domingo, 16 de junho de 2019

A propósito de uma pertinente intervenção da ADFERSIT


A propósito de uma pertinente intervenção da ADFERSIT, e com a devida vénia ao Público:

É muito importante chamar a atenção das mentes brilhantes e sábias que nos governam para as graves limitações das nossas infraestruturas nos domínios da ferrovia, da energia e da gestão das águas, coisas que a nossa senhora de Bruxelas se lembrou finalmente de recomendar às ditas mentes,

embora sem explicar como compatibilizar os investimentos com as sacrossantas regras do défice e da dívida, coisa de somenos. Quando o próprio coordenador do corredor atlantico, Carlo Secchi, diz que as coisas vão bem como vão, e quando a senhora comissária Violeta Bulç diz que os governos é que sabem, levantam-se sérias dúvidas.

A alta velocidade e a terceira travessia do Tejo são, se não sofrermos uma catástrofe económica e financeira, inevitáveis mas conviria comparar bem ponte e túnel, embora ainda não tenhamos acertado com a localização da travessia, entre outras razões, pela novela do novo aeroporto. 
Trata-se, na prática, de uma imposição face aos compromissos com a União Europeia. É o próprio TFUE que no artigo 171 diz que “a União  realizará todas as ações que possam revelar-se necessárias para assegurar a interoperabilidade das redes, em especial no domínio da harmonização das normas técnicas”. 
A bitola UIC integra a interoperabilidade juntamente com outros quesitos, pelo que é legítimo pensar que a União impõe a alta velocidade integralmente interoperável com ligações à Europa e tráfego misto.
Duvido que seja boa solução a quadruplicação da linha do norte. De facto são 4 by-pass que libertariam o tráfego Lisboa-Porto dos suburbanos e regionais ao longo da linha, mas a prioridade deve ser uma linha nova interoperável (integrando o pi deitado…) que faz o mesmo  e cumpre os critérios de interoperabilidade . 
É verdade que com o dobro de km, mas estar a gastar 164 km de via nova em bitola ibérica não concordo, mesmo que se utilizem travessas de 3 fixações e não de 4 porque nestas a mudança para a bitola UIC é mais difícil, além de não permitirem velocidades superiores a 250 km/h devido à proximidade das fixações.
É curioso observar que na Alemanha pôs-se um problema semelhante, para aumentar para 300 km/h a velocidade na ligação Bielefeld-Hannover. Pensou-se renovar os 177 km da via existente e acabou-se por se decidir fazer uma linha nova. Fica mais caro a curto prazo, mas contando as externalidades fica a longo prazo mais barata. E sabe-se que só os ricos podem poupar assim.  Aliás, sabemos como soluções provisórias e de transição são no nosso país, eternas.
Além disso,  Lisboa-Porto por via aérea (assim como Lisboa-Madrid) é contra a tal agenda da descarbonização, embora saibamos como a TAP precisa de ser amparada, não lhe basta a sustentação física das asas.

