Tal como o naufrágio da Medusa, em 1816 ( http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=medusa ), retiraram-se ensinamentos do desastre do Titanic, passando a vigorar normas mais rigorosas de segurança.
No entanto, algumas questões permanecem.
Analisadas agora as chapas e os rebites utilizados na construção do Titanic (e do seu gémeo Olimpic) verificou-se que alguns eram de menor qualidade. Terão sido utilizados por falta de material para a construção num período de intensa procura.
Ter-se-á poupado no peso dos compartimentos estanques e no casco duplo (só o fundo estava reforçado), porque se pretendia um navio capaz de velocidades elevadas (23 nós de velocidade máxima).
Afinal, a White Star poupou bastante na construção. Até na falta de binóculos e de baleeiras de salvamento.
Se tudo corresse bem, o navio era ótimo, como aconteceu com o Olimpic, mas não estava preparado para navegar no meio de icebergs.
Nos tempos que correm, a rapidez de execução (para economia de custos de construção) e as velocidade elevadas (para rendibilidade da exploração) continuam a ser inimigas da segurança, o que volta a pôr a questão do lucro versus segurança nos transportes.
Isto é, é perigoso insistir na tecla do “fazer mais com menos” e de conseguir economia de custos “custe o que custar” (expressão recentemente utilizada pelo ditador argentino Videla, ao afirmar que as sete mil vítimas que confessou terão sido o preço a pagar para evitar a subversão).
Graças às notícias sobre o centenário do afundamento, construí o pequeno quadro com as percentagens das vítimas.
O objetivo não é emitir juízos de valor sobre uma prática corrente na altura (a rentabilização de um navio de luxo graças ao elevado número de passageiros de 3ª classe em condições menos seguras do que em 1ª classe – metáfora de uma forma de organização de uma sociedade) mas mostrar um exemplo de aplicação estatística que revela a correspondência, ou correlação, entre a organização da sociedade e os resultados de circunstancias externas desfavoráveis.
A percentagem de vítimas entre os tripulantes foi superior à dos passageiros, o que honra a memória dos tripulantes.
A percentagem de vítimas entre os passageiros de 3ª classe foi semelhante à dos tripulantes.
A percentagem de vítimas entre os passageiros da 2ª classe foi inferior à da 3ª classe, e a da 1ª classe inferior à da 2ª classe.
A percentagem de vítimas entre os passageiros da 1ª classe (37,5%) foi cerca de metade da percentagem total de vítimas (68%).
Os normativos navais foram alterados para evitar esta distribuição, (idem para os normativos de arquitetura de edifícios, estações de comboios e recintos desportivos em termos de segurança de evacuação) mas a metáfora não garante que o mesmo tenha sido feito para a organização da sociedade, ou terá sido escrita a declaração universal dos direitos humanos, mas os governos não a aplicam.
Notas sobre as condições do naufrágio:
1 – A simples aplicação das regras de navegação teria evitado o acidente. No entanto, a White Star queria reduzir os tempos de viagem. Não compete a uma administração de uma empresa de transportes definir as velocidades de segurança dos seus meios, compete aos técnicos. Naquelas circunstancias, não deveria ter-se seguido a rota mais curta (a ortodromia), mas a loxodromia (a rota de ângulo constante com o meridiano), mais a sul, ou simplesmente fazer-se como os outros navios, parar.
2 – Não é uma crítica ao oficial que ordenou a viragem a estibordo tentando evitar o icebergue, mas a ironia do destino é que provavelmente o navio ter-se-ia salvo se tivesse batido de proa, inundando apenas alguns compartimentos estanques. Também na vida real às vezes mais vale deixar bater do que tentar fugir, mas ninguém pode saber quando se vê numa situação dessas.
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