quinta-feira, 18 de junho de 2009

Rodoviarium II - Adam Smith e Darwin passaram os feriados de Junho no Algarve

Rodoviarium II - Adam Smith e Darwin passaram os feriados de Junho no Algarve


Não tenho a certeza de nada, claro, mas parece-me que Adam Smith e Darwin acompanharam muitos portugueses na pequena transumancia dos feriados de Junho.
Fiz a viagem de ida na noite de 9 de Junho e o regresso no sábado, dia 13, também de noite.
É possível que de noite se viaje com mais segurança, no pressuposto de que, sendo menos favoráveis as condições nocturnas, darwinisticamente já foi feita a selecção natural dos condutores.
Assim, quando a afluência não é muita, é vulgar verem-se os automóveis em grupos dispersos pela auto-estrada circulando a velocidades médias da ordem de 130-140 km/h (eu sei que é ilegal…), e de vez em quando passarem os condutores velozes a velocidades superiores.
Como o movimento não era muito no regresso de sábado, até se verificaram esses valores de velocidade média (130-140 km/h).

Mas na viagem de ida de dia 9 havia grande afluência e os grupos deslocavam-se mais compactos, a velocidades médias entre 100 e 110 km/h.
Darwin viu logo que a espécie humana perdera a capacidade para se deslocar de forma defensiva em grupo, embora tenha conservado vestígios dos respectivos genes. As regras do movimento em grupo dos animais têm como principal objectivo a protecção contra predadores, quer seja o meio aéreo, terrestre ou aquático, sendo que a eficácia dos mecanismos de protecção diminui com a capacidade intelectual do predador, veja-se o caso dos massacres de cardumes executados pelas orcas e golfinhos (analogamente, os prejuízos dos pequenos investidores são tanto maiores quanto mais inovadoras no sentido de obtenção de grandes remunerações forem as técnicas de gestão das sociedades financeiras).
No caso das deslocações colectivas da espécie humana verifica-se o contrário: o próprio homem assume-se como predador em comportamento agressivo para o condutor da frente e auto-destrutivo para ele próprio. O gene está lá, mas sofreu inibição dos antagonistas desenvolvidos pelo próprio cérebro humano.
Por exemplo, numa rua de dois sentidos de uma cidade, a reacção primária de um condutor ao ver que o carro da frente parou ou está a abrandar, é mudar de via (agora é via que se diz, não é faixa) e tentar ultrapassar sem se inteirar primeiro do motivo por que está o carro da frente a parar, isto é, se não haverá mesmo motivos para não invadir a via contrária. A reacção primária num grupo de aves, peixes ou mamíferos é o indivíduo reproduzir o comportamento do indivíduo da frente ou ocupar o lugar dele se ele saiu do grupo. E isso protege contra predadores, sem necessidade de intervenção intelectual. No caso dos humanos, é precisamente a intervenção intelectual, ao nível primário, não secundário, que propicia o predador-acidente.

Darwin, observando o movimento da via de ultrapassagem, concluiu precisamente o que ficou escrito. Enquanto na via da direita os indivíduos procuravam manter espaços de protecção entre si, num comportamento defensivo em relação ao predador –acidente , na via da esquerda os condutores velozes acumulavam-se, chegando a reduzir a distancia para 4 metros; e muitas vezes utilizavam a via da direita para ultrapassar os carros da via da esquerda (eles sabem que é ilegal, claro).
Darwin, embora não especialista de matemática, convertia automaticamente a distancia em metros para a distancia em segundos, e relacionava essa distancia com o tempo de reacção do homem e da máquina a uma alteração das condições do movimento do carro da frente:
Tempo em segundos para percorrer uma distancia de 4 m a uma velocidade de 110 km/h: 13 centésimos de segundo
distancia em metros percorrida a 110 km/h durante o tempo de reacção, i.é, antes que haja reacção a uma alteração de movimento: 61 m

Isto é, Darwin achava que cada condutor devia guardar uma distancia de 61m relativamente ao carro da frente e, se fizesse isso, não só se protegia do predador-acidente, como progressivamente a velocidade do grupo subiria. Possivelmente e tendencialmente para os referidos 130 a 140 km/h.

