Junto neste “post” os comentários que fiz a várias intervenções sobre as
ligações ferroviárias à Europa: a um artigo de João Cunha, a um artigo de
Manuel Tão, à intervenção de Carlos Fernandes na sessão de 14 de setembro na
Ordem dos Engenheiros, ao artigo de opinião no Público do vice-presidente da
APEF Miguel Rebelo de Sousa, ao artigo do deputado do PS Carlos Pereira e ao
artigo do eng.Renato Rodrigues da IP.
Artigo de João Cunha:
https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbweyFWeGS2vjz9bht5V?e=jbgt0J
Artigo de Manuel Tão:
https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbweyFL2f-yKQDawQUww?e=TbiuOD
intervenção de Carlos Fernandes na O.Eng. em 14set2023:
https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbweyC5HMMD0zAIqWuPS?e=gcDwO0
artigo de Miguel Rebelo de Sousa
https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbweyFSaw_zS8--PakVt?e=KXYCJJ
artigo de Carlos Pereira
https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbweyFfzce71v30C8Zdk?e=WpJxWd
artigo de Renato Rodrigues
https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbweyFZhNEJOsiFb1cfe?e=n4zO1Y
Segue-se a transcrição do debate entre o eng.José Carlos Barbosa,
deputado do PS, e o prof Nunes da Silva, presidente da ADFERSIT. Introduzi a
azul alguns comentários.
https://sol.sapo.pt/2023/10/12/ferrovia-bitola-iberica-ou-europeia/
- A pergunta poderá ser antes “bitola ibérica e bitola
europeia?” em vez de “bitola ibérica ou bitola europeia?”. A
exemplo de Espanha, 11.200 km de bitola ibérica, 3.080 km de bitola europeia,
270 km de vias de 3 carris.
Todas as ligações a Espanha estão em bitola ibérica”
JOSÉ CARLOS BARBOSA Deputado PS e quadro da
CP
… já temos mais de 3000
quilómetros de rede ferroviária nacional e, se nós construirmos uma rede de
alta velocidade em bitola europeia, estaremos a criar não apenas uma ilha como
um arquipélago de ilhas porque, ao nível operacional, a coisa fica muito mais
difícil.
- É verdade, a gestão de redes duais implica dificuldades, mas novas linhas
em Portugal em bitola europeia só seriam ilhas ou arquipélago de ilhas se
Espanha se recusasse a cumprir o regulamento 1315 em fase de aprovação da
revisão/substituição que prevê a construção do corredor atlântico interoperável
com bitola europeia das redes TEN-T ligando Sines a Madrid e Irun e Aveiro a
Salamanca e Irun, e seguimento para Mannheim e Strasburg. Foi o governo
português que desistiu da ligação em bitola europeia Madrid prevista
no acordo da Figueira da Foz de 2003 e do cofinanciamento comunitário da linha
Poceirão-Caia em 2011, não o governo espanhol que aproveitou para desviar
verbas para o corredor mediterrânico e para o “Y” basco
Hoje, já existe tecnologia para
alteração de bitola e, facilmente, os comboios alteram a bitola em andamento e
não há qualquer constrangimento à
interoperabilidade.
- Certo,
a tecnologia de intercambiadores e eixos variáveis permite a comboios com essa
tecnologia passar de uma via de bitola europeia para uma de bitola ibérica,
como é exemplo em Ourense. Essa tecnologia permitiria a construção da nova
linha Porto-Lisboa em bitola europeia
A outra questão é que todas as
ligações a Espanha estão em bitola ibérica.
Se nós quiséssemos construir uma linha
de alta velocidade nova, chegaríamos à fronteira e os nossos comboios teriam de
alterar a bitola para bitola ibérica. Por exemplo, do lado de Vigo, entre Vigo
e Ourense está em bitola ibérica e depois de Ourense está em bitola europeia.
Os comboios têm de alterar a bitola.
A linha de alta velocidade será feita por fases e a
primeira será Porto-Soure. Ao concluirmos a primeira fase, começamos logo a
operar com os comboios lá e a tirar partido da alta velocidade. Ela não será uma
linha desligada da rede. Por isso, a única forma de tirarmos partido efetivo de
cada uma das fases é ela manter-se em bitola ibérica.
