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e espera poder vir comentar algumas das intervenções realizadas, quer do ponto de vista da análise das dificuldades de investimento que nos afligem, quer do ponto de vista de algumas soluções propostas.
Dada a complexidade dos problemas, apenas abordo o tema, de momento, numa perspetiva de impressões e emocional, porque os técnicos também têm uma componente emocional e também se impressionam cm fatores mais ou menos subjetivos, pelo que o que se segue é apenas uma lista de impressões.
1 - começo por elogiar a forma de realização do congresso, com pequenas exposições pelos especialistas convidados em cada sub-tema e depois, com mesas redondas reunindo especialistas e com possibilidade de colocação de perguntas pela assistencia (reconheço a grande dificuldade de implementação do modelo de divisão da assistencia, em cada sessão, em grupos menores e posterior recolha e classificação das propostas de cada grupo, de modo a permitir uma maior participação dos assistentes)
2 - foi pena nenhum dos moderadores e coordenadores de sub-temas ter dado relevancia à pergunta de uma assistente, que questionou o que se deverá fazer para evitar o clima de suspeição e de menosprezo que se vive atualmente entre muitos passageiros do serviço público e os funcionários das empresas públicas de transportes, ignorando assim a dedicação e a competencia técnica de muitos.
Basta ouvir os comentários dos passageiros, especialmente em dias de greve (não estou a analisar aqui a justeza ou não das greves de transportes), e ler as caixas de comentários na internet.
Apenas um dos participantes de uma mesa redonda chamou a atenção , com exemplos práticos e históricos, de que empresas públicas podem executar a prestação de serviços tão bem ou melhor e mais barato do que empresas privadas; que o que determina isso não é o carater público ou privado mas a qualidade da gestão dos meios.
Eu diria que para existir um clima de concórdia entre passageiros e funcionários, o governo poderia acabar com as acusações que aparecem na comunicação social, desde o senhor ministro da economia e transportes e o senhor secretário dos transportes a anunciar que vão acabar com as regalias dos funcionários e que vão reduzir os quadros de pessoal, a culpabilizá-los por uma dívida que por ser a dos investimentos em infraestruturas nunca deveria ser dívida da empresa que opera e que mantem os seriços; e também seria bom sentarem-se com calma à volta de uma mesa e debater com cálculos a repartição dos sacrificios da época por todos, funcionários, passageiros, grandes grupos económicos, rendimentos de capital
Mas reconheço que é difícil, com os métodos de análise, de formação de opinião e de tomada de decisão que a maioria dos portugueses prefere, incluindo os que estão no governo ou nos orgãos que o sustentam.
3 - pena também não ter sido posta a tónica na existencia de fundos comunitários para projetos QREN de infraestruturas, embora se conheça a apetencia do governo para desvio dessas verbas para outras rubicas orçamentais. Dado o programa QREN ter continuidade para o período 2014-2020, seria desejável que já se estivesse a todo o vapor a desenvolver projetos (a atribuição dos fundos exige a conclusão dos projetos) , saindo da situação degradante qu se vive, de assistir a desistencias de obras já iniciadas e a projetistas sem trabalho, sendo certo que reatar um atividade é sempre mais dispendioso do que manter a atividade em "lume brando".
4 - interessantissima a reação de um dos moderadores, jornalista especializado em temas económicos, ao manifestar a falta de comunicação e de informação entre os especialistas de transportes e a comunicação social e o público, e o tempo que levou a decidir a localização do novo aeroporto, o traçado do TGV, etc.
Esta ideia foi apoiada pelo senhor deputado à AR convidado para a mesa redonda, que se queixou dos técnicos não habilitarem os políticos com a informação suficiente para a tomada das melhores decisões e se confessou confundido com a problemática da ligação em mercadorias à Europa.
Existe um efeito interessante quando se fala de assuntos complexos como o planeamento de redes de tansportes.
É o de que se podem tomar decisões sem discutir cálculos (não apenas cálculos económicos, claro, também fazem falta os cálcuos energéticos e os cálculos dos benefícios sociais) e as questões técnicas (por exemplo, para discutir um traçado ferroviário têm de se analisar as pendentes do percurso, a eficiencia energética po passageiro.km ou por tonelada.km; é típico de um governo escolher uma solução com outros critérios, considerá-la como que uma revelação divina a impor de cima para baixo, como se tem podido continuar a observar).
