quinta-feira, 7 de julho de 2011

O menino sádico, as formigas e as reações dos senhores politicos à notação da Moody's

Este blogue reafirma que detesta escrever sobre política.
Mas o comportamento dos cérebros das pessoas perante estes fenómenos é, como diria Mr Spock, fascinante.
Além disso, neste blogue sofre-se tambem do complexo de quem acha ter dito umas verdades há uns tempos sem que lhe tivessem dado a devida atenção e, só passadas eternidades (em medidas cronológicas ou em irreversibilidade das consequencias) as terem reconhecido. Por isso foi buscar o nome do grego do século III antes de Cristo que já tinha medido o comprimento do arco do minuto terrestre (a milha), o qual só foi aceite pela marinha inglesa (graças à Royal Society) no século XVIII. Vá que a partir de então toda a gente aceita os 1852m e não se fala mais nisso.
Coisa que não acontece com estas coisas da economia política (isto é, ainda não chegámos ao século XVIII).
Mas lá chegaremos, se não dermos cabo de tudo, claro.

Isto a propósito das reações dos senhores politicos à notação Ba2 atribuida pela agencia Moody's (12ª em 21), com a devida vénia ao DN:

- o senhor primeiro ministro:                                                 "é o chamado murro no estomago"
- o senhor presidente da Republica:                                      "não há a minima justificação"
- o senhor ministro da AI:                                                     "esta decisão não teve em conta um conjunto        
                                                                                             de decisões adotadas ou a adotar pelo 
                                                                                             governo"
- o ministério das Finanças:                                                   "esta decisão não teve em conta o corte do         
                                                                                              subsídio de Natal"
- a senhora ex-ministra das finanças:                                     "é uma decisão leviana mais contra o euro do que  
                                                                                             contra Portugal"
- o senhor presidente da Comissão Europeia:                       "Lamento esta decisão. Portugal não deve deixar-
                                                                                             se desmoralizar nem desmotivar".

Salta-me então à ideia a metáfora do menino sádico que se entretem a despejar baldes de água sobre os carreiros e os ninhos de formigas (a metáfora não pretende comparar as agencias de rating ao menino sádico, aviso já, eles coitados são obrigados, como o carrasco, a fazer o trabalho deles).
Imagino a conversa entre as formigas a tentarem justificar a tragédia quando a água despejada afoga uma grande quantidade de formigas solidárias e trabalhadoras, as sobreviventes lá conseguem alguma recuperação, depois lá vem mais um balde de água ou mesmo uma pézada do menino sádico.
E é sempre possivel um grupo de formigas mais vivaças convencer a maioria de que a culpa foi doutras formigas. Antigamente era mais fácil dizer que a culpa era das formigas comunistas e dos sindicatos que elas manipulavam. Mas agora, com as agencias de rating, é mais complicado.

A verdade, é que, durante a campanha eleitoral para a presidencia da Republica e para o Parlamento, foi amplamente utilizado o argumento de que não votar nos senhores politicos que vieram a ganhar as eleições iria provocar o abaixamento das notações das agencias de rating e a elevação das taxas de juro a niveis incomportaveis de pagamento (quanto mais dificuldade tem uma pessoa de pagar os juros de um empréstimo mais elevada é a taxa de juro? parece o Shylock do mercador de Veneza, de Shakespeare; resposta: porque estatisticamente, ficarão alguns emprestimos por pagar, mas aqueles que são pagos cobrem os que não são pagos; por outras palavras: desigualdade de tratamento). O candidato vencedor das eleições presidenciais até afirmou que não se devia morder a mão de quem nos emprestava dinheiro (é isso, não leu o mercador de Veneza de Shakespeare, em que é o emprestador que quer morder legalmente o endividado insolvente, e não sou eu quem lhe enviará um exemplar para o palácio presidencial, que é tarefa que competirá, salvo melhor opinião, ao senhor secretário de estado da cultura).

Mas tenho de dar razão ao comentador do DN quando diz que, mesmo que, para alem de cortar no 14º mês, o governo virasse o contribuinte de pés para cima, para que os ultimos trocos caissem para o fisco apanhar, ainda assim os baldes de água seriam  lançados sobre as pequenas formigas.
Pela simples razão, como disse a senhora ex-ministra das finanças, que o menino sádico se vai entreter a lançar baldes sobre as formigas médias, aquelas das longitudes e latitudes europeias e, de acordo com a noticia de hoje do DN, que dá conta da dificuldade de Obama para aprovar o aumento do endividamento dos USA, já há baldes cheios de água para deitar em cima das formigas grandes.


Ora, tal como no caso das formigas, não eram os fulanos que recolheriam as preferencias dos eleitores que iam influenciar as agencias de rating.
Pelo que, como cidadão, tenho de ponderar a hipótese de que houve uma intenção deliberada de induzir os cidadãos ao voto mediante premissas falsas, o que eventualmente retirará legitimidade ao exercício ds cargos de acordo com os respetivos programas eleitorais (aconteceu há uns anos no Brasil: os cidadãos organizaram manifestações em que diziam "Devolva-me o meu voto", e na Hungria, em que o candidato que ganhou as eleições confessou ter mentido na campanha).
A menos que, como dizia o comentador do DN, a credulidade nos dogmas adam smithistas das privatizações e a generosidade juvenil do novo governo sejam sinceras.

De modo que eu proporia ao senhor presidente da Republica e ao senhor primeiro ministro (as pessoas, quando levam murros no estomago, devem ser ajudadas pelas outras pessoas, quer sejam de direita, quer sejam de esquerda, a endireitarem-se, e quem leva os murros deve aceitar a ajuda sem perguntar se a ajuda é compativel ou não com os principios ideológicos) que se virassem com humildade para os partidos que se sentam mais à esquerda no Parlamento e ponderassem bem as sugestões que de lá veem, para que os sacrificios se estendam tambem aos lucros e às transações dos bancos, das seguradoras, das financeiras, dos off-shores, dos grandes grupos económicos (do poder insaciável na sombra e não só do poder explicito, como diz a deputada Maria de Belem), tal como Durão Barroso concordou, quando lamentou o G20 não querer ajudar.(e não, e não só, então quando se começa a tratar a sério dos eurobonds, da agencia de notação europeia publica com mecanismos de controle dependentes de resultados eleitorais, da libertação do BCE relativamente à banca privada, etc, etc?).
Para que se comece a pensar a sério na renegociação da dívida (o exemplo da Islandia não serve?)
Para que se fizesse como na Medicina, ou na reparação eletrónica: põe-se um marcador ou injeta-se um sinal à entrada e vai ver-se onde ele vai parar, refiro-me ao destino dos tais 12 mil milhões de euros que entraram recentemente; saber para onde eles foram, se para os 130% do PIB da divida publica e empresas publicas, se para os 230% do endividamento privado e atuar em conformidade, com planos de reconversão das empresas que contribuem para a gordura do endividamento privado.

É que ninguem quer que os senhores deixem  os vossos cargos, mas que os exerçam envolvendo o maior numero possivel de cidadãos e cidadãs, com todas as dificuldades que nós portugueses temos em trabalhar em grupo, e com a necessidade que temos de saber que os sacrificios estão repartidos por todos, como dizia Adam Smith, "conforme as suas possibilidades".

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