Este pequeno texto é dedicado a todos os portugueses que deram prioridade à construção de infraestruturas rodoviárias, desde que beneficiámos dos fundos da EU.
Parafraseando o ministro do reequilíbrio orçamental a todo o custo e da promoção em Wall Street das aplicações em Portugal, tentarei argumentar vagarosamente.
Tentei fundamentar o texto com cálculos e com princípios físicos , segundo metodologia pouco utilizada pelos senhores decisores quando falam de assuntos de transportes, por preferirem a adjetivação ou a subordinação a princípios ideológicos à argumentação quantificada.
Seria muito interessante e desejada a correção de um ou outro cálculo por um leitor mais informado.
1.Autocarro
Consideremos um autocarro com motor de explosão para 70 passageiros com as seguintes caraterísticas:
Massa sem passageiros………… 12 ton
Massa com 70 passageiros…. M=17 ton
Comprimento ……………….… 12 m
Secção frontal …….....……….. A=7 m2
Vamos tentar averiguar a eficiência com que este autocarro transporta passageiros em troços com paragem de 1000 m num percurso de alguns quilómetros, por exemplo 10 km.
Para isso, vamos considerar uma fórmula empírica que dá a resistência ao deslocamento de um autocarro cheio em função da sua massa, secção frontal e velocidade:
R = 76 M + 0,56 M V + 0,02 AV2
R vem expresso em Newton, M em ton , A em m2 e V em km/h ;
76 e 0,56 são coeficientes de resistência ao rolamento e 0,02 é um coeficiente de resistência aerodinâmica (drag em inglês)
Substituindo pelos valores acima temos
R = 1292 + 9,52 V + 0,14 V2
Para vários valores de V obtemos a seguinte tabela:
V = 0 20 30 40 50 60 70
R = 1292 1538 1704 1897 2118 2367 2644
2.Elétrico
Comparemos agora com um veículo ferroviário que é teórico, mas de construção viável, um elétrico, por exemplo (notar que, para as mesmas dimensões, a massa do veículo ferroviário é superior cerca de 6 toneladas devido aos componentes de conversão de energia elétrica a partir da catenária):
Massa sem passageiros………… 18 ton
Massa com 70 passageiros…. M=23 ton
Comprimento ……………….… 12 m
Secção frontal …………....….. A=7 m2
Fórmula da resistência ao deslocamento, agora com os coeficientes aplicáveis a veículos ferroviários:
R = 25 M + 0,6 M V + 0,02 AV2
de notar o menor coeficiente de resistência ao rolamento, devido à menor deformação da roda de aço e do carril na zona de contacto; no caso dos pneumáticos é a deformação nesta zona que aumenta a resitencia ao rolamento devido ao aumento da superfície de contacto e ao aumento da temperatura (perdas de conversão da energia mecânica do motor em calor)
substituindo valores:
R = 575 + 13,8 V + 0,14 V2
Conduzindo à seguinte tabela:
V = 0 20 30 40 50 60 70
R = 575 851 989 1127 1265 1403 1541
Verifica-se assim que, em percurso retilineo e plano, a resistência que se opõe ao movimento de um veiculo rodoviário é cerca do dobro da força resistente no caso do veículo ferroviário com a mesma capacidade de passageiros.
Daqui resultará para o veículo ferroviário menor energia no arranque e maior distancia percorrida para a mesma velocidade de passagem à deriva (motor elétrico) ou ao ponto morto (motor de explosão), ou menor energia necessária para manter a mesma velocidade.
3.Automóvel
Vejamos o caso de um automóvel:
Massa sem passageiros………… 1,1 ton
Massa com 5 passageiros…. M=1,5 ton
Comprimento ……………….… 5 m
Secção frontal …....………….. A=2 m2
R = 76 M + 0,56 M V + 0,02 AV2
R = 84 + 0,62 V + 0,04 V2
Conduzindo à seguinte tabela:
V = 0 20 30 40 50 60 70
R = 14,7 48,3 77,2 114 158,8 211,6 272,4
4.Resistencia ao movimento por passageiro
A exposição está um pouco maçuda, mas devo apresentar os resultados da força de resistência ao movimento por passageiro, o que dá uma ideia da energia que é necessário consumir para deslocar um passageiro.
