Custa escrever sobre o assunto.
Em primeiro lugar há que prestar homenagem à memória das 228 vítimas.
Depois aos familiares.
As reflexões que se seguem pretendem tratar alguns conceitos de análise de riscos, aplicáveis a qualquer sistema ou modo de transporte.
Não pretendem crucificar ninguém, nem a Air France, nem a Airbus, porque todos nós erramos e é muito fácil condenar os outros.
Antes pretendem insistir que os conceitos de segurança devem ser debatidos, sem que nos imponham critérios ou dogmas sem discussão.
E que é legítimo colocar hipóteses, fugir ao secretismo, abrir o debate.
Mesmo que se digam disparates ou que as hipóteses não se confirmem.
1 – Até ao momento, com base na experiencia aeronáutica, no histórico dos incidentes com o Airbus 330 e nas mensagens automáticas (estas são enviadas via satélite para a manutenção de modo a que uma equipa possa estar à espera do avião com a peça ou módulo para substituir os avariados; trata-se de um sistema que pode ser utilizado noutros modos de transporte, por exemplo ferroviário através da transmissão dos códigos de avaria por WI-FI, no sentido da optimização da mannutenção) , colocam-se as seguintes hipóteses como causas, sendo que um acidente destes ocorre sempre por convergência de várias causas ou circunstâncias e possivelmente só haverá mais certezas após leitura das caixas negras (cuja tecnologia, aliás, carece de actualização):
- não ter sido efectuado um desvio da tempestade (será normal o avião dirigir-se à tempestade em piloto automático?);
-fractura do leme de direcção devido a golpe de vento ou fenómeno atmosférico excessivos;
-falha dos sensores de velocidade, induzindo comportamento inadequado á central de inércia (ADIRU); notar que os sensores de velocidade se destinam a medir a velocidade do ar junto das asas, para prevenir a aproximação do ponto de Stall ou de perda; a indicação da velocidade por GPS de que o avião dispõe não é útil para o fim do controle aerodinâmico; os sensores de velocidade, ou tubos de Pitot, dispõem de aquecimento para evitar o congelamento, mas também esse aquecedor pode avariar;
- falha do radar meteorológico, induzindo comportamento inadequado á central de inércia (ADIRU) e aos pilotos;
-falha da central de inércia ADIRU (recolhe as informações dos sensores de velocidade , altitude, giroscópios laser, etc , e fornece-as aos computadores de bordo para os comandos);
-deficiencias no projecto de software que faça prevalecer os comandos dos computadores de bordo sobre os comandos dos pilotos mesmo em caso de falhas dos sensores ou das centrais de inércia;
-queda de raio com perfuração da chapa (apesar da espessura em alumínio da caixa ser projectada para resistir a isso e de funcionar como gaiola de Faraday) ou com indução electromagnética perturbando irreversivelmente a electrónica dos sensores ou do comando; é normal um avião de longo curso sofrer a descarga de um raio por ano, e de médio curso 3 por ano;
Não se pode afirmar, pelo menos enquanto não se lerem as caixas negras, que a causa do acidente tenha sido os tubos de Pitot (sensores anemométricos), embora se possa dizer que pode ter sido uma ou uma das causas.
Houve a coincidência de um avião Airbus da Qantas em Outubro de 2008 ter sofrido uma queda de muitos metros, em automático, devido a informações erradas dos tubos de Pitot e a deficiência das centrais ADIRU (por sinal de outro fabricante da do Airbus da Air France. Também todos os sensores dos Airbus 200 da Air France foram substituídos por deficiências evidentes. Talvez a Air France tenha sido demasiado confiante ao retardar a substituição dos sensores dos Airbus300 (os sensores deste modelo avariavam menos…).
Mais prudente foi a Qantas ao suspender os voos de um modelo dos sues Boeing quando detectou uma pequena inconformidade; ou o Metropolitano de Lisboa quando detectou uma deficiência num suporte dos seus motores, parando as automotoras com esse defeito até à substituição.
