sábado, 23 de fevereiro de 2013

A emotividade e a mortalidade por gripe

Já se viu neste blogue que sou emotivo.
Comovo-me.
E a minha parte racional tem de fazer auto censura.
Por isso não me tornei um entusiasta do cinema neorealista italiano a seguir à segunda grande guerra.
Vivia-se um período de crescimento e de consolidação do Estado social.
Lembro-me de fotografar bairros de lata em Lisboa nos anos 60.
E de me emocionar com a sua substituição em grande parte após a revolução de Abril de 74 com a racionalidade do esforço e do seu sucesso.
Não gosto portanto de explorar a miséria das pessoas.
Não gosto de expor neste blogue fotografias de sem abrigo.
Mas a realidade (daí a expressão neorealismo) é mesmo forte e devia impressionar os senhores governantes que enchem a boca com “rethinking”, refundação e repensar do Estado Social ao mesmo tempo que desenvolvem esforços bem sucedidos para que a repartição dos rendimentos regresse aos tempos do neorealismo italiano.
Tudo isto a propósito da morte aos 42 anos, por gripe, da mulher de um trabalhador imigrante brasileiro que conheci.
Que não iam regressar ao Brasil porque, apesar do período de crescimento e de ganharem mais no Brasil do que em Portugal, têm de lá deixar, no supermercado, muito mais do ordenado do que cá em Portugal.
Como diria um economista, acabam por ganhar mais, em paridade de poder de compra, em Portugal.
E repentinamente, a senhora morreu de gripe.
Provavelmente porque não habitava em condições salubres, porque não acorreu atempadamente ao hospital, porque falhou a capacidade respiratória dos pulmões.
No século XXI morre jovem, de gripe, quem trabalha, quem não está a viver acima das suas possibilidades.
Assim se passa por este sistema desconjuntado e ineficaz, apesar da autosatisfação de quem acha que o dirige.
Como sou emotivo recordo-me da descrição que Axel Munthe fez da morte do seu babuíno de estimação no livro de San Michele.
E da pergunta: “Tudo acaba aqui e assim?”
Que aberração.
Não quererem os senhores governantes e os seus economistas de serviço reconhecer isso mesmo, que essa aberração deveria ser levantada.
Que bastava atenderem ao que Adam Smith disse, que o lucro deveria submeter-se à responsabilidade social.
E Adam Smith ainda não tinha visto a obscenidade de privilegiar antes de tudo a saúde financeira dos bancos e dos grandes banqueiros, embora talvez sorrisse condescendente à afirmação de Obama: “Não foi para fazer o jogo dos senhores de Wall Street que fui eleito”.
Impressionado com a eficácia mortal da gripe consultei o site do Instituto Ricardo Jorge.

Já tinham avisado que o pico da mortalidade da gripe deveria ocorrer entre o fim de Fevereiro e o fim de Março.
O registo do seu observatório de mortalidade total e gripal até à semana 7 (até 18 de Fevereiro) assim indicia.
A curva da mortalidade é impressionantemente regular, sinusoidal.


E até está ligeiramente abaixo do habitual (menos de 2500 por semana).
Porem, a incidência da gripe está a crescer (50 por 100.000 habitantes), o que faz temer o aumento de mortalidade nas próximas semanas.
Não pretendo tirar conclusões, mas deixar registado que não devia morrer-se aos 42 anos, de gripe.

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