Obtêem-se os seguintes valores de resistência específica para as velocidades de 30 e 50 km/h:
30km/h 50km/h
Autocarro….…… 24,3 N/pass 30,3 N/pass
Elétrico ………… 15,9 N/pass 23,1 N/pass
Automóvel ……. 15, 4 N/pass 31,8 N/pass
Mas devemos ainda considerar os valores para uma taxa de ocupação de cerca de 26% (autocarro e elétrico 18 passageiros; automóvel 1,3 passageiros), o que dá os valores de resistencia específica por passageiro para 30 e 50 km/h:
30km/h 50km/h
Autocarro ……….. 75,8 N/pass 96,6 N/pass
Elétrico………….. 46,1 N/pass 69,4 N/pass
Automóvel ……… 72,9 N/pass 141,5 N/pass
Quer isto dizer que, para velocidades instantâneas baixas e para taxas de ocupação elevadas, o automóvel é superior ao autocarro e competitivo com o veículo ferroviário, se não considerarmos a questão das emissões de gases com efeito de estufa.
5. Energia e emissões de CO2 para 10 percursos de 1000m
Para comparar as energias requeridas por cada modo de transporte vamos obrigar cada um deles a cumprir o mesmo diagrama de marcha simplificado num percurso tipo, plano e retilíneo de 1000 m, com aceleração e desaceleração de + e - 1m/s2 , e velocidade média de patamar de 60 km/h.
Vamos considerar a taxa de ocupação de 26% e 10 percursos iguais de 1000 m, com paragens de 15 segundos entre cada percurso.
E tentar calcular a energia consumida ao nível das rodas para cumprir o diagrama de marcha, utilizando a fórmula da mecânica newtoniana para cada incremento i de 10 km/h da velocidade:
Fti – R = ma
Sendo:
Fti a força de tração desenvolvida pelo motor e aplicada às rodas
R a força de resistência ao movimento
m a massa do veículo e passageiros
a a aceleração no incremento de 10 km/h da velocidade
A energia consumida pelo motor e aplicada às rodas será então, em cada incremento, o produto de Fti pelo espaço incremental percorrido.
A energia de tração para cumprir o diagrama de marcha de 0 a 60 km/h com a aceleração de 1m/s2 será , para cada veículo, em kWh:
Autocarro……. 0,117 (para 18 passageiros)
Eléctrico ….…. 0,111 (para 18 passageiros)
Automóvel .….. 0,015 (para 1,3 passageiros)
E para manter a velocidade a 60 km/h ao longo do patamar de 722 m a energia será:
Autocarro ……. 0,395 (para 18 passageiros)
Eléctrico ………0,301 (para 18 passageiros)
Automóvel …… 0,048 (para 1,3 passageiros)
A comparação destes valores permite ver a menor eficiência do automóvel para mesma taxa de ocupação.
Mas interessa ver qual a energia primária , isto é, aquela que é retirada das fontes primárias de energia na natureza, convertida nas centrais eléctricas ou transportada e consumida em cada modo de transporte.
No caso dos autocarros, considerou-se:
- a energia consumida nos auxiliares (iluminação, AVAC, compressores, conversores),
- os rendimentos dos motores e das transmissões dos veículos ,
- o fator de agravamento devido aos consumos nas empresas de transportes (incluindo águas, papel, resíduos, aquecimento, viagens de empregados), na construção e manutenção de estações, vias e material circulante, e que se repercute no consumo de cada veículo da empresa
- o fator de agravamento para o cálculo da energia, devido ao transporte, refinação e extração do poço ao depósito
Todos estes factores vão agravar a energia consumida no motor conduzindo ao valor da energia primária necessária para o movimento do veículo.
No caso dos automóveis, o raciocínio é semelhante, com a substituição dos custos devidos à empresa de transportes colectivos pelo fator de agravamento na construção e manutenção de postos de abastecimento, oficinas, rodovias, parques de estacionamento e dos autos.
No caso dos eléctricos, dado que a energia consumida provem, através da catenária (ou carril de energia) de alimentação, de um misto de energia primária fóssil e renovável, houve que considerar uma fórmula de repartição dos dois tipos de energia.
Considerou-se também a energia devolvida à rede devido à travagem com regeneração durante a primeira parte da desaceleração no diagrama de marcha.
É assim essencial obter uma componente elevada na produção de energia eléctrica a partir de fontes renováveis, não só para reduzir as importações mas também para contribuir para a descarbonização e redução da dependência dos combustíveis fósseis.