Mas Adam Smith , como se diz em coloquial, atirou-se ao ar, relembrando que o interesse individual de cada condutor, expresso na sua ânsia de chegar mais depressa, mesmo que o seu comportamento pudesse ser o do investidor que investisse o que fosse preciso para ganhar o que fosse possível, seria sempre o motor do lucro para esse condutor e para os outros. Bem argumentou Darwin que esse interesse individual era o responsável pela inibição do gene das regras de protecção em movimento colectivo, mas Adam Smith manteve-se irredutível. Ele tinha sempre razão.

Como os economistas posteriores a Adam Smith não aproveitaram os feriados para irem ao Algarve, ninguém lhe lembrou que talvez os outros condutores, pelo menos os da via da direita, não sentiam, tal como a velhinha que não queria atravessar a rua, nenhuma necessidade, tangível ou não tangível, em lucrar tempo para chegar mais depressa ao Algarve, dando ampla prioridade a chegar em segurança e com o tal espaçamento de protecção, esse sim gerador de ganhos de tempo, no interesse comum, através duma subida regulada da velocidade média.

E Darwin, de facto, apesar dos parcos conhecimentos de matemática, lá foi mostrando a Adam Smith, embora com pouco sucesso, que a acumulação de carros na via da esquerda, com distancias que chegavam aos 4m, isto é, 13 centésimos de segundo, era um perigo e o principal responsável por uma média de grupo tão baixa (110 km/h velocidade baixa…quando o petróleo subir, logo se vê o que é velocidade baixa ou alta).

Porque se o carro da frente tiver de abrandar (olha, é a saída de uma área de serviço e o carro da direita fugiu ao que ía a entrar na auto-estrada e o carro da esquerda teve de abrandar, por exemplo, de 110 para 102, 6 km/h).
Se o condutor veloz do carro perseguidor a 4m não conseguir reduzir o tempo de reacção de 2 para 1 segundo, bate e bate mesmo ao fim de 1 segundo do tal abrandamento.
Para não bater, teve de aplicar travões a uma taxa de desaceleração mais elevada do que a que o carro que abrandou fez, e que foi de 2 metros por segundo quadrado.
E quando isso aconteceu (o segundo carro conseguir segurar o embate no primeiro) o terceiro carro, também perseguidor, como deixou escoar tempo de reacção, teve de travar a uma desaceleração ainda superior. E por aí fora, no sentido contrário ao movimento da fila, propagando-se a perturbação para trás, com cada carro a travar mais depressa do que o carro da frente.
Não admira assim, concluiu Darwin, como se tivesse analisado a rota de transumancia de um bando de patos, que a rectaguarda da fila acabe mesmo por parar, sem que tenha havido nenhum acidente nem nada digno de nota. Foi a ganância dos apressados que se aproximavam demasiado dos carros da frente e insignificantes abrandamentos (entradas e saídas de áreas de serviço ou acessos da auto-estrada, um mosquito a apoquentar um condutor, um micro-lapso de atenção, um atendimento do telemóvel…) que provocaram as grandes filas e as esperas para retomar o movimento.

Tudo porque o interesse individual não quis guardar a distancia de 2 segundos , ou tempo de reacção, ou 61m a 110 km/h, relativamente ao carro da frente, nem guardar o seu lugar na fila.

Esta é a metáfora da economia: o interesse individual e o mercado a funcionar, quando existem externalidades de interesse social comum (quando grandes grupos desejam chegar em segurança ao Algarve), quando existe escassez (quando faltar o petróleo, por exemplo), ou quando existe informação assimétrica (é o que faz que alguns consigam excelentes remunerações dos seus investimentos enquanto outros não), só piora as coisas.
É pois necessário um código (guardar uma distancia de segurança, não ultrapassar pela direita) com regras infelizmente limitadoras da livre iniciativa, mas que defendem o direito da vida em sociedade.

