Vemos na fotografia três para-choques deslizantes. No fim das três linhas mais a norte do feixe de linhas da estação do cais do Sodré da linha de Cascais.
Observando bem, verificamos que o para-choques da linha do meio está desalinhado.
Terá havido uma colisão violenta de um comboio numa manobra de estacionamento mal calculada.
Pela posição e deformação do para-choques, o comboio não deveria ter batido a mais de 30 km/h . A inércia de um comboio é muito grande. Mesmo batendo a uma velocidade baixa, a energia cinética é muito elevada, porque proporcional à massa do comboio e ao quadrado da velocidade. De pouco serve aquela caixinha amarela, que é uma baliza de travagem automática pontual (só um controle automático contínuo da velocidade do tipo ATP, automatic train protection, poderá evitar colisões em caso de desatenção do maquinista). Ainda bem que o para-choques tinha espaço para recuar. Isso evitou que o comboio colidisse com o cais.
O para-choques da linha do meio foi deixado desalinhado porque esta via não serve passageiros. Alguém terá achado que não valia a pena gastar tempo e dinheiro da manutenção com a reposição do para-choques (e muito menos com o controle automático de velocidade). Terá sido menos consideração para com a segurança física de um maquinista com uma falha de atenção, e das pessoas que trabalhem ou frequentem a livraria e o bar vizinhos.
Por maioria de razão, não se vem gastando dinheiro na linha de Cascais para atualizar o material circulante e a infrraestruturas, ambos em caminho de acentuada degradação, testemunhada pela taxa de disponibilidade do material circulante, pelas baixas velocidades por precaução, e por acidente como os descarrilamentos.
Refiro-me a este passo apenas porque o senhor secretário de estado dos transportes mantem viva a fé nas privatizações, a começar pela linha de Cascais, apesar das queixas pungentes de que o tribunal constitucional é um empecilho ao equilíbrio operacional das empresas de transportes preparadas para as privatizações ou concessões (esquecendo porem o diferencial enorme entre as indemnizações compensatórias para a FERTAGUS e para as empresas públicas).
Dificilmente umaentidade privada fará investimentos de substituição do material circulante, de novas subestações de tração (pessoalmente acho defensável passar dos atuais 1,5 kVDC para 3 kVDC com catenária rígida, mas se quiserem garantir a interoperabilidade, teremos os 25 kVAC).
Claro que se podia estudar uma parceria com um consórcio envolvendo fabricantes de material circulante e de infraestruturas, mas o código de contratação pública não ajuda e era preciso um grupo de técnicos imune a influencias exteriores, especialmente independente das simpatias do governo, que debatesse em ambiente aberto todas as problemáticas e que, naturalmente, conhecesse o negócio de comboios nos seus aspetos técnicos.
O recurso a verbas do QEE 2014-2020 poderia ser uma solução, mas o governo parece querer privilegiar pequenas empresas que, sendo honoráveis, não têm o efeito multiplicador dos investimentos em infraestruturas eficientes de serviço público.
Não admira assim que o senhor secretário de estado vá protelando o anuncio das decisões.
Ver comentários sobre a problemática da privatização da linha de Cascais e os acidentes de maio de 2012 e Fevereiro de 2013 em:
e
2º passo – o postalete de Cacilhas
Custou-me muito decidir-me a escrever sobre o descarrilamento do metro ligeiro do sul do Tejo em Cacilhas, no término da linha.
Porque tenho dificuldade em escrever sobre uma linha ferroviária cujos carris terminam com um postalete, antes de um poste, sem para-choques ou, vá lá nos mínimos, calços deslizantes sobre os carris, para paragem das rodas.
com a devida vénia ao DN |
O descarrilamento, por saída do fim da linha, ocorreu em 8 de Setembro de 2013.
A comunicação social apressou-se a informar que a empresa estava a investigar as causas do descarrilamento.
Seguiu-se o habitual silencio.
Como também é habitual, não se escreveu que qualquer maquinista está sujeito a falhas de atenção, como qualquer mecanismo biológico. E que a repetição de tarefas rotineiras, estatisticamente, acaba por revelar isso mesmo (a sabedoria popular usa o ditado “tantas vezes vai o cantaro à fonte que um dia lá deixa a asa”). É por isso que os sistemas ferroviários, considerando as maiores distancias de travagem, quando comparadas com o modo rodoviário, devem estar protegidos com sistemas automáticos de controle de velocidade.
