Que fenómeno interessante, a torrente de opiniões sobre as obras de Miró. Vejamos qual a melhor atitude perante esta questão.
Muita gente tomou posição, e isso é bom porque corresponde a uma necessidade do ser humano, a de se exprimir. Como respondeu Rilke com outra pergunta ao jovem poeta que lhe submetera os primeiros poemas e lhe perguntara se devia continuar a escrever, porquê escrever?
Escrevamos, pois, ou simplesmente pensemos, embora tenhamos a ilusão que alinhámos argumentos e racionalmente demonstrámos o que queriamos, e isso seja apenas uma ilusão.
Talvez que os movimentos de opinião, a cristalização de apoios em torno de uma estratégia melhor ou pior definida por um partido politico, não sejam mais do que a reprodução pela espécie humana do comportamento das cochonilhas, aqueles bichinhos brancos e antipáticos que se vão alimentando da seiva dos limoeiros até o secarem e então poucas cochonilhas sobrevivem. Ou como o agrupamento dos lemningues atrás dos ratos que se destacaram no grupo e em busca de alimento se precipitam uns atrás dos outros nas falésias. Ignoro se os poucos sobreviventes, cochonilhas ou lemningues, culparão os que se extinguem pela catástrofe, mas faz-me lembrar o alegre consumo das energias cujo resíduo são os gases de efeito de estufa e as consequencias o agravamento das condições extremas climáticas. Vamos consumindo petróleo nos nossos carrinhos, autocarros e camiões. A própria união europeia vai criando novas normas de emissão ao encontro dos interesses dos produtores de automóveis (que na verdade têm conseguido melhorar o rendimento dos motores alternativos de explosão interna), iludindo os compradores com as performances fantásticas dos novos motores multijet e de controle variável do tempo e da abertura das válvulas. Deixam a iniciativa "aos mercados" e os mercados são como as cochonilhas e os lemningues, não lhes apetece mudar para os veículos de hidrogénio ou de baterias de lítio e fosfato de ferro.
Eis um exemplo de como é difícil ter uma opinião fundamentada sobre um dado assunto. Na verdade, por mais complexo que seja um assunto, e por mais disparatada que seja uma opinião sobre esse assunto, é sempre possível alinhar argumentos em favor dessa opinião. Mas a inversa também é verdadeira. Por um lado iludimo-nos com o que o nosso cérebro, incapaz de varrer toda a realidade, seleciona para nós, sendo que muitas das vezes a amostragem que ele fez não é um modelo eficiente da realidade. Por outro lad, a realidade é suficientemente complexa para rejeitar qualquer lei universal. Quando muito deixa-nos estabelecer uma lei válida num domínio, mas não noutro. Até uma coisa que pode ser boa num país, como parece que os grandes financeiros do BCE, da união europeia e do FMI que nos têm conduzido por interpostas pessoas até aqui, acham que é boa, como a deflação escondida que nos ameaça como o consumo de combustíveis fósseis, pode não ser tão boa assim num país como o nosso. De que nos serve um nível de preços baixo, se os nossos rendimentos se vão evaporando e os preços dos produtos que exportamos vão baixando os "mercados"? Que falta que nos fazia uma pequenina e controlada inflação, mas os decisores não acham e não querem.
Para mim, é apenas mais uma manifestação do insucesso sistemático dos governantes portugueses.
Não me venham com histórias de sucesso da nossa história.
A expansão dos descobrimentos? Mas isso não foi o triunfo das técnicas de gestão da casa comercial de Lancaster, que não tinha espaço socioeconómico em Inglaterra e vieram estabelecer-se em Portugal, já que em Espanha não conseguiram?
E que produtos vendiamos na Europa? Vendiamos fatores de produção, como escravos, já que não havia ainda a força do vapor (já se conhecia a tecnologia do vapor, mas a lenha e o carvão ainda eram baratos; os escravos também, e foram fornecidos em abundancia pelas grandes empresas portuguesas até meados do século XIX; no século XVI os alemães poupavam na importação de escravos para as suas minas de carvão, utilizando trabalho infantil; é daí que vem a história dos sete anões, não eram anões, eram crianças; no século XVIII um dos principais acionistas de uma companhia negreira francesa era Voltaire, quem diria? só relembro estes casos, que na altura eram justificados moralmente, lá está, há sempre argumentos para defender qualquer disparate, porque nos tempos que correm também há argumentos para defender a redução dos salários, das pensões e do emprego).
Tambem foi um caso de sucesso comercial português a venda de sal à Europa, já que ainda não tinham inventado o frigorífico. Quem vai agora importar o sal português? (e contudo, o sódio é um elemento importantissimo na energética, nas baterias de lítio de funcionamento permanente, nas centrais de concentração solar de sais fundidos).
Dirão que foi um sucesso a politica do marquês de Pombal. Talvez, em termos de industrialização e de
tratados comerciais. Mas o homem distinguiu-se por uma crueldade sem limites, mandando executar que se lhe opunha e expondo cabeças de executados em pontas de lança, e por ter "secado" o ensino da matemática e da física em Portugal, numa altura de grande desenvolvimento tecnológico e industrial por essa Europa fora. Isto é, apesar do ouro do Brasil, comprometeu o futuro do país inviabilizando o desenvolvimento da engenharia portuguesa (o colégio dos nobres foi uma medida de ultimo recurso, apesar do marquês, e não graças a ele). E assim o país entrou depauperado no século XIX sem capacidade tecnológica e enfeudado a franceses ou ingleses. É o que se receia dos cortes na investigação e nas universidades, da politica redutora na educação, da insignificancia do papel da engenharia na economia atual, da distribuição dos fundos comunitários por empresários mal preparados, em vez de investir em infraestruturas energeticamente eficientes com o transporte ferroviário de passageiros e mercadorias, e em industrias de autonomização do país (produção de eletricidade por renováveis, produção de hidrogénio para tração a partir de renováveis, produção industrial de alimentos como aquacultura).
Mas enfim, tudo isto não passará de exemplos mais ou menos trágicos da nossa incapacidade crónica, que atravessa os séculos, de nos organizarmos em trabalho de equipa planificado e orientado para objetivos uteis de de repartição benéfica dos retornos.
Já era assim, quando o cronista romano despachou para Roma : "estes tipos não querem descer das montanhas, vivem desorganizados e não deixam que ninguem os organize".
Também gostaria de vos falar dos malefícios do tabaco, mas os meus amigos que se enchem de paciencia para ler o que eu escrevo estão sempre a acusar-me de eu escrever demais.
Por isso fico-me por aqui, era isto que vos queria dizer sobre as obras de Miró.
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