Depois há aqui outra questão de
fundo. O projeto TGV nunca foi consensual, andamos há 30 anos a
discutir o TGV e a única forma de torná-lo consensual é evitar que o
interior não fique a ver os comboios a passar.
- contudo, o interesse em ligações de
alta velocidade é para longas distancias
Em alguns pontos da rede, por exemplo,
os comboios que vêm da Guarda chegarão a Coimbra e entrarão na linha de alta
velocidade até Lisboa, o que irá aproximar todo o país da capital e também do
Porto.
Do ponto de vista económico, não há
problema nenhum da bitola para a questão das mercadorias. Nós temos 150
carruagens preparadas para andar a 200 Km/h, mais as locomotivas, temos nove
alfa pendulares para andar a 220 km/h e depois há desvios; os comboios mudam
para os seus itinerários, não há qualquer atraso. A ADFERSIT faz um comunicado
a discutir o parafuso e não fala da parte operacional.
Uma linha de
alta velocidade Porto-Lisboa tem capacidade para passar 10 a 15
comboios por hora, grosso modo, a cada seis minutos passa um comboio. Neste
momento, não se consegue fazer essa oferta porque não vai haver procura para
isso e não se vai tirar partido de toda a capacidade da rede.
“A interoperabilidade obriga a termos bitola europeia”
FERNANDO NUNES DA
SILVA Professor e especialista
em transportes
Uma das causas de o país estar a ficar
cada vez mais para trás na Europa é porque não somos capazes de manter uma
estratégia durante o tempo necessário para que ela se concretize.
Provavelmente, todas as pessoas que vou referir não souberam defender os interesses
do país, estavam tecnicamente mal aconselhadas ou defendiam propostas
irrealistas…
Primeiro governo de Cavaco Silva
(1985-1987) com ministro Oliveira Martins: despacho da nova rede de ligação
europeia deve ser feita em bitola europeia, seguindo as recomendações da
Comissão Europeia. Nos outros governos de Cavaco Silva, o ministro Ferreira do
Amaral mantém a bitola europeia e avança com estudos e projetos nesse sentido.
Segue-se governo de António Guterres, com os ministros João Cravinho e Jorge Coelho
(PS), que mantém bitola europeia e desenvolve projetos.
Depois veio o governo de Durão Barroso
que mantém a opção bitola europeia. Houve cimeiras ibéricas que discutiram os
assuntos e o seu funcionamento. A seguir vem o governo Sócrates, com o ministro
Mário Lino e, a seguir, ministro António Mendonça, atualmente presidente da
Ordem do Economistas (ambos PS), que mantém a bitola europeia. No governo
Passos Coelho, o ministro António Mexia (depois presidente da EDP) mantém
bitola europeia e pega no projeto que tinha sido desenvolvido no tempo de
Sócrates, na ligação Poceirão-Gaia em bitola europeia, e prepara o lançamento
do concurso para a sua construção. – a decisão de desistir do Poceirão-Caia foi do governo Passos
Coelho
De repente, aparece um governo António
Costa que decide alterar isto tudo. Com que base? Com que estudos? Com que
custos? Não só altera isto como momento
está num processo de negociação com a União Europeia para que esta financie
estas obras porque há decisões da Comissão Europeia no sentido de o
financiamento das novas linhas da rede transeuropeia de transportes obrigarem à
interoperabilidade e a interoperabilidade obriga a termos bitola europeia,
obriga a ter um sistema de sinalização e de comunicação entre a via e o veículo
europeu, que é uma coisa complicada, e há alguns problemas de protocolos e de
alimentação.
Quando é referido que os espanhóis,
nos últimos troços, estão a fazê-los em bitola ibérica é por uma razão
extremamente simples: foi o Governo português que assim o exigiu e disse que ia
manter a bitola ibérica nas suas ligações. Portanto, os espanhóis, e muito bem,
não iam gastar a fazer uma nova linha até à fronteira, de Ourense para a
frente, para depois não ligarem ao outro lado.
- notar que Espanha concentra os seus investimentos em bitola europeia no
Y basco e no corredor mediterrânico. Contudo, o orçamento geral do Estado para
2023, previu 1648 milhões de euros para o corredor atlântico mais 4770 milhões
do PRR até 2026.
