o texto seguinte faz parte de umas memórias do metropolitano;
alguns elementos do texto são
ficcioniais
Final da década de 70.
Jack Welsh era ainda vice presidente
da General Electric.
CEO daí a pouco tempo.
Haveria de ser eleito por uma revista
de gestão como o gestor do século XX.
Muitos gestores de nomeação política
em Portugal tentaram imitá-lo.
O Metropolitano não escapou.
A ideia era criar uma aura de
exigência, de inflexibilidade, ao mesmo tempo de informalidade no contacto com
os níveis intermédios, de modo a deixar
os diretores inseguros em má posição, e de redução das burocracias.
Não terá sido imitada a concentração
em objetivos e nos resultados a atingir, nem na definição do que deveria ser
considerado essencial e acessório.
Terá sido confundida a capacidade de
gestão, ou de liderança, se pensarmos na insegurança típica de quem pretende
compensá-la, com a capacidade de gritar ou de intimidar.
Jack Welsh ainda não tinha
desinvestido na divisão de radiotelefones da GE.
Os seus equipamentos rivalizavam com
a Motorola.
Não existia ainda o sistema celular
GSM.
Chama-se celular porque o território
é dividido em células e em cada célula
um emissor recetor reparte cada uma das suas bandas de frequência por 32
clientes e canais de dados segundo o teorema da amostragem ou de multipex
temporal e digital. Chamar-se-lhe rede de telemóveis é mais uma particularidade da língua portuguesa
e dos mecanismos de formação de neologismos. Só em Portugal existe o termo
telemóvel, aglutinação de telefone e de radiomóvel.
A GE portuguesa, cuja divisão
eletromecânica apoiava a manutenção dos motores das automotoras antes do
encerramento por instruções da casa mãe, já nos tinha fornecido os
radiotelefones da rede privativa, clássica,
das carrinhas de manutenção.
Eu ia modestamente recolhendo
informação sobre sistemas de radiocomunicações para comboios subterrâneos.
À galeria não chegam as emissões a
partir da superfície e a propagação das ondas radioelétricas nas frequências
que então se praticavam, de VHF (400 MHz) rapidamente se atenuava quando o
emissor se instalava, por exemplo, numa estação.
Por isso se utilizavam cabos coaxiais
em vez de antenas, e eram as perdas desse cabo, graças a uma blindagem que
facilitava essas perdas, que realizavam o acoplamento com as antenas dos
comboios.
Fiz uma coleção de desenhos
esquemáticos, com a rede de cabos coaxiais com perdas e a localização dos
emissores recetores.
A rede cobria todas as galerias,
cais, átrios e acessos das estações e parques de material circulante.
A localização dos emissores era
imposta pela sua potencia e pela distribuição das perdas ao longo de todo o
percurso entre emissor e recetor.
Preparei o caderno de encargos para a
consulta , consegui a anuência da direção e da administração para a admissão de
um jovem colega melhor conhecedor do que eu do maravilhoso mundo das
telecomunicações e dos controles microprocessorizados e lançámos o concurso.
Não ganhou a GE.
Também não deve ter sido por isso que
Jack Welsh, do outro lado do Atlântico, incluiu a divisão de radiocomunicações
no lote de ativos a deslastrar.
Ganhou uma companhia alemã, com linha
de montagem em Portugal de aparelhos eletrónicos.
Os nossos cadernos de encargos davam
muita importância à incorporação nacional, não se embrenhavam nos difíceis
caminhos das contrapartidas, de quase impossível execução.
Alguns anos depois, as regras
comunitárias inviabilizaram a inclusão da incorporação nacional nos cadernos de
encargos, em nome da abertura das fronteiras.
Porém, os burocratas europeus
acabaram por verificar, ainda mais tarde, que era legítima essa inclusão, em
nome do equilíbrio das balanças de pagamentos.
Difuso e complexo o mundo dos
negócios.
A grande companhia portuguesa de
telecomunicações fervilhava.
Os grupos das diversas disciplinas e
especialidades, e de dinamizadores de empreendimentos, pulsavam na transição da
comutação espacial analógica e digital para a comutação temporal digital.
Agregavam-se e desagregavam-se
especialistas disto e daquilo em empresas e mais empresas do grupo.
E desse caldo saltou uma empresa de
consultoria e formação de telecomunicações.
As ligações íntimas das empresas aos
partidos políticos e aos governos germinaram lentamente e sigilosamente.
Primeiro nos contactos, com a nossa
administração, do prestigiado engenheiro militante do partido que ganharia as
próximas eleições, vice bastonário da ordem dos engenheiros, e que era o candidato de sucesso a ministro
do equipamento social, que era como se chamava a tudo o que fosse estradas,
vias férreas, comunicações materiais ou por rádio, obras públicas.
Era o presidente da nova empresa.
Depois os contactos processaram-se ao
nível da direção, com a presença dos dois técnicos seniores que a empresa de
consultoria propunha para refazer o caderno de encargos.
O concurso e a adjudicação tinham sido anulados, sem fundamento técnico
consistente, mas no uso da prerrogativa do dono da obra.
Não tive contactos prolongados com os
técnicos da empresa de consultoria do grupo da grande companhia de
telecomunicações.
Apenas numa reunião pedi que os
consultores deixassem estar no caderno de encargos a especificação de
constituição modular dos rádios, até porque já eram obsoletos os rádios “por
medida”.
Parti entretanto para a fábrica da
Suíça onde se concluía o fabrico das máquinas de venda automática de bilhetes
que permitiram moderar o quadro de pessoal de bilheteiras com o crescimento da
procura e da rede.
Tratava-se de preparar as instruções
de manutenção e operação do conjunto das máquinas.
No meu regresso o vice bastonário já
era ministro.
Foi o momento de lhe comunicar, nos
termos do código deontológico da ordem dos engenheiros, que a revisão do
caderno de encargos de que eu era autor não tinha o meu acordo, pelo que
apresentava o meu protesto na ordem.
Seis meses depois a secretária da
ordem comunicou-me pessoalmente que o conselho tinha deliberado improcedente a
reclamação.
Curiosamente, o artigo em que me
baseei foi substituído na revisão do código deontológico que se processava.
O direito de autor deixou de ser
apenas do autor e passou a ser do autor ou da empresa sua empregadora, com ou
sem expressão da sua transmissão entre autor e empregadora.
Jack Welsh, do outro lado do
Atlântico, vendera a GE/rádios à Motorola, e na venda ia incluída a Storno,
fabricante dinamarquês anteriormente associado à GE, que veio a ganhar o novo
concurso e a equipar as galerias e os comboios do metropolitano com um sistema
de radiocomunicações que funcionou até ser substituído pelo SIRESP, sistema
integrado de segurança de que o metropolitano faz parte.
Entretanto, como sistema de recurso, sensível
a picos de afluencia de chamadas como a passagem do ano, existe o sistema
celular, com repetidores nas galerias, eficazes porque utilizam agora as
frequências mais elevadas de UHF (900 e 1800 MHz).
A Motorola, anos mais tarde, viu as
suas ações determinantes serem compradas pela Google.
Admirável mundo das telecomunicações,
admirável mundo das radiocomunicações.
Sem comentários:
Enviar um comentário