domingo, 6 de dezembro de 2009

Economicómio XXXII - Capitalismo, meu amor, de Michael Moore

Aqui registo, eu, mau cinéfilo e péssimo amador de economia, a carta que enviei ao senhor director do DN a propósito do filme de Michael Moore sobre as desventuras da humanidade a contas com o sistema da maximização dos lucros e do funcionamento livre “dos mercados”.


Exmo Senhor Director

Tem o DN publicado na secção de crítica de cinema a classificação do filme de Michael Moore, Bom, por João Lopes e Mau, por Eurico de Barros.
Todos temos o direito de exprimir a nossa opinião sobre um filme e os críticos também.
Porém, a expressão desse direito por um crítico pode condicionar a escolha feita por potenciais espectadores, especialmente se são apresentados argumentos fora do domínio da objectividade.
Ora o vosso colaborador Eurico de Barros afirma que Michael Moore chumbou a economia, ciência à qual, apesar de tudo, se associa alguma objectividade. Mesmo admitindo que Moore tenha chumbado numa cadeira de economia no seu percurso escolar, a frase do crítico associa-se ao filme e não ao percurso escolar.
Visto o filme, pedindo desculpa a João Lopes por eu ser um mau cinéfilo, concordo com a crítica dele. É um bom filme. Não talvez pela forma mas pelo conteúdo, difícil de construir, capaz de emocionar o espectador e de chamar a atenção para intervenções importantissimas como as dos presidentes Roosevelt (second bill of rights, de que o primeiro é o direito a um emprego) e Carter (sobre o desperdício dos recursos).
Nestas condições, sugiro que peça ao vosso colaborador que demonstre por que Moore chumbou a economia, quando não parece haver nada no filme que contrarie as leis da economia. Pelo contrário, fica patente no filme a opinião sobre o sistema de mercado do Cytibank (comunicado de 2005: o rendimento de 5% de pessoas é igual ao das outras 95%) e de Warren Buffet ("o sistema de mercado não tem funcionado bem para os pobres").
Ou em alternativa, simplesmente que retire a frase "Moore chumbou a economia", após o que ninguém terá o direito de criticar a sua crítica.
Melhores cumprimentos


E aproveito para recomendar que vejam o filme. Não recomendo por proselitismo, mas porque o seu conteúdo é efectivamente de muito interesse.
Por exemplo, assistimos a uma entrevista de Edward Salk. Edward Salk foi o criador da vacina contra a poliomielite e declarou publicamente que a patente da vacina pertence às pessoas e não a nenhuma farmacêutica. Edward Salk recebia o seu ordenado de professor e investigador e isso lhe bastava. Provou que não é preciso o lucro para o progresso. Mas não era um Maddoff nem um administrador da Goldman Sachs (há uma cena no filme em que o boss da Godman Sachs diz para Reagan: tem de abreviar o discurso – uma delícia em imagem que vale mais do que as mil palavras de Karl a explicar o domínio do poder político pelo poder económico).
O filme recorda que nos anos 60 era comum uma família média (a de Michael Moore, por exemplo) pagar com facilidade o empréstimo da casa e ter um emprego seguro. Passados 50 anos, depois do reaganismo "pilotado" pela Goldman Sachs, a execução das hipotecas é o flagelo das famílias médias. É assim que há progresso? Terá sido por causa das experiencias falhadas dos regimes ditos socialistas? (esta ultima pergunta não está no filme; fui eu que não resisti; mas a Goldman Sachs está no filme em lugar de destaque).
Um assunto de especial interesse para quem trabalha em transportes é a denuncia que Michael Moore faz das condições de trabalho dos pilotos de aviação comercial norte-americanos: ganham cerca de 17.000 dolares por ano (brutos, não líquidos). Acumulam dívidas com os seus cartões de crédito. Comprometem a segurança para que as companhias possam digladiar-se na arena do “low cost”. É tolerável este nível de salários para pilotos de aviação comercial? Não é, conforme o piloto que "aterrou" no Hudson declarou no Congresso, com escândalo nacional, acrescentando que tem de continuar a voar apesar de já ter idade para estar reformado.
De muito interesse ver o comunicado do Cytibank de 2005, em que se reconhece que a democracia americana é antes uma plutocracia. Verificando-se assim que o efeito de escala não provoca alterações na caracterização de uma plutocracia. Ver, para uma escala reduzida, o recente livro Salazar e os Milionários (é mais prático chamar ditadura ao fascismo português, mas que era uma plutocracia das grandes famílias, era).
São interessantíssimas as cenas no Congresso dos USA sobre o apoio dos 700 mil milhões de dólares para tapar os buracos da crise de Setembro de 2008. É verdade que democracia é haver deputados que possam chamar a esse apoio roubo do dinheiro dos contribuintes e violação dos direitos dos cidadãos o que os financeiros fazem, incluindo o exercício do poder político por interpostas pessoas. Há até um senador no Congresso dos USA que se apresenta como independente e se auto-intitula socialista. Mas devemos ser ambiciosos e querer mais do que isso numa democracia.
Devemos querer que o dinheiro dos cidadãos não vá sistematicamente favorecer os banqueiros e as instituições financeiras; devemos querer que os empréstimos do Banco de Portugal não vão para o FMI nem para a GM (ou, se tiver de sê-lo, que a TAEG seja astronómica e o spread exemplar) mas antes a pessoas como Conceição Pinhão e aos seus cooperantes que já pagaram as dividas da empresa de camisas que os alemães queriam deslocalizar para a Roménia, ou à Investvar que só precisa de quem lhes coloque no mercado internacional os sapatos que podem produzir depois de se libertarem da Aerosoles (volta Pinho, estás perdoado).
Devemos ser ambiciosos.
É que os financeiros, especuladores e companhia também são ambiciosos, já andam animadíssimos a falar em retoma e em voltar ao “business as usual”.
Para voltarmos ao mesmo:
Consumam enquanto especulamos; comprem nas grandes superfícies e vejam televisão. Quando rebentarmos, ajudem-nos para podermos continuar a explorar os recursos e a acumular as mais valias, como a História mostra em sucessivos "remakes".
Não percam o filme.

Sem comentários:

Enviar um comentário