sábado, 2 de fevereiro de 2013

Privatizar-concessionar ou não privatizar-concessionar. Carta a uma jovem colega

Carta a uma jovem colega, que continua a sua vida profissional no metropolitano de Lisboa

Cara Amiga

Há um conceito básico na Física e na Matemática, que por sua vez são fundações da engenharia, que diz que não há certezas nem leis universais. Elas são válidas apenas num domínio restrito.
Bom, esta é a unica lei universal.
Aplicando à privatização/concessão ou não, não se poderá então dizer que privatizar/concessionar é uma panaceia, nem que o contrário o seja. (Aqui convem sublinhar que a diretiva que abre aos privados, obrigatoriamente, a exploração de transportes publicos, não proibe a existencia de operadores públicos - na verdade, se o proibisse, era intervenção protetora de interesses privados na economia).
Isto é, as coisas têm de se analisar caso a caso, deejando-se que nessa análise o debate varra todas as questões, coisa que nem de perto nem de longe o método do atual governo e do seu secretário de estado me parece cumprir.
É  verdade que a exploração do metro de Lyon (um nadinha mais curto, muito pouco, que o nosso) é feita pela Keolis privada, enquanto a infraestrutra e os custos respetivos ficam para a Sytrail pública. E que o metro colabora com a Egis Rail, gabibete de engenharia sediado em Lyon, e com o qual já tivemos o prazer de trabalhar no metro de Lisboa (entre outras coisas, porque confirmaram a correta atuação dos técnicos do metro de Lisboa na aquisição e gestão do sistema ATP de que as administrações, perfeitamente ignorantes das suas questões técnicas, tanto desconfiaram até a sua extinção).
Et pourtant, como se diz em França, consultando o site da Keolis verifica-se que pertence maioritariamente à SNCF publica, que por sua vez ainda recentemente se refubdiu com os RFF reseaux ferroviaire de France (equivalendo à refusão da CP e da REFER).
O que, simultaneamente com o anuncio da comunidade de Paris de ter republicizado o serviço de águas (acabado com a privatização das águas de Paris), indicia que a experiencia cega de privatização já ensinou aos práticos o que a teoria já vem defendendo desde os anos 30 e 40 do século XX com a fusão das pequenas companhias privadas ferroviárias em operadores públicos e desde os anos negros do ultraliberalismo Thatcheriano (negro porque na origem de uma série de acidentes com origem em cortes cegos na formação e na manutenção).
Dir-se-á que Lyon, de forma equivalente ao que se passa com o nosso Porto, gosta de fazer diferente do que faz Paris.
Infelizmente em Portugal ainda vamos atrás das teorias dos anos de Thatcher e de Reagan.
Mas pode ser uma visão subjetiva e ideológica da minha parte (embora reconhecendo validade tecnica à exploração privada do metro de Lyon e do Porto).
De modo que, correndo o risco de abusar da sua paciencia, lhe submeto um pequeno texto que fiz no meu blogue com uns cálculosinhos sobre a privatização/concessão, evidentemente falíveis e sujeitos a correção, que se desejará benvinda.
No fundo, no fundo, não gosto que digam que técnicos privados tenham mais competencia do que eu para conseguirem uma maior eficiencia na sua gestão; perdoe-se-me levar as coisas para o campo pessoal, mas durante a minha vida profissional contactei com muitos colegas do estrangeiro, publicos ou privados, europeus, americanos e asiáticos, coisa de que os consultores do governo talvez não possam gabar-se, e não vi que fossem muito melhores do que nós; mas pode ser subjetividade da minha parte:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2012/10/dedicado-ao-senhor-secretario-de-estado.html

E envio tambem uma pequena entrevista de José Benoliel ao dinheiro vivo , sobre o mesmo tema aplicado à CP:

O debate destas questões tem muito interesse para mim (e mais para a comunidade, embora a comunidade tenha relutancia em discutir abertamente estas coisas), especialmente quando se anuncia que o metro de Lisboa, apesar da significativa melhoria do lucro operacional, vê as despesas com o financiamento da divida para as infraestruturas, que deveria ser do Estado tout court, subir para 88 milhões de euros (por sua vez indicio de que os juros estarão acima do razoável e que o investimento nos derivados CDSwap entre 2008 e 2010 foi muito infeliz, um pouco como ir jantar ao restaurante onde se morreu de intoxicação):
http://www.ionline.pt/dinheiro/empresas-estado-endividamento-sobe-37-31-mil-milhoes-euros

Contrastando a divulgação destas informações com o anuncio, olimpicamente alheado dessas mesmas informações, pelo senhor ministro dos Transportes, de que, como a divida das empresa publicas de transporte está a subir, os consultores terão o processo de concurso pronto de maneira a ter as concessões entregues até dezembro deste ano.
Como dizem os brasileiros com o maior dos respeitos pelo étimo, evoé:
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=3024344

Mas voltando ao metro de Lyon. Quisera eu que o metro de Lisboa desse a mesma atenção que o metro de Lyon às questões e realizações dos sistemas automáticos de controle da marcha dos comboios e da acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida (eu sei que são investimentos elevados, mas tambem sei que são projetos que, desde que bem elaborados, são suscetiveis de financiamento QREN; não há é vontade política).

Ao dispor, esperando que me perdoe o excesso de palavras.

Saudações

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