domingo, 24 de novembro de 2013

Para si, a privatização dos CTT


Exmo Senhor Francisco de Lacerda,
dignissimo presidente do conselho de administração dos CTT


Assunto: Privatização dos CTT

V.Exa não me conhece.
Sou um dos destinatários que receberam a sua carta subordinada ao tema em epígrafe.
A carta, envolta num sobrescrito com o símbolo dos CTT e um endereço "Para si", é um convite que V.Exa faz de forma delicada e simpática, formulando o desejo de que eu "esteja cada vez mais presente na vida de uma grande empresa".
Tal delicadeza e simpatia merecem, só por si, que a carta seja respondida.
Faço-o porém com tristeza , por não poder aceitar o convite.
É-me impossível subscrever ações depois de a minha família ter sido prejudicada pela insignificancia das indemnizações correspondentes ao "crash" da bolsa no seguimento da crise petrolífera de 1973.
Também o que colegas meus perderam depois da euforia da reabertura da bolsa, levados, levados sim, pelo pensamento do capitalismo popular de Thatcher, ao subscrever ações de que tiveram de se desfazer, me impede de aceitar o convite.
Podia ser por uma razão ideológica, o não poder subscrever ações, mas não é, é um simples ato de gestão, ao observar os insucessos que citei, ou as declarações de economistas com cargos dirigentes na politica nacional, alertando para os riscos bolsistas ou confessando privilegiar produtos financeiros mais seguros, como certificados de aforro ou obrigações do Tesouro.
Melhor dizendo, segundo a sabedoria popular, que é um ato de boa gestão, não querer mexer em equipa ganhadora, como a carta de V.Exa expressamente refere que é, ao enumerar os bons resultados alcançados.
É também um ato de prudencia, ou talvez do que V.Exa poderá chamar de desconfiança popular de um empreendimento do capitalismo popular, se pensarmos que atenção poderão dar os grandes investidores que irão poder tomar as decisões sobre a estratégia da empresa, aos pequenos acionistas.
E não só de desconfiança popular, se pensarmos que nem sequer se sabe se os CTT poderão formar um banco postal.
Não gostaria de retribuir a simpatia do convite de V.Exa com um trocadilho desagradável, mas peço-lhe que me releve o considerar o apelo à participação nesta privatização como "populismo capitalista".
E que considere nessa relevação  o choque que profundamente feriu a minha sensibilidade ao ler, no prospeto cuja leitura em www.ctt.pt a carta de V.Exa também expressamente refere não dispensar, que a subscrição só deverá ser feita por pessoas "relevantes".
Dirá V.Exa que é o inócuo jargão financeiro.
E eu direi que "relevante", e isso o devemos à revolução francesa, é a igualdade na expressão "uma voz, um voto", independentemente do número de ações subscritas.
E isso, perdoará, nada tem de ideológico, só tem de indissociavelmente ligado ao processo de evolução do pensamento humano, de desenvolvimento das técnicas de gestão das comunidades organizadas em estruturas a que poderemos chamar, às comunidades, "nação", e à organização das estruturas, "estado".
Ninguém quer impedir quem quer que seja de se dedicar ao negócio de transporte de encomendas ou de  mensagens digitais.
Mas isso não quer dizer que a "nação organizada" não possa ter as suas estruturas de correio e tenha de prescindir dos dividendos que a sua boa gestão consegue, até porque atualmente já existem lojas concessionadas... (se agora partirmos de um ponto de vista ideológico, aceitar-se-ia a privatização dos CTT como legítima se ela fosse decidida sem pressões externas, quaisquer que elas fossem, por 2/3 dos deputados da Assembleia da República ou de referendo popular convocado para o efeito - assim como está a ser feita esta privatização, não o será em meu nome, contribuinte que sou, e como tal ainda pequeno acionista dos CTT).

Por tudo isto, que muito me entristece, não posso aceitar o seu amável convite.
Mas retribuo-o, convidando-o a rever, certamente com prazer a partilhar, o filme de Kevin Costner, o Carteiro, como tratamento metafórico do tema da coesão nacional, e o filme Il Postino, ou o Carteiro de Pablo Neruda, de Michael Radford e Massimo Troisi, como tentativa de compreensão da alma humana e dos seus anseios.

Os meus melhores cumprimentos e votos de sucesso profissional

F.Santos e Silva
BI 1453978


PS em 25 de novembro 
1 - enviei aos CTT o email nos termos acima; recebi um simpático email resposta das relações públicas dos CTT informando que a minha mensagem estava a ser analisada para ser dada uma resposta satisfatória ao cliente. Aguardemos.
2 - Fui informado que uma das funções da JP Morgan, contratada para a assessoria da privatização, é a de manipular os preços das ações nos primeiros dias da oferta pública em bolsa: se os preços estiverem abaixo do intervalo previsto, a JPMorgan compra ações; se estiverem acima, vende. Não posso garantir, por não ser a minha área, mas penso que há países em que esta manipulação bolsista é punida por lei; é verdade que em Portugal não há leis que o proibam, mas é curioso pensar que os atuais governantes se arrogam a defesa do "mercado" a funcionar livremente
3 - Ainda no capítulo do vácuo de legislação sobre este assunto, de assinalar que no "prospeto" de consulta em www.ctt.pt se encontra um compromisso de não divulgação a moradores nos USA, Japão ou Canadá dos pormenores da subscrição, talvez porque existam as tais leis restritivas da manipulação bolsista. E esta, hein? como diria Fernando Peça.

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