Teme-se que o PNI2030 seja apenas a execução do Ferrovia 2020 (que lamentavelmente não prevê a TTT ) , limitando-se a gerir a rede existente e pouco mais, com atrasos e omissões devidos à insuportável incapacidade de execução de projetos em tempo útil. Recordo o que me disse um colega da CP há 6 anos, “Estão a dar cabo disto…” . Nalguma coisa hão-de ser competentes, os decisores. Mas acredito que ainda é possível organizar e planificar, apesar da nossa congénita aversão a isso. Não com os atuais decisores nem com a atual estrutura organizativa, claro. E os velhos que andam por aí ainda podiam ajudar.
Foram erros estratégicos e históricos a cisão REFER-CP-EMEF, a fusão REFER-Estradas de Portugal e deixar a iniciativa do corredor mediterrânico e atlantico para Algeciras e, no caso de Aveiro-Salamanca, para Vigo.
Se é para aumentar as exportações e o movimento dos portos, linhas novas em bitola UIC de acordo com o esquema do pi deitado são indispensáveis e urgentes para ligação à Europa.
Se, e só se, não é para aumentar as exportações, não são necessárias, nisso concordo com os imobilistas (ou pelo menos que se contentam com as limitações da rede existente e da sua bitola ibérica).
Também discordo do recurso às travessas de 3 ou 4 fixações, a menos de casos pontuais e de curta utilização. Estão a ser utilizadas como desculpa para entreter quem esteja tentado a acreditar nos contestatários, mas assistimos em Espanha à reivindicação veemente pelos empresários das linhas novas de “ancho estandard”.  https://www.elperiodico.com/es/sociedad/20180927/corredor-mediterraneo-algeciras-francia-2021-7057409
E é a própria presidente da ADIF que vem lembrar que essas linhas novas permitem uma operação mais barata  e o secretário de Estado das infraestruturas espanhol dizer que o corredor mediterrâneo é “fundamental”,                                            
enquanto nos pouco desejáveis agrupamentos europeus de interesse económico, espanhois e franceses e alemães vão avalizando a exploração dos nichos de mercado da rede ibérica remanescente e ocultando a urgência do troço francês Bordeus-Hendaye . Como diz o senhor da Medway, a bitola é uma falsa questão, ou o senhor ministro das infraestruturas, a bitola é um fetiche. Como dizem os ingleses, “does’nt match”, ou os portugueses, “não cola”.
Algo está a pedir uma intervenção diplomática assertiva para levantar esta indeterminação.
Finalmente, a linha de Cascais. Sou suspeito, por me ter dedicado ao metropolitano.
Historicamente sempre esteve separada da rede ferroviária nacional, embora tivesse sido possível nos anos 30 sair do hotel no Estoril, apanhar o comboio e sair em Paris. Mas a sua vocação é metropolitana e seria correta a sua integração na rede do metropolitano de Lisboa. Claro que o meu fundamentalismo (ou melhor, respeito pelas normas técnicas de que fala o artigo 171º do TFUE) dirá que se deve mudar-lhe a bitola. Não é difícil de justificar. Os prazos de fornecimento e os custos de material circulante são menores, porque equipamento fora do normal exige ensaios não habituais. Também não será recomendável alimentar a 25 kV numa atmosfera salina e corrosiva como a da linha de Cascais, embora claro que é possível com isoladores maiores. Utilizar 1,5 kVDC ou 3 kVDC tem o inconveniente de exigir mais subestações, mas em contrapartida o material circulante é mais leve por ausência de transformador de entrada. Claro que é caro, talvez 500 milhões para uma renovação radical, mas repito, só os países mais ricos podem poupar?
Não me choca uma linha ter caraterísticas diferentes da restante rede, desde que esteja bem dimensionada a sua frota. É verdade que uma rede uniforme permite otimizar o número de unidades, mas impõe a permanência da tecnologia utilizada. Neste caso, poderíamos utilizar catenária rígida, por exemplo.
Vejo com preocupação o marketing da CML a propagandear a ligação à linha da cintura (para poderem ir buscar material circulante onde ela falta?) com aquelas obras miríficas e subterrâneas, em terrenos de aluvião conquistados ao rio, em Alcântara. Na verdade, um dos grandes obstáculos para a linha de Cascais é a incorreção do PUA – plano de urbanização de Alcântara, que até prevê estações de metro subterrâneas (dir-se-ia subaquáticas), e agora agravado com a presença do novo hospital.
No meu livrinho “manual condensado de transportes metropolitanos"                       https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwehWMdmBJ_Q06Wk7XH
digo algumas coisas que não serão certamente a solução para a linha de Cascais, mas que seria importante considerar no debate aberto, participado, informado e especialmente urgente que a linha de Cascais merece. De preferência sem aquela ideia do metrobus na A5. É difícil transmitir a mensagem às pessoas que o “metrobus” é uma solução adequada em países produtores de petróleo. Mas no nosso caso, importadores assumidos de combustíveis fósseis (nem sequer autorizados a saber se a 45 km da costa há alguma coisa que se aproveite…), devemos esclarecer bem que o atrito do pneu com o asfalto da estrada é responsável por um consumo específico de energia por passageiro-km superior ao do contacto ferro com ferro do comboio. As pessoas não gostarão que lhes lembrem as aulas de física a que se baldavam no secundário, mas terá de ser.








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