A bitola ibérica é defensável a nível
técnico, mas, para passar para França, não será normal que tudo funcione em
bitola europeia?
JCB – Houve aqui exemplos de vários
governos, como se eles fossem donos da razão, não é? E o que nós percebemos é
que, ao longo dos anos, houve um forte desinvestimento na ferrovia e, em 2018,
a ferrovia quase colapsou. E porquê? Porque desinvestiram no material
circulante, nas oficinas, no pessoal, tudo para cortar custos. Isso fez com que
perdêssemos milhares de passageiros. No ano de 2022, atingimos um valor que já
não atingíamos há 20 anos. O que fizemos? Recuperámos comboios e oficinas,
contratámos trabalhadores. Há projetos de governos que dão errado e há projetos
de governos que dão certo e este Governo é o que mais tem investido na
ferrovia.
Na ADFERSIT, a discussão devia ser por
onde é que passa o comboio, qual é a velocidade do comboio, onde é que ele deve
parar, que tipo de material circulante, quem a deve operar e não a bitola. A
bitola é um falso problema, até porque os principais operadores (a própria
Medway) dizem que a bitola não é problema nenhum nas
mercadorias…
-
louva-se a atividade de recuperação das oficinas de manutenção e do material
circulante encostado, mas não foi respondida a pergunta. O normal seria que
tudo funcionasse em bitola europeia. O próprio presidente da Medway, embora sem
propor as ligações aos Pirineus em bitola europeia, afirmou em entrevista à
Railway Gazette em setembro de 2021: ”It’s evident that I,
as a railway operator, would like to have standard gauge. It would be much
easier” . Também é importante
referir o que diz o PFN/nov2022 da bitola europeia: “A
criação de ligações ferroviárias em bitola padrão (1435 mm) teria inegáveis
vantagens no transporte de mercadorias internacional de longa distância,
contribuindo para melhorar a competitividade das exportações portuguesas…não se
coloca no âmbito deste Plano planear essa migração.”
FNS – Eu estou a falar de passageiros,
depois falarei das mercadorias.
JCB – Nós damos exemplos de governos
anteriores que tinham o seu cavalo de Troia e a sua política, mas os
portugueses sabem os resultados dessas políticas.
O foco do debate é a opção pela bitola
ibérica ou europeia…
FNS – É preciso ter ligações
Lisboa-Porto num tempo compatível e concorrencial com o automóvel…
JCB – Desculpe, a gente não vive de
infraestrutura; a gente vive de serviço. O serviço cria valor, infraestrutura
cria despesa. Vocês estão focados na infraestrutura, na bitola. A bitola, a
bitola… como se a bitola fosse a mãe de todos os problemas. Mas a bitola não é
um problema!
CB – Vocês estão a querer criar uma
sub-rede dentro de uma rede e a criar uma ilha
operacional. – não, duas redes, como em Espanha
FNS – Não, de modo algum!
JCB – O filet mignon da Península
Ibérica é, neste momento, Porto-Lisboa. O eixo atlântico é a zona onde vivem
mais pessoas da Península Ibérica e não - existe
qualquer rede de alta velocidade. A ADFERSIT esquece isso. Isto vai ser feito
por fases. A primeira ligação será Porto-Lisboa e deve ser a ligação
prioritária.
- O
PIB das regiões de Asturias, Castela/Leon, Madrid, Castela/Mancha,
País Basco foi em 2019, em mil milhões de euros, 411 (corresponde ao
corredor atlântico norte sem a Galiza); o da Galiza, Portugal e Extremadura 268
(corresponde ao corredor atlântico sul mais a Galiza); o de Navarra, Catalunha,
Comunidade Valenciana e Andaluzia 570 (corresponde ao
corredor mediterrânico). Comparando estes valores do PIB por região, o argumento
do “filet mignon” pode justificar a prioridade ao eixo da fachada atlântica? ou
será apenas uma proposta da Universidade do Minho para empolar a importância da
sua região em detrimento do conceito da rede integrada ferroviária
europeia?
Mas mantendo o atual traçado ou
criando um novo?
JCB – Mantendo o atual traçado e
criando algumas saídas para que utilizemos as estações centrais. Na Europa, a
estação representa a centralidade, é um shopping, é um ponto de encontro. A
proposta da ADFERSIT é criar uma rede fora da rede e meter as estações fora da
cidade.
