sexta-feira, 6 de abril de 2012

Que fica, se Roma passa?

A interrogação é dramática.
Deve-se a Santo Agostinho, no seu bispado no norte de África, magrebino como se diz agora, desgostoso com as notícias que lhe chegavam da assunção do poder pelos bárbaros em Roma, no século V.
Apesar de tudo, como já neste blogue se deixou escrito, é impossivel destruir tudo, e alguma coisa ficou da cultura clássica grega e romana.
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2011/09/splendidissime-civitatis.html

Ainda hoje foi notícia a atribuição de fundos europeus para a recuperação de Pompeia.
A cidade vítima de um terramoto e das erupções do Vesuvio, mas cujos danos principais se deveram ao bombardeamento pela aviação americana em 1943 e à incuria cultural de governos italianos.
Nem tudo, pois, desaparece, nem todas as peças dos museus de Bagdad e de Cabul.

Noutra escala, mais humana, é recorrente o desgosto de quem dedicou uma vida profissional a uma causa ver o desprezo com que novas gerações põem de lado a estrutura ou a forma de produção anterior.
Veja-se esta fotografia tirada no metro de Moscovo. O que pensará este homem dos atropelos ao modelo social de garantia das necessidades básicas e culturais das populações que os dinâmicos homens de negócios do seu país vão cometendo, em nome dos dogmas da economia de mercado?



Mas nem tudo terá passado, o código genético do homem continua o mesmo e a declaração universal dos direitos humanos ainda está em vigor, embora pouca atenção lhe dêem os governos no que toca à taxa de desemprego.

Mais próximo de nós, consideremos o testemunho do engenheiro Vasco Martins Costa, antigo diretor da extinta  direção geral dos edifícios e monumentos nacionais (em 2007), que cito com a devida vénia à revista Ingenium da Ordem dos Engenheiros, denunciando assim o afastamento da engenharia e dos engenheiros das grandes decisões nacionais:
- "A sociedade não tem a noção do que se perdeu com a desvalorização da capacidade técnica (dos engenheiros da função pública) e com a extinção de organismos ténicos na função pública"
- "O know-how das obras de conservação (dos monumentos) perdeu-se... aconteceu uma coisa parecida na Inglaterra de Thatcher"
- "apesar das dificuldades financeiras ... é necessário investimento em infra-estruturas novas e na recuperação ou manutenção das existentes"
- "a passagem do ministério a secretaria de estado das obras públicas marca a desvalorização da engenharia"
-" a Ordem dos Engenheiros e as universidades das áreas de engenharia poderiam criar uma entidade que ajudasse a colocar a engenharia ao nível daquilo que é o seu valor real para a sociedade".

É curioso como esta politica de desvalorização da engenharia me parece coincidente com o que se está a passar na empresas públicas de transportes; a acabar-se, com o pretexto das dificuldades financeiras, com a sua capacidade de engenharia; a entregarem-se decisões sobre questões técnicas a pessoas com outras formações ou com critérios não técnicos.
Inviabilizando a resistencia a essas dificuldades e comprometendo o futuro.
E também é curioso como foi o anterior governo, antes da declaração oficial do inicio da crise, que começou esse desmantelamento.
E que se desiluda quem tem fé em que grandes companhias privadas virão gerir melhor os transportes.
Pode ser que melhorem indicadores, mas a função de regulação de que tanto se fala para a função pública já não será eficaz porque se perdeu "know-how".
De nada serve fiscalizar ou regular se não se tem experiencia no negócio. E negócios de carateristicas técnicas precidam de experiencia real, não de regulador, para os seus técnicos se manterem atualizados tecnicamente.

Parafraseando o arquiteto de Moçambique, Pancho Guedes,

os políticos não percebem nada de engenharia nem de obras.
É isso, qualquer governo e qualquer sociedade precisam que a engenharia lhes explique bem os cálculos que fundamentam as soluções para os problemas, sem ocultações como vem sendo hábito, quer seja um problema de transportes ferroviários para Madrid ou os Pirineus, quer seja um problema de dimensionamento de uma barragem hidro-elétrica em Trás os Montes quer seja um problema de repartição de fontes de energia primária na produção de eletricidade.

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