Os AdamSmithistas que me perdoem.

4 comentários:

  1. Mas desde quando é que o interesse colectivo pode ou deve ser sobreposto ao interesse individual?
    Cada um trata dos seu interesses como quiser e hierarquiza as sua prioridades como entender!
    Por esta ordem de ideias seria negado o direito à greve. Vamos ver. Quando, por exemplo, os trabalhadores do metro fazem greve, por querem aumentos de salário maiores, condicionam as deslocações em lisboa à sua vontade, i.e. prevalece o interesse individual, e é assim que deve ser. Os homens têm cerebros maiores que aves ou peixes para poderem ter comportamento mais complexos. Deste ponto de vista esta moda, tanto em voga, de criar o grande rebanho em vez de social é até fascista. Dá até a ideia que um certo quadrante político português foi aos ensinamentos milinerares daqueles a quem Karl demonominou como ópio do povo aprender como criar um grande rebanho que permita um poder longo. Com a igreja de Roma deu resultado... A sua hegemonia durou 15 séculos. Já os seguidores de Adam Smith, ao contrário dos discíplos de Darwin, são verdadeiramente democratas, pois admitem, que desde que cumpridas as regras gerais do código da estrada, cada um circula como quiser, quando quiser e onde quiser, e se houver bicha, repito bicha e não fila como o politicamente correcto tenta adoptar, espera-se, e o problema é encarado como mais um dos problemas de estar vivo.

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  2. Carissimo anónimo AdamSmithista
    Era o que eu temia. Os AdamSmithistas não me perdoam. Eu só disse que era ilegal ultrapassar pela direita em nome do interesse individual e ilegal é conduzir a 110 km/h a 4 metros de distancia do carro da frente. Julgo ter matematicamente demonstrado que era por isso que a cauda da bicha parava, como se fosse um harmónio. Quer-me parecer que eu, individualmente, tenho direito a não ter de esperar porque outros eus, individualmente, querem fazer a viagem mais depressa do que eu e cometem ilegalidades (leia bem o Código da Estrada, não convem andar como quiser...). É o meu interesse individual que está a ser "pisado", ou não será?
    Ou estou a ver mal, como membro do rebanho?
    PS - Acha mesmo que a igreja de Roma, a bem amada SMICAR, já não tem hegemonia? Viu aquela minha mensagem de dia26 de Maio, sobre o que dizia a minha sogra? Quer-me parecer que a hegemonia ainda anda por aí.

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  3. Será que me conhece?
    A preocupação assola-me a cada mensagem de resposta que escrevo.
    Bem, mas para o caso não interessa.
    A verdade é que tenho que concordar com a análise da “bicha”.
    Não sei bem porquê este termo leva-me sempre para outras filosofias que não as de Alexander Gottlieb Baumgarten.
    Bom, mas para o caso também não interessa. De facto o carneirismo, (xiça que termos passei a usar desde que aqui escrevo), que se assiste nas estradas portuguesas, é de facto arrepiante.
    Mas hoje, especialmente hoje, porque estou com dificuldade em gerir o meu tempo disponível para estas “cousas” que tanto me agrada, fico por aqui, ou melhor gostava, mas tenho muito para fazer pelos outros.
    Mas assim que puder voltarei ao tema.

    DPVL

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  4. Carissima Anónima DPVL

    Somos todos tão parecidos uns com os outros (lá está, o carneirismo)que mais nos conhecemos que desconhecemos. Temos é a capacidade intelectual de criarmos desconhecimento mútuo (individualismo?). Mas apanhou-me com o Baumgarten. Não me recordo da minha saudosa professora de Filosofia nos falar dele mais das suas preocupações estéticas. Pelo nome, nas minhas posições de memória estava mais um maestro que deixou umas boas gravações das sinfonias de Beethoven. Abençoados os (as) que têm muito para fazer pelos outros...

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