quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

subway-life, desenhos, de António Gonçalves





Que surpresa.
Encontrar numa banca de uma livraria um livro de desenhos.
De desenhos de passageiros de metropolitanos de todo o mundo.
Capa cartonada. Na frente o desenho cursivo e rápido de uma rapariga de mangas curtas, jeans e tenis, recostada a ler o livro aberto sobre a mala, a mão esquerda displicente acariciando a nuca.
No verso uma jovem mãe abraçada ao filho que dorme ao colo e à eterna mala. Tem flores bordadas nas calças e o cabelo puxado para tras, apertado uma fina trança.
São ambas passageiras do metropolitano de São Paulo, ou o Metrô.
O autor pegou no seu caderninho de esboços e foi por esse mundo fora.
Sentava-se num banco de uma carruagem de metro, olhava fixamente para as pessoas em frente, e desenhava-as.
Respeitava o direito de quem não queria ser representado no papel e isso acontecia de forma tácita.
Mas a maioria, depois da surpresa, sorria e o desenho era mais do que um instantâneo.
Os desenhos não pretendem valorizar a beleza das pessoas, antes acentuam o sofrimento, a pressa, a preocupação, ou simplesmente a ausencia ou a pausa do repouso de en-quanto não chegam.
Tenho de me recordar das palavras do colega do metro de Paris, que nós técnicos sabemos aproximar  as pessoas melhor do que os politicos.
Porque são as mesmas as necessidades e as preocupações e as reações de quem anda de metropolitano como os representados no livro: Londres, Lisboa, Berlim, Estocolmo, Nova Iorque, São Paulo, Tóquio, Atenas, Moscovo, Cairo.
Quisera que os metros fossem transparentes, desde que o cidadão ou cidadã entra, até que sai, que o tempo seja o mínimo, que seja confortável a viagem, e em segurança, que se esqueça que nós, os que trabalhamos no metro-politano e o nosso trabalho, existimos, que apenas o queremos devolver à superfície, aonde tem de ir.
As pessoas representadas no livro são melhor do que o que lemos nos jornais, agressivas e votantes em decisores que promovem guerras.
As pessoas estão aí, nos metropolitanos, prontas para sorrir, para produzir, para criar os filhos, para contribuir para a felicidade de todos, assim os decisores as compreendam, que não , não as compreendem, pouco andam de metropolitano.
As pessoas são boas.
Quer seja uma menina de sandálias ao colo do avô de bigode no metro do Cairo iguais em qualquer parte do mundo, independentemente das crises de cada povo, quer seja uma adolescente estouvada no metro de Lisboa, ou um executivo no London Underground.
Ou um rosto de uma beleza eslava de olhos azuis (é o que sugere o traço apressado) que envolto na gola de peles olha fixamente o desenhador.
Ou o técnico comercial casado e adormecido com a pasta sobre os joelhos,  a leitora asiática, a senhora de idade, o jamaicano de cabelo apanhado atrás, no metro deLondres.
O judeu ortodoxo no metro de Nova Iorque, ao lado do muçulmano, do afro-americano, do casal de turistas sul americano.
O recolhimento dos executivos japoneses do metro de Tóquio, ou o ar decidido dos alemães e das alemãs que vão para o seu trabalho.
Devia canalizar-se todo o fluxo dos dinheiros do negócio das armas para o desenvolvimento das redes de metro.       




Referencia:        

Subway Life, Vida subterranea
de António Jorge Gonçalves, ed. Assírio e Alvim


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