FNS – Não está a falar como
engenheiro. A ADFERSIT nunca defendeu que as estações ficassem fora do sítio.
Nunca defendeu.
JCB – Então como é que faz?
FNS – Muito simples: terceiro carril.
Não há problema nenhum, em termos de passageiros. A Espanha utiliza terceiro
carril, por exemplo, nas ligações entre Barcelona e França… Há quantos anos e
quanto é que se gastou na reformulação da Linha do Norte para estarmos, neste
momento, com um tempo de percurso inferior àquele que existia no início do
século?
Há mais de 30 anos…
FNS – Desde 1987! Em 1987, a CP, com
este tipo de raciocínios, tomou uma decisão (que foi catastrófica) que fazia
por fases, para melhorar imediatamente e repercutir as melhorias que se
fizessem no resto da rede. E o que aconteceu?
Desde 1987 ainda estamos a melhorar a
Linha do Norte. Já gastámos mais dinheiro na Linha do Norte do que construir
uma linha completamente de raiz ao lado. - sem alterações muito mais substanciais do que as já
realizadas ou previstas na linha o Norte, é impossível aumentar a velocidade
média porque a linha é constantemente atravessada por passagens de nível e por
passadeiras para peões e tem caminhos pedonais paralelos à via não só nas
estações mas ao longo da via constituindo risco elevado de sucção; a
fluidez do tráfego é também prejudicada pelos serviços regionais, suburbanos e
de mercadorias.
JCB – Não vou entrar na crítica que
faz ao pensamento da CP porque está à vista de todos e é reconhecido pela
maioria que gosta de comboios. O trabalho feito, nos últimos anos, tem sido de
recuperação da CP, ao contrário de muitas pessoas que acompanham a ADFERSIT que
passaram pela CP e que fecharam oficinas e encostaram material circulante.
FNS: “O problema da Linha do Norte é ter os suburbanos misturados com
intercidades” - o que é especialmente gravoso entre
Ovar e Porto, entre Alfarelos e Coimbra, e entre Azambuja e Lisboa
JCB – Nós não podemos criar uma ilha
operacional. Se tivermos a mesma rede, os comboios entram e saem dentro da rede
de alta velocidade e criam redundâncias. Um dos problemas da Linha do Norte é
que não tem redundância. Quando há cheias, por exemplo na zona de Coimbra, a
Linha do Norte fica completamente inoperacional porque não temos qualquer tipo
de redundância. – a
vulnerabilidade às cheias do Mondego (e dos seus afluentes cujas bacias não
foram devidamente tratadas) era um motivo para o traçado da linha AV atravessar
em viaduto perpendicularmente ao rio Mondego sem desvio para a estação de
Coimbra B paralelamente ao rio, desenvolvendo-se uma rede de metro para ligação
rápida a Coimbra. Mas não é esse o conceito do PFN. Notar que
aparelhos de mudança de via de ponta (desvios) para acesso às estações
intermédias serão sempre pontos vulneráveis à ocorrência de acidentes
A Linha do Oeste será modernizada e
entre Caldas da Rainha e Louriçal terá velocidades até 200 km/h, o que criará
uma redundância e depois a rede de alta velocidade poderá criar mais
redundâncias…
FNS – Então vamos ter uma linha
separada da atual. Essa tal linha de alta velocidade não é na atual. É que há
bocadinho disse o contrário…
JCB – Não, não, não disse isso! Diz
que é uma linha Porto-Lisboa e só quando acabar a linha Porto-Lisboa é que
começam a passar lá comboios. Então como é que faz isso? Como é que faz o
Porto-Soure?
FNS – Tem aqui a Linha do Norte. Está
a construir esta linha, tem aqui a estação atual, o que você diz é que quando
faz isto, faz um ramal para fazer a ligação… Depois, continua aqui, exatamente
da mesma maneira. O que é que isto tem que ver com a bitola ibérica,
explique-me.
JCB – O senhor faz uma linha
Porto-Soure em bitola europeia…
FNS – Sim, senhor.
JCB – Como é que no outro dia mete lá
comboios a circular? Como, se não os tem? O quê, compra com bitolas variáveis?
FNS – De eixos variáveis,
claro.
