terça-feira, 8 de março de 2011

Os clãs, o tribalismo, o problema da tomada de decisões, os think tanks e o aparelhismo serodio entre tantos outros problemas como o da capacidade organizativa

Por mais que tente, não consigo fugir à ideia de que uma das principais dificuldades no nosso país é a  soberana indiferença pelos mecanismos eficazes de tomada de decisões.
Volto assim a citar a Sabedoria das Multidões.
Que, por sinal, também foi citada favoravelmente numa crónica de Manuel Maria Carrilho.
Nem seria preciso citar aquele livro.
Qualquer consultor de organização sabe como se faz quando quer suscitar ideias numa empresa que a dinamizem.
Não propõe a contratação de um guru afamado, nem aposta numa administração validada por um grupo político.
Junta o maior número possível de profissionais ligados ao negócio, lista uma série de temas, de ameaças e de oportunidades, como se costuma dizer, divide o grande grupo em pequenos grupos, o mais possível heterogéneos, e depois da discussão recolhe as conclusões de cada grupo e resume e hierarquiza as medidas propostas.
É um método difícil de aplicar em Portugal.

Isto a propósito da sua crónica de dia 25 de Fevereiro, que tomei a libertar de reproduzir no fim deste post.

A mim me parece que, no fundo, a questão está em como tomar decisões eficazes.
Por coincidência, a citação do DN do dia seguinte era, de JJRousseau,  que pensam por todos os outros que “há um pequeno grupo de homens e mulheres que pensam por todos os outros, e para o qual todos os outros falam e agem”.
A crónica de MMCarrilho critica os governantes e os candidatos a governantes neste país por não recorrerem às técnicas dos “think tanks”.

Não o fazem porque cultivamos, à boa maneira lusitana, o tribalismo dos grupos e clãs.
Não necessariamente unidos por laços familiares, mas grupos em que quem tem ambições políticas socializa e se normaliza segundo as técnicas primárias de integração num grupo, supostamente mecanismo de poder decisório, ou de polarização em torno da opinião julgada politicamente correta.

Algumas entidades promovem iniciativas interessantes, juntando intelectuais com prestigio mediático.
Mas afastam-se do programa acima descrito de divisão em grupos e recolha de propostas.
Preferem um painel de gurus convidados que se exibem perante uma audiência embevecida que se move no sentido da normalização dentro de um grupo, eventualmente a criar de acordo com a sabedoria dos  gurus.
Sem querer tirar mérito à iniciativa do DN de promover debates e conferencias na sequencia do seu trabalho de investigação sobre “o estado a que o Estado chegou”, e também sem querer tirar o mérito às entrevistas ou debates com senhores economistas prestigiados que podemos ver na televisão, a verdade será que estamos a colecionar doutas opiniões de quem sabe de forma académica como devem ser geridas as empresas e a coisa pública, mas tem pouca experiência “no terreno” na problemática da produção de bens transacionáveis, como eles gostam de chamar aos bens e serviços suscetíveis de ser vendidos ao exterior.

De modo que somos chegados a este dilema:
- ou repetimos o velho hábito nacional de delegar nas personalidades a função de pensar e agir,
- ou pensamos e agimos nós próprios

A proposta  de MM Carrilho para a segunda hipótese é a dos think tanks.
Outra  é o conceito de “sociedade civil”, outra a dos movimentos dos cidadãos, outra a das redes sociais, etc, etc.
Infelizmente o método seguido tende para a polarização em torno da opinião de um grupo restrito.

Veja-se o caso da discussão pública da proposta da câmara de Lisboa para um novo mapa das freguesias: a consulta pública é um pró-forma com um prazo apertado e a proposta foi preparada por um grupo restrito. É uma prática corrente em qualquer organização portuguesa, possivelmente por um complexo de inferioridade de quem faz um trabalho e receia que outros o critiquem antes de estar concluído; depois de concluído acreditam mais nele.

Vamos ter de aguardar para ganhar perspetiva e ver se o que se está a passar é mesmo uma evolução.


