A propósito de uma pertinente intervenção da ADFERSIT, e com a devida vénia ao Público:
É muito importante chamar a
atenção das mentes brilhantes e sábias que nos governam para as graves
limitações das nossas infraestruturas nos domínios da ferrovia, da energia e da
gestão das águas, coisas que a nossa senhora de Bruxelas se lembrou finalmente de
recomendar às ditas mentes,
embora sem explicar como
compatibilizar os investimentos com as sacrossantas regras do défice e da
dívida, coisa de somenos. Quando o próprio coordenador do corredor atlantico,
Carlo Secchi, diz que as coisas vão bem como vão, e quando a senhora comissária
Violeta Bulç diz que os governos é que sabem, levantam-se sérias dúvidas.
A alta velocidade e a terceira travessia do Tejo são, se não sofrermos uma catástrofe económica e financeira, inevitáveis mas conviria
comparar bem ponte e túnel, embora ainda não tenhamos acertado com a localização da
travessia, entre outras razões, pela novela do novo aeroporto.
Trata-se, na prática, de uma imposição face aos compromissos com a União Europeia. É o próprio TFUE que no artigo 171 diz que “a
União realizará todas as ações que
possam revelar-se necessárias para assegurar a interoperabilidade das redes, em
especial no domínio da harmonização das normas técnicas”.
A bitola UIC integra a interoperabilidade juntamente com outros
quesitos, pelo que é legítimo pensar que a União impõe a alta
velocidade integralmente interoperável com ligações à Europa e tráfego misto.
Duvido que seja boa solução a quadruplicação da linha do norte. De facto são 4 by-pass que
libertariam o tráfego Lisboa-Porto dos suburbanos e regionais ao longo da
linha, mas a prioridade deve ser uma linha nova interoperável (integrando o pi deitado…) que faz o
mesmo e cumpre os critérios de
interoperabilidade .
É verdade que com o dobro de km,
mas estar a gastar 164 km de via nova em bitola ibérica não concordo, mesmo que
se utilizem travessas de 3 fixações e não de 4 porque nestas a mudança para a bitola UIC é mais
difícil, além de não permitirem velocidades superiores a 250 km/h devido à
proximidade das fixações.
É curioso observar que na
Alemanha pôs-se um problema semelhante, para aumentar para 300 km/h a
velocidade na ligação Bielefeld-Hannover. Pensou-se renovar os 177 km da via
existente e acabou-se por se decidir fazer uma linha nova. Fica mais caro a
curto prazo, mas contando as externalidades fica a longo prazo mais barata. E
sabe-se que só os ricos podem poupar assim.
Aliás, sabemos como soluções provisórias e de transição são no nosso
país, eternas.
Além disso, Lisboa-Porto por via aérea (assim como
Lisboa-Madrid) é contra a tal agenda da descarbonização, embora saibamos como a
TAP precisa de ser amparada, não lhe basta a sustentação física das asas.
Teme-se que o PNI2030 seja apenas a execução do Ferrovia 2020 (que lamentavelmente não prevê a
TTT ) , limitando-se a gerir a rede existente e pouco mais, com atrasos e omissões devidos à insuportável incapacidade de execução de projetos em tempo
útil. Recordo o que me disse um colega da CP há 6 anos, “Estão a dar cabo
disto…” . Nalguma coisa hão-de ser competentes, os decisores. Mas acredito que
ainda é possível organizar e planificar, apesar da nossa congénita aversão a
isso. Não com os atuais decisores nem com a atual estrutura organizativa,
claro. E os velhos que andam por aí ainda podiam ajudar.
Foram erros estratégicos e históricos a cisão REFER-CP-EMEF, a fusão REFER-Estradas de Portugal e deixar a iniciativa do
corredor mediterrânico e atlantico para Algeciras e, no caso de
Aveiro-Salamanca, para Vigo.
Se é para aumentar
as exportações e o movimento dos portos, linhas novas em bitola UIC de acordo
com o esquema do pi deitado são indispensáveis e urgentes para ligação à Europa.
Se, e só se, não é para aumentar
as exportações, não são necessárias, nisso concordo com os imobilistas (ou pelo menos que se contentam com as limitações da rede existente e da sua bitola ibérica).