JCB – Defende a compra de comboios de
bitola variável? – notar que atualmente os comboios
Alfa fazem apenas o percurso Braga-Faro, não vão por exemplo á Guarda como
sugerido pelo PFN. Evidentemente que nas fases Porto-Soure e Soure-Carregado o
recurso a comboios de eixos variáveis será forçoso se se quiser evitar os
transbordos. Notar que se poderá negociar a operação com comboios
Alvia S-120 ou S-130 da RENFE sem ter de os comprar. Mais uma vez teremos aqui
um problema análogo ao da bitola. Não querendo a IP substituir o CONVEL, vai
ser necessário equipar os comboios de operadores estrangeiros com o STM
(conversor das mensagens das balizas CONVEL para os comandos ERTMS de bordo),
desconhecendo-se neste momento a calendarização para a sua conclusão, mas sabendo-se
que o regulamento revisto propõe a remoção dos sistemas diferentes do
ERTMS até 2040.
FNS – Claro, sim. Como é evidente. Na
fase inicial, sim.
JCB – E todos os comboios que a CP tem
prontos a operar a 200 km/h, o senhor encosta-os… - se se pretende mesmo descarbonizar os transportes, todo esse material
será utilizado, quer se siga ounão o conceito do PFN (nova linha Porto-Lisboa
para alta velocidade e velocidade elevada, linha do Norte para mercadorias e
serviços locais); criticam-se os atrasos na modernização de linhas como a da
Beira Alta (neste caso critica-se também o excesso de modernização), do Oeste,
do Algarve (neste caso critica-se a não duplicação), não se critica a
necessidade de manutenção
FNS – Então, mas a alta velocidade é a
200 km/h?
JCB – Mas pode utilizar comboios até
200
km/h… - o regulamento prevê que em linhas modernizadas, não em linhas
novas para as quais foi definido 250 km/h
FNS – Ah, então vamos meter numa linha
de alta velocidade comboios com velocidades diferentes…
JCB – Também. Qual é o problema?
FNS – Qual é a empresa ferroviária do
mundo que mete comboios de velocidades muito diferentes na mesma
infraestrutura? Diga-me só uma.
JCB – Está completamente enganado.
FNS – O problema da Linha do Norte não
ter capacidade entre Aveiro e Porto e entre Lisboa e o Carregado é devido ao
facto de ter os suburbanos misturados com alta velocidade, com os intercidades,
regionais… Esse é que é o problema.
Não é possível ter uma infraestrutura
ferroviária com comboios de velocidades muito diferentes a operar na mesma
linha. Isso vai prejudicar os comboios mais rápidos.
JCB – Nós temos de tirar o máximo da
capacidade da rede e podemos trazer comboios que andam a 200 km/hora.
FNS: “A nossa ligação é a
Madrid e as ligações estão em bitola ibérica”
Na visita do governo à linha ferroviária
Évora-Elvas, o primeiro-ministro quis saber como mudar de bitola: “No dia em
que haja essa mudança em Espanha e se possa fazer essa mudança aqui,
desaparafusa daqui, aparafusa ali, é isto?”. E foi-lhe respondido: “É isso
mesmo”. É assim que vai funcionar?
JCB – Isso foi uma forma simples de
resposta.
- não, a forma de resposta
pode ser simples (e é enganadora), mas a ação não será simples, porque os
viadutos do Évora-Caia só têm tabuleiro numa via, a outra via só tem as bases
dos pilares, vai ser muito onerosa a duplicação das vias nos viadutos, além de eu
a substituição de um aparelho de mudança de via em bitola ibérica por um
aparelho em bitola europeia também não é simples.
O que vai acontecer é que a primeira
ligação é feita em bitola ibérica (Porto-Lisboa) e faz todo o sentido, para
ligar ao resto da rede.
- o sentido que faz está
explicado no PFN que rejeita a bitola europeia e a integração da linha
Porto-Lisboa no mapa do regulamento 1315 das redes TEN-T com caraterísticas
interoperáveis, rejeitando o conceito de integração na rede europeia única,
privilegiando um conceito de nova linha na região da fachada atlântica ao
serviço também das estações intermédias
FNS – Mas depois vai mudar para bitola
europeia. O Governo está a negociar com a União Europeia, não está? Eu vi a
proposta de como é que aquilo ligava.