Artigo de MMCarrilho:
"Preparado para governar?", foi com esta pergunta a Pedro Passos Coelho que Judite de Sousa tocou no essencial, na sua Grande Entrevista da semana passada. Era mesmo essa a pergunta que certamente todos os espectadores estavam a fazer naquele momento, perante a repetição de argumentos gastos, de fórmulas vagas, de ideias gerais. Toca-se aqui num dos mais graves problemas nacionais, o da impreparação dos partidos e dos seus líderes para o competente e responsável exercício do poder.
A raiz desta situação vem de longe. Lembro-me, logo a seguir ao 25 de Abril, da generalizada incompreensão com que era vista a sugestão de alguns partidos europeus para se criarem em Portugal instituições que formassem quadros, estu- dassem os problemas e preparassem com seriedade as respostas de que o País carecia. A custo, lá se criaram algumas, nomeadamente fundações, que rapidamente acabaram nas mãos do mais serôdio aparelhismo.
Mas essa sugestão apontava para uma verdadeira necessidade nacional, a da indispensável qualifi-cação dos partidos políticos, ao nível dos quadros, das ideias e das propostas. Função que desde os anos 80 foi sendo cada vez mais assumida pelos think tanks, que hoje marcam a vida política de tantos países.
A propósito, é talvez bom saber que na austera Alemanha o papel destes organismos é de tal modo considerado vital para a vida política que eles são subvencionados, e quase exclusivamente, pelo Estado. Por exemplo, a Fundação Friedrich--Ebert, ligada aos sociais-democratas, tem um orçamento de 128 milhões de euros, e nela trabalham 614 pessoas. A Fundação Konrad Adenauer, ligada aos democratas-cristãos, tem 560 funcionários e um orçamento de 100 milhões de euros. Uma e outra, como muitas mais, funcionam com total autonomia dos partidos, e a sua função essencial é muito precisa: pensar, preparando as estratégias e as respostas que o país e o mundo exigem no médio/longo prazo.
Há hoje no mundo, segundo o recente relatório (é de 18 de Janeiro) de James G. McGann, da Universidade de Pensilvânia, 6480 think tanks. Este número traduz a generalizada convicção de que a política exige, para que os problemas sejam tratados com conhecimento e seriedade, um verdadeiro trabalho de deliberação colectiva que envolva, para lá dos partidos, a sociedade civil na multiplicidade das suas formas de expressão. E ele aponta também para o facto de, nos nossos dias, nenhum projecto com dimensão colectiva conseguir aparecer, e sobretudo mobilizar os cidadãos, se não suscitar em torno deles.
não suscitar em torno dele uma reflexão organizada e um debate sem restrições.
Por cá, as coisas são diferentes. Os partidos, todos eles, tornaram- -se organizações fechadas, pouco orientadas pelo interesse nacional e muito viradas para a perpetuação dos seus interesses. A sociedade civil e as diversas elites têm-se, em geral, demitido das suas responsabilidades (com excepções, é preciso dizê-lo, nomeadamente de algumas elites religiosas), emergindo apenas quando se aproximam eleições, e também elas mais à procura de lugares, e sobretudo de influência, do que do exercício de qualquer missão desinteressada.
O momento actual, que sem ser eleitoral já o é, é bem ilustrativo do que digo. O PS ressuscita instrumentalmente as suas desacreditadas "Novas Fronteiras", que nunca produziram uma ideia que fosse sobre o que quer que seja. O PSD parece que gosta do modelo e avança com um "Mais Sociedade, Portugal faz-se consigo" que - o nome diz tudo, não é? - não passa de um expediente para ir branqueando a evidente impreparação que tem revelado para, se chegar ao poder, enfrentar a crise e dar a volta à situação.
É que, quando isto é a sério - como acontece na Alemanha, em França ou em Inglaterra -, é nos próprios partidos, no seu interior, que se investe em abertura e qualificação, e esse investimento faz-se de um modo contínuo, estruturado e orgânico. Porque aí a convicção nuclear é que é na diversidade das ideias, na sua competência e audácia, que estão as chaves de que se precisa para lidar com o mundo de hoje, e para se preparar o futuro.
Ao arrepio de tudo isto, os regulamentos do PS para o próximo congresso estabelecem a inqualificável proibição de apresentação de moções globais, aos militantes que não sejam candidatos a secretário-geral! A fórmula deste pluralismo estropiado define-se na seguinte fórmula: "Tens ideias? Então candidata-te! Ah, não te candidatas? Então cala-te!" Ao criar-se, num gesto de indiscutível inspiração totalitária, um regime de liberdade condicional para os militantes "que tenham ideias", está-se a alimentar a teia do pior conformismo, cujas funestas consequências são bem conhecidas - e não se farão esperar! E logo agora, que o país tanto precisava de abertura e de ousadia para enfrentar o seu tão problemático futuro.

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