Depois das coisas acontecerem, é fácil explicar por que correram mal (atualmente, tem sido muito visivel neste aspeto a atuação do Tribunal de Contas).
Em qualquer dos casos, ninguém se lembra de perguntar a opinião de quem emitiu previamente opiniões contrárias às decisões mal tomadas.
E como consequencia destas duas tendencias, surge o efeito de pelourinho, ou de condenação de quem tomou as anteriores deisões (não estou a analisar aqui a justeza ou não de decisões anteriores).
Por exemplo, no próprio congresso se assistiu ao representante de uma companhai de transporte ferroviário de mercadorias pedir que se mantenha e invista na bitola ibérica enquanto decorrer o longo período de conversão para a bitola internacional e de construção das novas linhas nesta bitola.
Dir-se-ia que o canto de sereia da bitola internacional que se ouve nas reuniões entre o senhor ministro da economia e transportes português e a senhora ministra do fomento espanhola é apenas mais um exemplo da forma nebulosa de tratar das questões do futuro.
E eu diria que dificilmente evitaremos o recurso, ao longo do processo e em casos concretos, à famosa travessa bi-bitola e aos inter-cambiadores.
travessas bibitola em Barcelona |
5 - o efeito pelourinho afetou alguns dos apresentadores de sub-temas do congresso. Foi muito falada no congresso a síndroma dos 60 anos - o tempo entre a constituição da sociedade do metropolitano de Lisboa e a ligação ao aeroporto da Portela, como exemplo de uma decisão tardia.
Possivelmente quem se escandalizou com os 60 anos (aliás 50 anos após o início das circulações) ignora como era dificil obter financiamento para as obras do metropolitano, que deram prioridade ao descongestionamento do tráfego urbano na primeira fase e, depois de 1988 (expansão a Colégio Militar e a Cidade Universitária), ao serviço da população da periferia do municipio de Lisboa e às ligações às redes suburbanas.
Igualmente ocorreu o episódio da Expo98, com alteração da estratégia de desenvolvimento da rede do metropolitano ao ser decidido pelo governo o carater transversal à cidade da linha vermelha.
A decisão de servir o aeroporto surgiu assim já nos primeiros anos do século XXI, beneficiando de um financiamento de fundos europeus.
Os cidadãos têm, é evidente, alguma razão ao criticarem as decisões erráticas que presidiram às sucessivas fases da expansão do metropolitano.
Mas podiam pensar que isso aconteceu principalmente porque as decisões estavam confiadas, não aos técnicos mas aos administradores nomeados com critérios mais ou menos partidários para executarem as políticas dos vários governos.
Isto é, o critério de escolha de soluções não se baseava principalmente em razões técnicas.
No caso da extensão ao Aeroporto, como exemplo de subordinação a critérios extra-técnicos, foi rejeitada pelos decisores a solução mais económica de ligar a nova estação Oriente ao Aeroporto em viaduto (estação enterrada no Aeroporto, mas em viaduto com correspondencia no Oriente), com recurso a material circulante mais ligeiro.
A duração da obra e os problemas contratuais que a envolveram estão mais ligados às dificuldades geológicas do traçado escolhido do que às "derrapagens" sistematicamente invocadas pelo Tribunal de Contas.
Estas razões permanecem na obscuridade, não são assimiladas as lições da experiencia e corre-se o risco de voltar a cometer-se os mesmos erros.
Dir-se-ia que só um grupo de técnicos pluri-disciplinares capazes de trabalhar em equipa de forma subordinada aos critérios da boa técnica e com autonomia para escolher as melhores soluções poderia evitar esses erros (mais uma vez recordo o estudo das técnicas de gestão no livro A sabedoria das multidões, de James Surowiecky).
Para que não se diga que os técnicos do metropolitano da altura sofriam da síndroma dos 60 anos, manda a verdade histórica dizer que a estrutura técnica do metro, no início dos anos 80 do século passado, quando estudou a expansão da linha verde para o Campo Grande, propôs aos outros operadores de transportes a criação de um grande interface entre a estação Alvalade e a estação Campo Grande, com operadores rodoviários e ligação subterranea ao aeroporto.
