quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

o admirável mundo das radiocomunicações



                                             o texto seguinte faz parte de umas memórias do metropolitano;
                                             alguns elementos do texto são ficcioniais


Final da década de 70.
Jack Welsh era ainda vice presidente da General Electric.
CEO daí a pouco tempo.
Haveria de ser eleito por uma revista de gestão como o gestor do século XX.
Muitos gestores de nomeação política em Portugal tentaram imitá-lo.
O Metropolitano não escapou.
A ideia era criar uma aura de exigência, de inflexibilidade, ao mesmo tempo de informalidade no contacto com os níveis intermédios, de modo a  deixar os diretores inseguros em má posição, e de redução das burocracias.
Não terá sido imitada a concentração em objetivos e nos resultados a atingir, nem na definição do que deveria ser considerado essencial e acessório.
Terá sido confundida a capacidade de gestão, ou de liderança, se pensarmos na insegurança típica de quem pretende compensá-la, com a capacidade de gritar ou de intimidar.
Jack Welsh ainda não tinha desinvestido na divisão de radiotelefones da GE.
Os seus equipamentos rivalizavam com a Motorola.
Não existia ainda o sistema celular GSM.
Chama-se celular porque o território é dividido em células e em cada célula  um emissor recetor reparte cada uma das suas bandas de frequência por 32 clientes e canais de dados segundo o teorema da amostragem ou de multipex temporal e digital. Chamar-se-lhe rede de telemóveis é  mais uma particularidade da língua portuguesa e dos mecanismos de formação de neologismos. Só em Portugal existe o termo telemóvel, aglutinação de telefone e de radiomóvel.
A GE portuguesa, cuja divisão eletromecânica apoiava a manutenção dos motores das automotoras antes do encerramento por instruções da casa mãe, já nos tinha fornecido os radiotelefones da rede privativa, clássica,  das carrinhas de manutenção.
Eu ia modestamente recolhendo informação sobre sistemas de radiocomunicações para comboios subterrâneos.
À galeria não chegam as emissões a partir da superfície e a propagação das ondas radioelétricas nas frequências que então se praticavam, de VHF (400 MHz) rapidamente se atenuava quando o emissor se instalava, por exemplo, numa estação.
Por isso se utilizavam cabos coaxiais em vez de antenas, e eram as perdas desse cabo, graças a uma blindagem que facilitava essas perdas, que realizavam o acoplamento com as antenas dos comboios.
Fiz uma coleção de desenhos esquemáticos, com a rede de cabos coaxiais com perdas e a localização dos emissores recetores.
A rede cobria todas as galerias, cais, átrios e acessos das estações e parques de material circulante.
A localização dos emissores era imposta pela sua potencia e pela distribuição das perdas ao longo de todo o percurso entre emissor e recetor.
Preparei o caderno de encargos para a consulta , consegui a anuência da direção e da administração para a admissão de um jovem colega melhor conhecedor do que eu do maravilhoso mundo das telecomunicações e dos controles microprocessorizados e lançámos o concurso.
Não ganhou a GE.
Também não deve ter sido por isso que Jack Welsh, do outro lado do Atlântico, incluiu a divisão de radiocomunicações no lote de ativos a deslastrar.
Ganhou uma companhia alemã, com linha de montagem em Portugal de aparelhos eletrónicos.
Os nossos cadernos de encargos davam muita importância à incorporação nacional, não se embrenhavam nos difíceis caminhos das contrapartidas, de quase impossível execução.
Alguns anos depois, as regras comunitárias inviabilizaram a inclusão da incorporação nacional nos cadernos de encargos, em nome da abertura das fronteiras.
Porém, os burocratas europeus acabaram por verificar, ainda mais tarde, que era legítima essa inclusão, em nome do equilíbrio das balanças de pagamentos.
Difuso e complexo o mundo dos negócios.
A grande companhia portuguesa de telecomunicações fervilhava.
Os grupos das diversas disciplinas e especialidades, e de dinamizadores de empreendimentos, pulsavam na transição da comutação espacial analógica e digital para a comutação temporal digital.
Agregavam-se e desagregavam-se especialistas disto e daquilo em empresas e mais empresas do grupo.
E desse caldo saltou uma empresa de consultoria e formação de telecomunicações.
As ligações íntimas das empresas aos partidos políticos e aos governos germinaram lentamente e sigilosamente.
Primeiro nos contactos, com a nossa administração, do prestigiado engenheiro militante do partido que ganharia as próximas eleições, vice bastonário da ordem dos engenheiros,  e que era o candidato de sucesso a ministro do equipamento social, que era como se chamava a tudo o que fosse estradas, vias férreas, comunicações materiais ou por rádio, obras públicas.
Era o presidente da nova empresa.
Depois os contactos processaram-se ao nível da direção, com a presença dos dois técnicos seniores que a empresa de consultoria propunha para refazer o caderno de encargos.
O concurso e a adjudicação  tinham sido anulados, sem fundamento técnico consistente, mas no uso da prerrogativa do dono da obra.
Não tive contactos prolongados com os técnicos da empresa de consultoria do grupo da grande companhia de telecomunicações.
Apenas numa reunião pedi que os consultores deixassem estar no caderno de encargos a especificação de constituição modular dos rádios, até porque já eram obsoletos os rádios “por medida”.
Parti entretanto para a fábrica da Suíça onde se concluía o fabrico das máquinas de venda automática de bilhetes que permitiram moderar o quadro de pessoal de bilheteiras com o crescimento da procura e da rede.
Tratava-se de preparar as instruções de manutenção e operação do conjunto das máquinas.
No meu regresso o vice bastonário já era ministro.
Foi o momento de lhe comunicar, nos termos do código deontológico da ordem dos engenheiros, que a revisão do caderno de encargos de que eu era autor não tinha o meu acordo, pelo que apresentava o meu protesto na ordem.
Seis meses depois a secretária da ordem comunicou-me pessoalmente que o conselho tinha deliberado improcedente a reclamação.
Curiosamente, o artigo em que me baseei foi substituído na revisão do código deontológico que se processava.
O direito de autor deixou de ser apenas do autor e passou a ser do autor ou da empresa sua empregadora, com ou sem expressão da sua transmissão entre autor e empregadora.
Jack Welsh, do outro lado do Atlântico, vendera a GE/rádios à Motorola, e na venda ia incluída a Storno, fabricante dinamarquês anteriormente associado à GE, que veio a ganhar o novo concurso e a equipar as galerias e os comboios do metropolitano com um sistema de radiocomunicações que funcionou até ser substituído pelo SIRESP, sistema integrado de segurança de que o metropolitano faz parte.
Entretanto, como sistema de recurso, sensível a picos de afluencia de chamadas como a passagem do ano, existe o sistema celular, com repetidores nas galerias, eficazes porque utilizam agora as frequências mais elevadas de UHF (900 e 1800 MHz).
A Motorola, anos mais tarde, viu as suas ações determinantes serem compradas pela Google.


Admirável mundo das telecomunicações, admirável mundo das radiocomunicações.

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