Sabe-se como qualquer paragem tem custos elevados…
Interessa, para qualquer modo de transporte, avaliar os critérios de segurança ligados aos conceitos e ao grau de automatismo utilizados. Em dois outros acidentes recentes, as causas estiveram ligadas ao piloto automático. Em Buffalo, com um avião Bombardier, terá sido a activação dos flaps no início da aterragem quando havia excesso de gelo nas asas (não terá sido eficaz o aquecimento anti-gelo) , e o automático, para ganhar velocidade, inclinou o nariz para baixo apesar da baixa altitude e o piloto reagiu mal; em Amsterdam Schipol , com um avião Boeing, foi falha da informação dos altímetros para o piloto automático.
Criou-se um padrão de segurança tão elevado (de facto o transporte aéreo é o mais seguro), que o que parece pequenas melhorias não é aplicado e conceitos como o da prevalência dos automatismos e da sua infalibilidade são aceites quase pacificamente. Por outro lado, só os automatismos permitem o volume de produção (passageiros.km transportados) que se pratica e a presença de automatismos é essencial para garantir a segurança. A questão é qual o grau de automatismo.
O critério usado pela Boeing é diferente do da Airbus. No primeiro caso o piloto tem a ultima palavra a dizer. No caso da Airbus haverá um excesso de automatismos. E há de facto registo de acidentes devidos a isso (mantendo embora o elevado padrão de segurança). Criou-se a ideia, talvez novo-rica, não só na aviação, de que os automatismos resolvem tudo. Por exemplo, já há incidentes na condução automóvel em que o controlo automático de tracção conduz à perda de aderência em curvas que poderiam ser melhor geridas manualmente. Também na técnica ferroviária se poderá discutir se o transporte de massas em metropolitanos deverá ser em automatismo integral. Situações como o inicio de um incêndio num túnel, ou a alteração altimétrica dos carris, ou fractura de uma porção do carril (risco de descarrilamento) têm sido detectadas e reportadas pelos maquinistas, sendo que é extremamente difícil e oneroso instalar e manter sistemas automáticos de detecção destas situações, com garantia de operacionalidade 24h por dia durante a vida útil do sistema de transportes.
Compreende-se a preocupação das administrações em reduzir custos. A “eliminação” do mecânico de voo (flight engineer) contribuiu para bilhetes aéreos mais baratos, mas não parece ter sido boa ideia em termos de segurança (veja-se o caso do acidente da TWA em N.York, em que o avião fez a viagem de Atenas para N.York com a luz de avaria do ar condicionado, fatal na descolagem por retirar potencia aos reactores). Atravessar em linha recta (mais precisamente, em ortodrómia) uma zona de tempestade ou de condições meteorológicas adversas pode baixar custos de combustível.
Muitas vezes não tem consequências negativas, mas não funcionou no caso do Titanic e, parece, no caso do voo da Air France.
Todas estas questões dos automatismos ligados à segurança e dos perigos das reduções de custos com as tripulações devem manter-se em debate aberto. É a minha proposta. Não acreditar em soluções universais de automatismos infalíveis. Bem basta a falibilidade do homem.
Em tempo: Lembram-se da turbulencia há semanas num voo Munique-Lisboa, com deputados portugueses a bordo? Tratava-se de um Airbus321. Convinha a opinião pública ser esclarecida se há relação com os comportamentos anómalos não só dos sensores anemométricos, mas também das centrais de inércia (ADIRU). Recebendo informações erradas ou avariando as centrais, os computadores de bordo, em automático, podem dar ordem de mergulho ao avião, tornando dificil a recuperação (foi o caso já comprovado do avião da Qantas em Outubro de 2008).
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ResponderEliminarBom, pelo menos valha-nos a fiabilidade do homem.
Espero que mantenha essa preocupação por muitos e bons anos, até porque o homem, quer seja piloto, mecânico de voo, ou maquinista, pode ser a última esperança para evitar uma tragédia, até porque, os homens que pensaram, projectaram e construíram as essas máquinas, estarão na caminha com lençóis de seda, ou em gabinetes com vistas para belas paisagens ou ainda com os pés de molho em águas de alguma praia paradisíaca, quando as máquinas deixam de querer trabalhar, pelo menos como deveriam.
Os homens que tem como função controlarem as máquinas ou resolver os problemas que outros homens criaram nessas máquinas, e que não bebendo uns copos nem se zangando com as mulheres (que raio de conversa é esta que agora fui buscar, terá alguma coisa a ver com os dotes físicos da Isadora, a filha do Jorge, Fernando Jorge?), são e serão sempre o pára-quedas de reserva.
Bem haja.
DPVL