Ninguém, fora do metropolitano, manifestou interesse nessa ligação.
Que não se diga que o metropolitano nunca pensou em servir o aeroporto.
Critique-se antes a estrutura anquilosada, já de há muitos anos, não só da estrutura de operadores de transportes, mas tambem dos métodos paralisantes (por dependencia das politicas partidárias) de escolha dos decisores e pela falta de métodos de trabalho em equipa eficientes.
Seria interessante pensar nisso, numa altura em que as decisões do PET são impostas pelo governo sem a adequada participação de muitos agentes do setor de transportes, isto é, em que se contiua a decidir num círculo restrito, sem amplo debate das soluções entre os técnicos do setor e sem a comunicação social compreender as questões técnicas em jogo.
6 - Foi também muito falada no congresso a ilusão de que contratos transparentes, definindo com muita precisão os parâmetros da prestação do serviço público dos transportes, conteriam as despesas.
A mim me parece de uma grande ingenuidade, aliás partilhada pelo senhor secretário de estado dos transportes na sua intervenção, desejando que do congresso saissem sugestões para que os operadores privados de transportes tivessem melhores condições de apresentar propostas para as concessões e privatizaçoes.
De nada parece servir a experiencia já tida, quer em Portugal com as PPPs, quer especialmente em Inglaterra (os transportes serão o nosso Waterloo, dizia Thatcher), quer com as dificuldades de prever na fase de contrato todas as dificuldades que poderão surgir (é sempre mais fácil falar depois do fim da obra e criticar o que correu mal, do que prever, especialmente quando não se tem exepriencia de condução de obra).
As pessoas continuam a ter uma fé cega em contratualizações de serviço público, quando do ponto de vista técnico pareceria que a qualidade de um serviço se mede com a monitorização constante dos indicadores de efiiencia, que qualquer técnico com um minimo de experiencia sabe avaliar se está ou não bem, se evolui como desejado e se está ao nivel das empresas homólogas.
Será talvez mais um exemplo dos perigos da interferencia de decisores sem conhecimento direto do negócio na definição das condições de privatização ou concessão do serviço público de transportes.
O perigo das concessões e das privatizações que os decisores desejam é principalmente, depois da concesão ou da privatização, torna-se cada vez mais difícil à entidade pública exercer a regulação ou a fiscalização porque vai continuamente e inapelavelmente perdendo o "know-how".
Não se pode controlar quando não se tem experiencia no negócio, para mais em contínua evolução.
7 - Ryanair - curiosa a intervenção de um representante da Ryanair, criticando a gestão do aeroporto da Portela e propondo-se tomar conta dele, provocando um efeito de expansão. É necessário ter muito cuidado com o canto de sereia das "low cost".
O aeroporto da Portela está saturado, não tem hipótese de uma segunda pista, as obras que se possam fazer nesta pouco aumentam a capacidade do aeroporto, as taxas têm de ser elevadas para conter a procura e, facto a não esquecer, a sua localização na cidade contraria as regras da UE sobre ruido.
A Ryanair teve o desplante de propor há pouco tempo a supressão do co-piloto; ainda manterá a proposta depois do incidente com o piloto da BlueLine num voo interno nos USA que teve um ataque de panico, sendo a situação salva pelo co-piloto? Por falar em companhias "low cost", é interessante notar que a Americain Airlines, a campeã do "yeld management" (tarifário discriminatório) declarou-se em bancarrota em novembro de 2011, seguindo-se o costumado despedimento de milhares de funcionários.
8 - o problema do desequilíbrio tarifário - finalmente, a impressão sobre o problema das tarifas, que aproxima o setor dos transportes da educação e da saúde. Nenhum sistema de transportes tem as despesas operacionais cobertas pelas receitas porque qualquer excesso deve ser convertido em grande manutenção ou investimento. O equilibrio e a possibilidade de algum grande investimento só poderão vir de receitas extras (caso das portagens em Londres, Oslo e Estocolmo, da taxa "versement transport" em Paris, de taxas sobre os combustíveis de internalização das externalidades devidas aos impactos ambientais).