JCB – Não, o projeto está a ser feito
em travessas polivalentes e, como é óbvio, se houver corredores internacionais,
nós podemos duplicar a ligação entre Évora e Badajoz. Só tem uma via e podemos
passar para uma segunda via em bitola europeia. O presidente da Medway diz que
a bitola é um falso problema. O ex-presidente da CP, Nuno Freitas, um dos
maiores especialistas (senão o maior especialista português) em ferrovia, diz
que a bitola não é um problema. Aliás, é um dos grandes defensores em mantermos
a bitola para não criarmos um arquipélago, um conjunto de ilhas operacionais
que criam dificuldades…
- sendo um facto a defesa da continuidade da bitola ibérica pelos
operadores de mercadorias privados, volto a citar a entrevista referida acima
do presidente da Medway e o extrato do PFN. Critica-se
assim nada se querer fazer até 2050 para progressivamente mudar este estado de
coisas e conseguir a prazo, eventualmente de 10 anos (o regulamento revisto
refere as datas de 2040 e 2050 para integração dos corredores de mercadorias
nos corredores internacionais TEN-T) a situação ideal da mesma bitola europeia
entre os portos e as plataformas nacionais e a Europa além Pirineus. Se é uma
situação desejável, deve-se trabalhar para ela em vez de nos contentarmos em
transportar os contentores para a plataforma de Vitoria, em bitola ibérica ou
por estrada. Sem negar a evidencia de em Plasencia-Badajoz se utilizar bitola
1668mm com travessas polivalentes e faltarem cerca de 800km (Plasencia-Madrid-Vitoria e
fronteira portuguesa-Medina del Campo) em Espanha para o corredor atlântico,
não parece dever insistir-se em que a linha AV da Extremadura está em via única
sem capacidade para o tráfego misto de passageiros e mercadorias, nem ignorar a
estratégia do governo espanhol e da ADIF de satisfazer as especificações da
regulamentação comunitária das redes TEN-T.
FNS – Mas estamos a criar um
arquipélago…
JCB – Não! Vocês é que querem criar um
arquipélago. Ao nível dos passageiros, só conseguimos ser competitivos numa
viagem até 3 horas, ou seja, no máximo 700 quilómetros. Chegar a Barcelona já é
uma miragem, é para pessoas que gostam muito de comboio. As pessoas vão
continuar a utilizar o avião porque têm 5, 6 horas de viagem quando em 1h45 chegam
a Barcelona. A nossa ligação é a Madrid. Neste momento, todas as ligações a
Madrid estão em bitola ibérica.
- sobre a necessidade de transferir o tráfego aéreo de passageiros
Lisboa-Madrid para a ferrovia AV, é importante citar o
coordenador do corredor atlântico Carlo Secchi no seu relatório de jul2022:
“The
new high-speed line between Porto-Lisboa is a priority for the Corridor, and
European standard track gauge should be considered for its connection with the
rest of Europe, in order to ensure future connectivity with Spain and France
and the rest of the European rail network. The completion of the high-speed
line between Lisboa and Caia-border, in particular “Lisboa- Pinhal Novo”,
“Elvas-Caia border” and “Pinhal Novo – Évora” should be ready prior to the
high-speed line connecting Aveiro to Villar Formoso and a migration to European
standard track gauge should also be considered in the same timing. There are up
to forty daily flights both ways between Lisboa and Madrid, we cannot afford to
wait until 2050 to shift this traffic to rail.” Convinha
que o governo português alterasse a sua estratégia e coordenasse com Espanha a
implementação da ligação Lisboa-Madrid em bitola europeia numa altura em que já
se listaram 11 ligações internas aéreas de curta duração em
Espanha que deverão ser descontinuadas.
FNS – As ligações a Madrid estão em
bitola ibérica? Onde?
JCB – A ligação pelo corredor
internacional sul está em bitola ibérica. Não foi inaugurada Plasencia-Badajoz?
Estou a dizer alguma inverdade, alguma falsidade? Foi inaugurada no ano
passado.
- certo, em julho de 2022 e
a sua eletrificação a 25 kVAC recentemente em 2023; segundo a informação
oficial, prevê-se tráfego misto passageiros e mercadorias; entre Plasencia e
Merida em via dupla, entre Merida e Badajoz em via simples; travessas
polivalentes, efetivamente atualmente em bitola ibérica.