Utilizou-se o valor de 11628 kWh como equivalente de uma tonelada de petróleo (tep ou toe).
Obteve-se o seguinte quadro resumo para os consumos e custos de energia primária e emissões de CO2 por passageiro.km, para percursos de 10 km planos e rectilíneos com patamares de 60 km/h e taxa de ocupação de 26%:
RESUMO para o diagrama de marcha vel.máxima 60km/h e percursos planos e retilineos de 1km e ocupação de 26%
autocarro elétrico automóvel
energia primária por pass.km em Wh .................................. 132 68 243
energia primária por pass.km em gep (gramas
equivalentes de petróleo) ............ 11 6 21
parte importada da energia primária por pass.km em gep ..... 11 2 21
custo em centimos da parte importada da energia
primária por pass.km ....... 0,78 0,17 1,55
emissões de CO2 por pass.km em g ..................................... 28 14 52
A diferença de eficiência dos modos de transporte fica aqui bem patente, indiciando graves desperdícios quando se dá preferência ao modo automóvel ou, em segunda prioridade, ao modo rodoviário.
6. Desperdício numa área metropolitana de transportes
Para explicitar a última afirmação, simulou-se a distribuição pelos três modos de transporte das deslocações diárias numa área metropolitana.
Considerou-se uma situação presente e a que resultaria de uma transferência de 10% das deslocações em modo automóvel para modo ferroviário, e por comparação deduziu-se o desperdício que representa não se fazer essa transferência.
Considerou-se a seguinte distribuição actual, com 3,5 milhões de deslocações diárias com um percurso médio de 10 km por deslocação:
Autocarros ……………. 15%
Elétricos e comboios ….. 25%
Automóveis ….…………60%
e a seguinte distribuição futura:
Autocarros ……………. 15%
Elétricos e comboios ….. 35%
Automóveis …….………50%
Os custos anuais com a importação da energia primária necessária ao funcionamento do sistema de transportes da área metropolitana, com esta distribuição modal, são de cerca de 115 milhões de euros e as emissões anuais são de cerca de 414.000 toneladas de CO2 .
Obteve-se o seguinte quadro resumo dos desperdícios por não se fazer a transferência de 10 %, em custos anuais da parte importada da energia primária (desperdício de cerca de 15 milhões de euros por ano) e de emissões a mais de CO2 (cerca de 40.000 toneladas a mais por ano).
Estes valores são semelhantes aos que se obteriam se, em vez duma transferência de 10 de deslocações, 16,7% de utilizadores de automóvel optassem por deixar o automóvel em parques de estacionamento à entrada da cidade e completassem as deslocações em modo ferroviário urbano (i.é, aumento de 10% do numero total de deslocações e correspondente diminuição do percurso médio):
Desperdício anual na manutenção da situação atual não se fazendo a transferencia de 10% do modo automóvel para o modo ferroviário
em custos da parte
importada da energia
primária em Meuro
em emissões
a mais de CO2
em tonCO2
deslocações em transporte privado (auto) ........................................16,4 55151
deslocações em suburbano rodoviário e urbano rodoviário (bus) .......0,0 0
deslocações em suburbano ferroviário e urbano ferroviário (tram).... -1,8 -15169
total das deslocações ................................................................. 14,6 39981
7. Conclusões
1 – a eficiência energética por passageiro.km do modo automóvel (inverso de 243 Wh/por pass.km) é menor relativamente à do modo autocarro (inverso de 132 Wh/pass.km)
2 – a eficiência energética por passageiro.km do modo autocarro é menor relativamente à do modo ferroviário (inverso de 68 Wh/pass.km)
3 – as emissões de CO2 por passageiro.km do modo automóvel são mais poluentes do que as do modo autocarro e este mais poluente do que o modo ferroviário
4 – o desperdício por não se transferir deslocações do modo automóvel para o modo ferroviário é responsável por um desperdício em importação de combustíveis fósseis da ordem de 15 milhões de euros por ano e em emissão de CO2 de 40.000 toneladas de CO2
Cálculos justificativos no seguinte ficheiro Excel:
https://skydrive.live.com/redir.aspx?cid=95ca2795d8cd20fd&resid=95CA2795D8CD20FD!1160&parid=root
ou:
https://skydrive.live.com/redir.aspx?cid=95ca2795d8cd20fd&resid=95CA2795D8CD20FD!1160&parid=95CA2795D8CD20FD!120&authkey=!AANpXq4A8zl86tI
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