Em Portugal a solução teórica e insuficientemente aplicada foi a das indemnizações compensatórias. Vem agora o senhor secretário de estado anunciar que até 31 de dezembro de 2012 os operadores públicos de transportes apresentarão EBIT não negativo (mais um exemplo da fé que indicadores virtuais representam melhor a realidade do que os indicadores adotados pelos atores do negócio e que melhor refletem o seu funcionamento).
O que, a ser possível, quereria dizer que, afinal, as empresas públicas não estavam a funcionar tão mal como isso e que os seus trabalhadores tinham sido eficientes.
Segundo um dos coordenadores do congresso, o objetivo poderá ser atingido com alguma criatividade contabilística , como por exemplo uma interpretação favorável das provisões e depreciações, ou do carater extraordinário de fatores negativos.
Para isso tambem contribuirão em larga escala os cortes agressivos em investimento, manutenção, operação, remunerações e quadros de pessoal, que tem tambem outras consequencias, como diminuição da qualidade, eventualmente dos níveis de segurança, geração de despesas futuras para reposição dos níveis anteriores, desmotivação e consequente baixa de produtividade dos funcionários; e eventualmente o reforço das indemnizações compensatórias...
O mesmo coordenador foi mais claro do que eu: não podem continuar a aumentar-se as tarifas (lei de Laffer, acima de um certo valor, o aumento das tarifas provoca abaixamento das receitas) nem podem transformar-se em redes "low cost".
A unica hipótese de rentabilizar o transporte público (aumentando as suas taxas de ocupação) é penalizar o transporte individual, já de si tão penalizado e fonte de receita fiscal.
E o mesmo para o transporte ferroviário de mercadorias relativamente ao tráfego rodoviário (já existe na UE uma taxa de externalidade a pagar pelo transporte rodoviário para compensar as emissões de CO2; idem para as companhias de aviação).
Conclusão - Se o senhor secretário de estado dos transportes, e o senhor ministro da economia e transportes, quiserem retirar alguns ensinamentos deste congresso, poderão fazê-lo porque algumas das intervenções foram muito didáticas, e só terão vantagens em desistir da sua postura de detentores do único caminho e aprender com os técnicos do setor.
Nota: "Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization" - "Resultados Antes de Juros, Impostos, Depreciações e Amortizações"
EBITDA = Resultado Operacional(EBIT) + Amortizações + Provisões - Ganhos extraordinários + Perdasextraordinárias que estejam a afectar o EBIT
PS - Releio este texto e ocorre-me que os critérios diretores da política económica e financeira da UE são claramente uma expressão ideológica de direita que não tem em consideração o peso dos eleitores de esquerda europeus. Desde a resistencia à taxa sobre as transações financeiras, às eurobonds, à centralização das dívidas e aos empréstimos diretos aos governos a juro baixo, até aos dogmas da concorrencia "a tout prix" e da proteção dos grandes grupos, independentemente dos prejuízos para as populações, e da não consideração como prioritárias de políticas de emprego associadas ao desenvolvimento de infraestruturas, a UE impõe medidas de direita de forma desproporcionada à composição do Parlamento europeu.
A concorrencia não é uma panaceia de aplicação universal; há domínios em que é aplicável e outros que não. No setor dos transportes e da energia muitas vezes a subordinação às leis da concorrencia introduz riscos de falta de fiabilidade, de que são exemplo os apagões por descoordenação da distribuição de cargas entre redes ou riscos de segurança de que são exemplos os acidentes em vias ferroviárias partilhadaas por operadores diferentes ou as economias na formação de pessoal tripulante. Em qualquer caso, corre-se o risco do objetivo de lucro se sobrepor aos critérios de segurança.
Do dogma da concorrencia e da ideia continuamente martelada pelo pensamento dominante de que quem trabalha em empresas públicas é preguiçoso, incompetente e ineficiente (o que é objetivamente ofensivo para quem trabalha bem), resulta a perceção induzida que o valor do lucro de uma empresa privada é inferior às perdas de ineficiencia de uma empresa pública.
Pode ser nalguns casos, mas existem exemplos de boa gestão de empresas públicas por essa Europa fora que não confirmam o dogma.
Salvo melhor opinião, os cidadãos e cidadãs europeus deveriam estar protegidos contra este assalto que obriga a concessionar e a privatizar a todo o preço.
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