Mas não foi por isto que me decidi a escrever.
Já estou habituado ao silencio do GISAF sobre os acidentes (atropelamentos e colisões) do Metro sul do Tejo.
Foi porque calhou deparar-se-me um estudo interessante sobre a ineficiência e as dificuldades económicas da rede.
Numa altura de crise, convinha reduzir importações de combustíveis fósseis rentabilizando a rede do sul do Tejo e substituindo deslocações em transporte individual Almada-Seixal-Barreiro-Moita-Montijo por transporte ferroviário (o que implicaria a expansão da rede com fundos QEE 2014-2020) .
O estudo é de António Vila Verde Ribeiro e chama a atenção para que se deveria acabar com a sobreposição das carreiras de autocarros com a rede do metro ligeiro. Os dois modos deveriam ser complementares e não concorrentes.
E a secretaria de estado dos transportes pouparia dinheiro nas indemnizações compensatórias e na importação de petróleo.
Ver o estudo de Vila Verde Ribeiro sobre o metro sul do Tejo em:
3º passo – os acidentes na linha Sarmiento de Buenos Aires
Em 19 de outubro de 2013 ocorreu mais uma colisão no término da linha Sarmiento, na estação Once de Septiembre, no mesmo local onde em fevereiro de 2012 a colisão provocou 51 mortes.
O material circulante do acidente de outubro de 2013 é diferente do de Fevereiro de 2012. Neste houve encavalitamento da segunda carruagem sobre a primeira com destruição parcial desta, provocando as mortes.
No acidente de outubro de 2013 , possivelmente por haver dispositivo anti-climbing, a primeira carruagem avançou sobre o cais cerca de 15 metros , amortecendo o choque mas mesmo assim provocando feridos.
Continua a ser um erro a falta de capacidade de absorção dos para-choques, a falta de espaço para deslizamento, a falta de espaço entre o para-choques e o ponto de paragem e, naturalmente, a falta de um sistema ATP de controle automático da velocidade do comboio.
De assinalar que depois do acidente de fevereiro de 2012, na sequencia de vários acidentes graves e da evidencia de falta de manutenção do material circulante e das infraestruturas por parte da concessionária, o estado argentino retirou-lhe a concessão. A operação é atualmente assegurada por um consórcio público-privado.
De assinalar ainda que mais uma vez se evidencia que qualquer maquinista está estatisticamente sujeito a falhas como qualquer mecanismo biológico, pelo que deverá estar protegido ppor sistemas automáticos de controle de velocidade. O maquinista correu ainda o risco de ser linchado por passageiros irados e está acusado pela policia de ter roubado o disco de gravação video da cabina de condução (na sequencia do acidente o compartimento do gravador de video abriu-se e expôs a gaveta de acesso ao disco, pelo que, no meio da confusão, a sua recolha parece correta).
Ver comentário com fotografias aos acidentes ferroviários na linha Sarmiento, em Buenos Aires , em Setembro de 2011 e Fevereiro de 2012 em:
Conclusão:
Dos 3 passos anteriores permito-me tirar a conclusão de que ter fé em panaceias como a privatização ou concessão a todo o preço, .mesmo que por imposição de economistas da troika que nunca trabalharam na parte técnica dos transportes, é um caminho arriscado do ponto de vista da segurança ferrovária.
E sobre segurança ferroviária até a UE tem normas para se cumprirem.
PS em 25 de outubro de 2013 - de acordo com a Railway Gazette, o governo argentino rescindiu a concessão ao consórcio que depois do acidente de fevereiro de 2012 operava a linha Sarmiento. Não existindo ainda ATP e não estando claramente esclarecidas as causas do ultimo acidente, parece-me precipitada a decisão, mas a Argentina é um estado soberano. Igualmente a ideia de colocar o "guarda" do comboio na cabina de conduão no ultimo percurso, antes do término, parece "peregrina", com o intuito apenas de dizer qualquer coisa à opinião publica.
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