terça-feira, 19 de novembro de 2013

Privatização dos CTT, populismo capitalista ou capitalismo popular?

Tão contentes que andam os senhores governantes.
Já antevêem juntar 750 milhões de euros pela privatização de grande parte dos CTT.
Reduzem a dívida, que continua a aumentar enquanto se mantiverem os juros e a armadilha da pobreza do crescimento, e fazem a vontade aos senhores da troika.
Nem os senhores governantes nem os da troika sabem o valor dos CTT como fator de coesão nacional.
Não sabem, nem viram o filme de Kevin Costner, mas consideram-se legitimados pelo voto a fazer o que vão fazer.
Eu acho que deveriam ser precisos 2/3 de votos no parlamento para o poderem fazer, mas enfim, são eles que detêm o poder.
Ainda por cima vão vender uma coisa que dá lucro, que contrasenso, ficar sem os dividendos.
Nós portugueses, ainda somos apegados às coisas públicas (e contudo, os mais prejudicados não protestam, como dizem o  senhor professor João César das Neves e o senhor politico Portas).
Até por uma questão de prudência.
Não é que os heróis ingleses que são o modelo dos nossos governantes, privatizaram parcialmente o Royal Mail e agora andam a desconfiar do Goldman Sachs que os embarretaram manipulando o preço das ações?
Entusiasmados primeiro com o populismo capitalista da Thatcher (espera, não era capitalismo popular que ela dizia?) de distribuir ações pelos trabalhadores, agora andam desconfiados.
Como se não soubessem que a ganancia é a interpretação que os grandes grupos fazem do conceito de lucro e como se não soubessem uma evidencia, que é a de que os grandes grupos são “irreguláveis”, por definição (senão não eram grandes).
Vai havendo algum sucesso na contenção, umas multasitas a off-shores, ao UBS suiço, ao banco inglês que manipulou a Libor, mas no geral os grandes grupos puxam mesmo os cordelinhos.
Por definição de grandes grupos.
Mas já imaginaram a reação mortífera deles se, por hipótese remota, o SPD alemão se coligasse com o Linke e os Verdes, num conjunto que teria a maioria no parlamento alemão?
De que coisas terríveis eles se lembrariam.
Parafraseando João César das Neves, devia ser o pior que se poderia fazer aos mais pobres (ironizo, claro, que ainda acredito na Humanidade e na Declaração Universal).
Mas podem estar descansados. Tal coligação tem uma probabilidade reduzidíssima de ocorrer.
Embora pudesse ser um primeiro passo para uma democracia mais alargada e participativa, ultrapassando a fase da democracia por delegação e representativa e entrando na fase da participação (que diabo, embora este seja um argumento marxista por assentar na análise dos meios tecnológicos ao serviço do processo histórico, a verdade é que a internet permite recursos viabilizadores da democracia participativa  inexistentes há poucos anos).
E porque não pode acontecer uma coisa destas? nem  acontecer uma votação clara em partidos de esquerda nas próximas eleições para o parlamento europeu? Isso também poderia ser um primeiro passo para a democracia participativa que até os partidos de direita  poderiam aceitar (quanto mais não fosse para controle mútuo entre partidos).
Por outras palavras: porque existindo uma cada vez maior desigualdade, um empobrecimento dos mais pobres pela desvalorização do fator trabalho e uma concentração da riqueza em cada vez menos, os mais prejudicados não votam pelos seus interesses?
Eis uma pergunta que eu já ouvia ao capitão da minha companhia em Mafra, em 1971, quando eu reclamava pela falta de atenção aos companheiros que mais dificuldades tinham nos crosses de 10km: “Nosso cadete, eles que se queixem, queixe-se só das suas coisas”.
Era a defesa de um sistema anti-social contra a solidariedade que ameaçava o último império colonial.
Assim também o sistema económico e financeiro defendido pelos senhores governantes e pelos senhores da troika tentam rechaçar a solidariedade dos que, não sendo pobres, reclamam por eles, ou não sendo reformados pela segurança social, reclamam pelos pensionistas da caixa geral de aposentações.
Mas voltando à questão: porque não são os mais ofendidos aqueles que protestam?
porque se absteem eles nas eleições? porque entre miguelistas e constitucionalistas optavam pelos miguelistas?
Hipótese: os homens e as mulheres não são só racionalidade. A tomada das suas decisões, ou a omissão de tomada de decisões não tem apenas uma base racional. Os homens e as mulheres são elementos de conjuntos físicos como qualquer conjunto na natureza. Os conjuntos tendem naturalmente para estados de maior equilíbrio através do aumento da entropia, medida pelo grau de desordem e de movimentos desordenados que teem como resultante, paradoxalmente, esse maior equilíbrio.
Por isso, as sociedades tendem a reproduzir sucessivamente os estados anteriores, a desconfiar de roturas disruptivas, como dizem agora os teóricos da economia política quando querem combater as mudanças incrementais ou as garantias laborais a que chamam “rígidas” e anti-competitivas.
Antigamente chamava-se à disrupção social a política da terra queimada. Agora chama-se destruição criativa. Mas são apenas figuras de estilo, falsas proclamações de reformas do estado social para o salvar (“calai-vos que pode o povo querer um mundo novo a sério”) porque o objetivo dos senhores governantes e dos senhores da troika é manter o sistema financeiro em equilíbrio (até chamaram contratos de reequilíbrio financeiro às compensações que recebe quando as PPP correm mal).
Por isso os mais oprimidos e prejudicados se entregam aos empregos mal pagos quando o têm, ou tentam alternativas de auto-subsistencia quando não encontram emprego, e não participam na democracia. Vistos à distancia, os seus movimentos são descoordenados como os movimentos  moleculares tendendo para a conservação.
Assim se explica que os prosélitos das religiões encontrem aderentes entre os que sofrem mais (“a religião é o lenitivo dos pobres” – Karl Marx) e que os sobreviventes de catástrofes naturais se refugiem na religião de uma entidade divina que segundo    a  mesma religião é responsável pela catástrofe.
Para mudar, só aumentando a racionalidade, através por exemplo da educação,a qual porém, exige melhores condições de vida.
Por isso as mudanças podem não ser significativas durante um período de observação curto.
Mas, tenderão para um limite conforme o processo histórico mostra: uma das principais fontes de rendimento de Voltaire eram os dividendos das ações de companhias negreiras. No século XVIII a escravatura era aceite por todos os pensadores.
Hoje só os defensores da redução do fator trabalho à última expressão a defenderão, e não expressamente.
E, talvez como Lincoln tenha compreendido, a escravatura tinha de ser abolida para não prejudicar o desenvolvimento industrial e para não ameaçar a competitividade da produção assente na maquinaria.
O pensamento evolui, de facto.
É provável que os dogmas dos senhores governantes e dos senhores da troika de hoje sejam considerados daqui a um século como hoje consideramos a escravatura…
 
