segunda-feira, 1 de junho de 2009

Economicómio I - o jogo da bolha

Economicómio I - o jogo da bolha

Vou ter de pedir desculpa aos meus amigos economistas por lhes dirigir esta provocação a propósito do jogo da bolha. Vou tentar relacionar com a teoria , sagrada para os neo-liberais que nos puseram no estado em que estamos, do interesse individual de Adam Smith.

Será verdade que um grupo de amigos e de grupos de amigos dos amigos, reunidos numa sessão de jogo da bolha num restaurante fora de portas, no norte, rendeu 1 milhão de euros a 3 assaltantes sem que ninguém tenha apresentado queixa na polícia?

Será possível?
Será legal o jogo?
Parecerá que sim. Eu sou livre de emprestar dinheiro a um amigo.
O amigo é livre de ter um negócio inscrito nas Finanças e é legítimo que daí a uns tempos me devolva o dinheiro acrescido de mais valias devidas ao negócio e sobre as quais se possa ter pago o devido imposto.
No interesse individual de uns e de outros, foram geradas mais-valias.
Adam Smith manifestava-se embevecido, e os seus seguidores ainda mais, com as vantagens para a comunidade das mais valias que o individuo conseguiu.
Mas porque será que eu não faço esses negócios?
Provavelmente porque não tenho nenhum amigo que tenha um negócio que possa remunerar-me o empréstimo com tantas mais valias. Poderemos falar aqui em assimetria de informação, i.é, do mercado a não funcionar com a sociedade dos conhecimentos no seu melhor?
Os economistas que estudaram Adam Smith, mas que não ficaram cegos para outros economistas que apareceram por aí (Marx, p.ex), nem para o movimento científico do século XIX, sabem que na natureza nada se cria, tudo se transforma (Adam Smith não era obrigado a adivinhar, que diabo), pelo que as mais valias geradas por uma valorização de acções têm de vir de algum sítio ou de alguns bolsos).
Mas há outra resposta.
Quando ocorreu a crise da Bolsa em 1973-1974, a minha família tinha um lote de acções depositadas num banco.
Depois do “congelamento” da Bolsa em Abril de 1974, a minha família não conseguiu resgatar as acções que tinha. Os mecanismos legais entretanto instituídos permitiram à minha família recuperar, no início dos anos 90, cerca de 4.000 contos.
Deixo ao leitor o cuidado de verificar nos jornais da época, em 1974, as condições em que um lote de acções da mesma ordem de grandeza, pertença da família de um político destacado, foram adquiridas pela instituição bancária em que estavam depositadas, imediatamente a seguir ao “congelamento” da Bolsa pela Junta de Salvação Nacional emergente do 25 de Abril de 1974. Terá sido um caso de assimetria de informação.
Tomei então a decisão pessoal, perante estes factos, de adoptar um comportamento moral (moral significa apenas um procedimento, não tem qualquer intuito de hierarquizar valores) de nunca jogar na Bolsa nem de adquirir acções.
Esta decisão não tem , repito, qualquer juízo de valor que pretenda superiorizar moralmente seja o que for relativamente ao que quer que seja.
Sempre discordei do título do livro de Álvaro Cunhal, “A superioridade moral dos comunistas”, precisamente porque contrariava um dos pressupostos da ideologia, ao discriminar os indíviduos, uns melhores do que outros, quando a ideologia pretendia exactamente implementar a divisa da revolução francesa, … égalité …(em direitos, claro, em acesso a…).
Mas voltando ao jogo da bolha.
Que dizem os meus amigos economistas sobre a legalidade ou não do jogo?
Eu posso jogar a dinheiro com um amigo o que quiser, não é?
E se inscrever na declaração do IRS os rendimentos que daí obtenha, está tudo legal, não está?
Gostaria que ninguém pensasse em caça às bruxas, mas que seria muito bom que a opinião pública começasse a privilegiar outros procedimentos e outras regras económicas, acho que sim.
Estou a falhar alguma coisa, ou os intelectuais que nos dirigem de Bruxelas deviam alterar as regras económicas e deixar de acreditar tanto no poder divino do interesse individual de Adam Smith?

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