Depois
a ligação Madrid-Ourense em bitola europeia, mas Ourense-Vigo em bitola
ibérica. E não foi por questões portuguesas, foi por questões operacionais da
Galiza.
50% das nossas relações comerciais são
com Espanha. Transportamos menos de 10% em transporte ferroviário e a nossa
bitola é igual. Ou seja, o problema não é a diferença de bitola. O problema é a
competitividade, é a falta de canais de rede. Se nós temos a mesma bitola na
Península Ibérica para o transporte de mercadorias, porque é que nós não aumentámos
o transporte e passámos do modo rodoviário para o modo ferroviário? Porque nos
faltam canais ferroviários.
– qualquer técnico de transportes
concorda, os canais redundantes são essenciais, mas foi também por isso que o
corredor atlântico do regulamento 1315 tem um ramo norte (Aveiro-Salamanca) e
um ramo sul (Sines/Lisboa-Badajoz). Mas conviria analisar de mais perto as
estatísticas de transporte para que não se insista na preferência pelo destino
de Espanha para as nossas exportações em detrimento das exportações para a
Europa além Pirineus. Números do INE para 2022 para modos terrestres: 11,3
milhões de toneladas exportadas para Espanha e 5,9 milhões exportadas para o
resto da União (65,7% e 34,3% respetivamente). O valor das exportações para Espanha
foi 16.800 milhões de euros e para o resto da União 25.700 milhões (43% e 57%
respetivamente). Considerando agora o conjunto de exportações e importações por
todos os modos de janeiro a agosto de 2023 temos: para e de Espanha 23,4 Mton e
para e da EU 14,8 Mton (61,3% e 38,7% respetivamente) a que corresponderam os
valores de 36.700 Meuros para Espanha e 51.600 Meuros para o resto da EU (41,6%
e 58,4% respetivamente). Isto é, sem descurar o tráfego interno de Espanha (em
2019 a quota ferroviária de mercadorias em Espanha foi apenas de 5%) , o que os
operadores privados e o incumbente asseguram, deverá insistir-se também no
tráfego para a Europa além Pirineus incluindo a transferência do modo rodo para
o ferroviário através das autoestradas ferroviárias (transporte de camiões,
semirreboques ou caixas móveis por comboio) corrigindo os gabaris onde
necessário (coisa aliás prevista no regulamento revisto) e prevendo nos
cadernos de encargos dos vagões a mudança fácil para eixos de bitola
europeia. Saúda-se a assinatura pela APEF de um protocolo de cooperação para a
implementação de uma autoestrada ferroviária do Entroncamento a Valencia.
Estima-se que em 2025 esteja em funcionamento a ligação em 3 carris entre
Vitoria e Irun e entre Valencia e Barcelona/Perpignan, constituindo-se nesta
fase as suas plataformas como núcleos principais intermodais.
FNS – Em relação às mercadorias, nunca ouviu a nossa
posição, como a da ANTRAM, que é manter a bitola ibérica. O maior operador do
transporte de mercadorias (Medway) faz parte da minha direção da ADFERSIT e, em
relação às mercadorias, o que diz é que não é necessário mexer na bitola nas
mercadorias.
– ver acima a referência à entrevista de setembro de 2021;
notar que a rede de bitola ibérica constitui uma barreira para o acesso de
operadores estrangeiros que não dispõem de material circulante de bitola
ibérica; acertadamente, tanto a Medway como a Captrain adquiriram recentemente
locomotivas de elevada potencia e força de tração, com 6 eixos, as Euro6000 da Stadler,
sendo um lote de bitola ibérica para operação na península e outro lote com
bitola europeia para operação na Europa além Pirineus.
Para passageiros,
vamos comprar protótipos de alta velocidade, comboios que custam 25 milhões de
euros.
- como comentário final: o
governo português, a IP , o AVEP e os operadores deviam estar a trabalhar nos projetos para implementação dos corredores
internacionais para passageiros e mercadorias, apesar do horizonte estar
distante, especialmente no caso das mercadorias com ligação aos Pirineus. É
essencial mudar a estratégia e negociar com Espanha (e com França, e com a
Comissão Europeia) as ligações ferroviárias de acordo com a regulamentação
europeia das redes TEN-T interoperáveis.