Algures no universo, na zona desconhecida dos 96% da matéria escura, os deuses terão uma fábrica de robôs. Os robôs têm de ser pefeitos, para poderem viver no meio dos deuses. Por isso o controle de qualidade à saída da fábrica é rigorosíssimo. Os robôs rejeitados são colocados no planeta Terra. São a espécie humana.
Isto dizia um prisioneiro de há muitos anos de uma prisão turca para um dos heróis do roubo falhado da adaga com diamantes do sultão, no filme Topkapi, sobre novela de Eric Ambler, enquanto faziam girar a pedra da nora.
Alguns dos robôs humanos são quase perfeitos, com uma capacidade espantosa de processamento e de concretização de ideias. Newton, por exemplo, e o seu assombroso cálculo diferencial e integral. Mas também tinha defeito e por isso tinha sido rejeitado pelo controle de qualidade. Era propenso, apesar de cientista, a ideias esotéricas, invejoso (como ele invejou Leibnitz por causa do cálculo) e inseguro relativamente aos seus colegas. Por isso disse aquela frase célebre, que, se via longe, era porque tinha subido aos ombros dos gigantes que o tinham precedido. Escreveu isso numa carta ao colega Halley, que era anão, para o apoucar.
Einstein foi outro exemplo. Tinha com todos um trato humanista. Mas era porque o seu cérebro tinha concluido que assim devia ser, enquanto a relação dele com o filho deficiente foi dramática.
Não admira pois que todos nós vamos exibindo as nossas insuficiências e os nossos enganos, descobrindo sempre argumentos para tentar provar o contrário da nossa insuficiência e do que quer que exista e disso convencer os outros robôs. Que podem ser convencidos, claro, porque também têm defeito. É essa predisposição para adquirir convicções que está na origem das religiões que os próprios robôs criaram, a partir da capacidade do centro de processamento central de cada robô, cheio de sinapses e neurónios, e do seu centro de memória e armazenamento de imagens, de construir realidades virtuais.
Os robôs reúnem-se assim em torno de outros robôs que sintetizaram uma realidade virtual específica e identificam-se com cada um deles, graças aos seus neurónios espelho que propagam o comportamento de imitação, numa ideia coletiva, obviamente muito distante da realidade efetiva, passe a redundancia. E desenvolvem mecanismos de compaixão (desviantes dos mecanismos de compaixão do projeto original que funcionam corretamente nos robôs perfeitos) para com os próprios robôs opressores-líderes que os convencem das suas virtualidades.
Vejam o exemplo desta fotografia, tirada duma reportagem sobre um programa televisivo. Vejam o ar embevecido e desculpabilizador dos robôs, que deveriam colocar questões embaraçosas ao robô dominador que os castiga com sucessivas vagas de privações, que no entanto poupam os grupos dos poucos robôs com defeito mas com sucesso económico e financeiro.
Como disse, a disfunção dos robôs que permite isto é a mesma que gerou a síndroma de Estocolmo (os próprios reféns defendem os sequestradores), a mesma que leva uma multidão a enternecer-se perante uma escultura de barro pintado (pese embora todos os robôs sumo sacerdotes das religiões dominantes desde as últimas religiões fenícias e babilónias apostrofarem tal comportamento de forma violentamente iconoclasta) e a jurar que viu o sol a rodopiar.
E será difícil alterar o comportamento dos robôs humanos, porque cada um deles vem programado da mesma forma que os robôs sem defeito do projeto original, com mecanismos automáticos de reprodução de comportamentos para evitar o afastamento do projeto original. Só que no caso dos robôs com defeito isso impede precisamente a correção dos defeitos.
Isto é, todos os robôs têm de se habituar à ideia que têm de viver com os defeitos uns dos outros.
Razão pela qual as decisões numa sociedade de robôs, contrariamente às ideias do robô dominante da fotografia, não devem ser tomadas só por um robô ou um grupo normalizado de robôs, mas sim o resultado do debate e da participação plural em função da proporcionalidade de todas as sensibilidades dos robôs com defeito.
com a devida vénia ao DN |
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