PS em 19de novembro - segundo o DN, os lucros dos CTT em 2013 foram de 45 milhões de euros. O produto da venda por 750 milhões, posto a render a uma taxa superior à da Euribor em 3% daria à volta de 23 milhões de euros por ano. Não me parece que seja negócio. Se fosse meu não vendia (e contudo, sou acionista, como contribuinte, sendo que duvido muito que 2/3 dos outros acionistas queiram vender).  
Correção: Serão privatizados 70% do capital dos CTT, sendo 56% destinados a grandes investidores, 10,5% a pequenos investidores (ai o capitalismo popular, ou populismo capitalista, que já deu provas do que é na realidade) e 3,5% a trabalhadores .  De salientar a assessoria da Caixa BI (com vasta experiencia na negociação de PPP, nomeadamente sob a direção do atual senhor secretário de Estado dos Transportes e Comunicações) e do JP Morgan (de público protagonismo na crise financeira internacional), num alarde de BAU ("business as usual"). Eu pouco importo, mas o que está a ser feito não é em meu nome.
PS em 20 de novembro - Vão-se sabndo mais pormenores da privatizaçao em curso. Afinal os 30% que o Estado vai ficar a deter podem ser privatizados ao fim de 9 meses (será a estratégia do "petit a petit" para não chocar muito estar-se a vender uma coisa que dá lucro). Afinal não se sabe se os CTT podem criar um banco postal (isto é, está-se a vender uma coisa sem se saber o que ela pode fazer em toda a sua extensão). Afinal é apresentada como uma vantagem para os trabalhadores passarem para  esfera privada para que no próximo ano possam recuperar o que lhes foi cortado nos salários como funcionários de uma empresa públca (recordam-se dos senhores ministros muito escandalizados   a dizer que os trabalhadores privados eram prejudicados relativamente aos do setor público? agora parece que são beneficiados). Como escreveu hoje Batista Bastos no DN : "Não me interessa nomear todos aqueles que demonstram propensão para o patricídio. Interessa-me, sim, afirmar que são cúmplices de uma das maiores desventuras da nossa história como coletividade e como nação". Ah, é verdade, o JPMorgan foi condenado nos USA ao pagamento de uma multa de 10 mil milhões de euros. Acho pouco, para o mal que fez à Humanidade, mas o juíz terá as suas razões que eu desconheço, possivelmente o não ter jurisdição nas áreas internacionais omo as economias de pequenos países,  em que o comportamento anti-deontológico do JPMorgan possa ter provocado graves danos.
 
 
 
 




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