intervalos entre comboios ao longo dos troços principais da linha circular e da linha de Odivelas.
Curiosamente, desta análise poderá resultar a evidencia de que, a fazer-se a ligação entre Rato e Estrela (em vez do prolongamento para Alcantara Mar) será preferivel a exploração de uma linha em laço (loop) em vez de linha circular, o que permitiria dispensar a construção dos dois novos viadutos. Ou, em alternativa, explorar em partilha a linha circular e uma linha de Odivelas a Telheiras em laço (Odivelas-Campo Grande-Rato-Sais do Sodré-Alameda-Alvalade-Campo Grande-Telheiras e volta), o que permitiria dispensar a construção do novo viaduto, lado norte.

Mas surge a dúvida. Será que os senhores decisores reconhecerão os seus erros de interpretação, ou manterão a soberana (no sentido de Bossuet) indiferença pela argumentação contrária? 

Entretanto, vejamos o interessante problema de topologia começando pelo esquema bifilar da linha circular sobrepondo-lhe a linha Odivelas-Rato e a linha Odivelas-Telheiras:


Como pode verificar-se, os comboios da linha circular têm de cruzar de nível o caminho de entrada dos comboios de Odivelas na linha circular.
Esta é uma situação não admissível em redes de metropolitano por inviabilizarem intervalos curtos e por em condições degradadas, por avaria do sistema de controle de circulação, ser de risco.
Em email dirigido ao senhor presidente da câmara de Odivelas estudei as hipóteses possíveis para explorar as linhas circular e de Odivelas, incluindo a separação das linhas e a linha em laço.
Pode ver-se em:
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2019/03/email-para-o-sr-presidente-da-camara-de.html

ou em:
https://1drv.ms/x/s!Al9_rthOlbwerSC7U0eJCXfhaOf3

E a conclusão é, admitindo para simplificar que em vez da inversão em Rato os comboios de Odivelas darão a volta pelo laço e vão inverter em Telheiras, que para um intervalo entre comboios na linha circular de 4,5 minutos, haverá uma ocupação da zona do cruzamento pela passagem do comboio da linha circular da ordem de 1,5 minutos, sobrando uma janela de tempo de 3 minutos para que o comboio de Odivelas possa inserir-se na linha circular. O intervalo agrava-se por haver uma cadencia de comboios, por exemplo 2 comboios da linha circularde Campo Grande para Alvalade, seguidos de um comboio de Campo Grande para Odivelas. Isto é, na linha circular o intervalo será de 4,5 minutos entre os dois comboios, mas o outro a seguir terá o intervalo de 9 minutos.
Evidentemente que se poderá tentar intervalos menores, mas isso irá aumentar a probabilidade do comboio de Odivelas não conseguir inserir-se na linha circular sem perturbações.
No caso do intervalo de 4,5 minutos e 1,5 minutos de tempo de ocupação da zona, isso significará uma probabilidade de cerca de 30% do comboio de Odivelas não encontrar o itinerário feito, tendo de esperar. 30% de probabilidae significa que dos 10 meios periodos da manhã e da tarde mais carregados por semana util teriamos 3 desses meios periodos com perturbações.
Só com um intervalo de 15 minutos poderiamos ter uma probabilidade inferior a 10%, o que não é razoável.
Também poderíamos tentar intervalos mais apertados com uma regulação ideal (isto é, não considerando as perturbações por excesso de afluencia e retardamento dos comboios nas estações por demora do fecho de portas) , por exemplo 3 minutos. Só que isso significaria a subida da probabilidade de perturbação na entrada de comboios da linha de Odivelas na linha circular para 50% , ou todos os dias um meio período perturbado.
Seria interessante através dum programa de simulação com geração d e procura aleatória testar estas conclusões.

Tentando sintetizar, não se recomenda misturar a exploração da linha circular com a da linha de Odivelas. A linha circular já é um erro no contexto do metro de Lisboa, que não se agrave o erro.



Sem comentários:

Enviar um comentário