Também discordo do recurso às travessas de 3 ou 4
fixações, a menos de casos pontuais e de curta utilização. Estão a ser
utilizadas como desculpa para entreter quem esteja tentado a acreditar nos
contestatários, mas assistimos em Espanha à reivindicação veemente pelos
empresários das linhas novas de “ancho estandard”. https://www.elperiodico.com/es/sociedad/20180927/corredor-mediterraneo-algeciras-francia-2021-7057409
E é a própria presidente da ADIF que vem lembrar
que essas linhas novas permitem uma operação mais barata e o secretário de Estado das infraestruturas
espanhol dizer que o corredor mediterrâneo é “fundamental”,
enquanto nos pouco desejáveis
agrupamentos europeus de interesse económico, espanhois e franceses e alemães
vão avalizando a exploração dos nichos de mercado da rede ibérica remanescente
e ocultando a urgência do troço francês Bordeus-Hendaye . Como diz o senhor da
Medway, a bitola é uma falsa questão, ou o senhor ministro das infraestruturas,
a bitola é um fetiche. Como dizem os ingleses, “does’nt match”, ou os
portugueses, “não cola”.
Algo está a pedir uma intervenção
diplomática assertiva para levantar esta indeterminação.
Finalmente, a linha de Cascais.
Sou suspeito, por me ter dedicado ao metropolitano.
Historicamente sempre esteve
separada da rede ferroviária nacional, embora tivesse sido possível nos anos 30
sair do hotel no Estoril, apanhar o comboio e sair em Paris. Mas a sua vocação
é metropolitana e seria correta a sua integração na rede do metropolitano de
Lisboa. Claro que o meu fundamentalismo (ou melhor, respeito pelas normas
técnicas de que fala o artigo 171º do TFUE) dirá que se deve mudar-lhe a
bitola. Não é difícil de justificar. Os prazos de fornecimento e os custos de
material circulante são menores, porque equipamento fora do normal exige
ensaios não habituais. Também não será recomendável alimentar a 25 kV numa
atmosfera salina e corrosiva como a da linha de Cascais, embora claro que é
possível com isoladores maiores. Utilizar 1,5 kVDC ou 3 kVDC tem o
inconveniente de exigir mais subestações, mas em contrapartida o material
circulante é mais leve por ausência de transformador de entrada. Claro que é
caro, talvez 500 milhões para uma renovação radical, mas repito, só os países
mais ricos podem poupar?
Não me choca uma linha ter
caraterísticas diferentes da restante rede, desde que esteja bem dimensionada a
sua frota. É verdade que uma rede uniforme permite otimizar o número de
unidades, mas impõe a permanência da tecnologia utilizada. Neste caso,
poderíamos utilizar catenária rígida, por exemplo.
Vejo com preocupação o marketing
da CML a propagandear a ligação à linha da cintura (para poderem ir buscar
material circulante onde ela falta?) com aquelas obras miríficas e
subterrâneas, em terrenos de aluvião conquistados ao rio, em Alcântara. Na
verdade, um dos grandes obstáculos para a linha de Cascais é a incorreção do
PUA – plano de urbanização de Alcântara, que até prevê estações de metro
subterrâneas (dir-se-ia subaquáticas), e agora agravado com a presença do novo
hospital.
No meu livrinho “manual condensado de transportes
metropolitanos" https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwehWMdmBJ_Q06Wk7XH
digo algumas coisas que não serão
certamente a solução para a linha de Cascais, mas que seria importante
considerar no debate aberto, participado, informado e especialmente urgente que
a linha de Cascais merece. De preferência sem aquela ideia do metrobus na A5. É
difícil transmitir a mensagem às pessoas que o “metrobus” é uma solução
adequada em países produtores de petróleo. Mas no nosso caso, importadores
assumidos de combustíveis fósseis (nem sequer autorizados a saber se a 45 km da
costa há alguma coisa que se aproveite…), devemos esclarecer bem que o atrito do
pneu com o asfalto da estrada é responsável por um consumo específico de
energia por passageiro-km superior ao do contacto ferro com ferro do comboio.
As pessoas não gostarão que lhes lembrem as aulas de física a que se baldavam
no secundário, mas terá de ser.
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