Não, o tema da conversa não é a tentativa de explicação da
desagradável forma de expressão dos governantes, desde a inflexibilidade e a
não vacilação do primeiro ministro perante a dissonância entre a realidade e as
suas convicções, até às frases triclínicas do ministro das finanças de grande
desapontamento com o desemprego, quando um desemprego alto faz parte da sua
bíblia de conter o custo de vida e baixar os custos de produção do fator
trabalho.
O tema da conversa é a proposta de taxação dos depósitos
bancários em Chipre.
Já se propôs neste blogue o levantamento do sigilo bancário
(e, sob condições que contrariem a extorsão, a divulgação das declarações de
rendimentos), a taxação das transações financeiras e a taxação, sem custos para
o cliente, das operações no multibanco.
Os poucos comentadores deste blogue têm sido simpáticos e
têm-se abstido de manifestar escândalo perante essas propostas.
Provavelmente porque já estão escandalizados com os cortes
dos subsídios de férias e com as sobretaxas extraordinárias sobre salários e
pensões.
Talvez que o argumento contra as propostas deste blogue seja
a famosa confiança dos investidores e dos depositantes.
Que tais propostas afugentariam e enervariam “os mercados”,
apesar deste mesmo blogue já ter proposto a identificação dos ditos mercados,
nomeadamente os credores, não para exercer violência sobre eles, mas
identificar a legitimidade da dívida e as prioridades e faseamento da sua
liquidação.
Pensa este blogue que numa altura em que grandes empresas
transferem as suas sedes para in-shores como a Holanda, Londres ou Suíça, esse
argumento é fraco.
Acresce que este blogue tem presente, tal como qualquer
cidadão ou cidadã de hoje que tenha conhecido de perto representantes da classe
média dos anos 20 e 30 do século passado em Portugal, que era frequente a
posse, por cidadãos e cidadãs dessa classe média de contas bancárias na Suíça,
em França ou na Inglaterra.
Isto numa altura em que os pobres ministros das finanças da
I República lá iam equilibrando mais ou menos as contas, na ressaca da
bancarrota de 1892 (o célebre equilíbrio do manholas de Santa Comba vem na
sequencia de uma curva progressiva, sem brusquidão e portanto sem espanto) e os
governos, tan bien que mal, lá iam reformando a justiça e a educação
(nomeadamente o ensino técnico secundário e o ensino técnico superior),
enquanto a industria lentamente crescia e as concessões de serviços e
monopólios como o do tabaco ajudavam ao crescimento.
Faltava o dinheiro para as classes de menores rendimentos,
mas a classe média lá ia exportando divisas e recuperando alguns juros para
reinvestir em Portugal.
Isto apenas para dizer que não espanta que haja fugas de
capital numa altura crítica para o país, pelo que a taxação de depósitos
bancários poderá agravar uma situação, mas não a cria.
Tentemos algumas contas comparativas.
Este blogue não surpreenderá
os leitores, sendo adepto do levantamento do sigilo bancário, se os
informar que o seu escrevinhador tem cerca de 50.000 euros em certificados de
aforro (mérito da capacidade de investimento das gerações anteriores).
Valor inferior ao limite de 100.000 euros de garantia pelo
BCE.
Baixa da taxa de juro
dos certificados de aforro - Aconteceu, há cerca de 7 anos, um senhor
secretário de Estado do Tesouro se ter lembrado de reduzir as taxas de juro dos
certificados de aforro com o fim confesso de afugentar os aforristas (pobre
secretário de Estado convencido; uns anos depois ficou demonstrado o seu
disparate).
Supondo que o diferencial entre uma taxa justa e a taxa
artificialmente baixa foi ao longo destes 7 anos de 1%, temos que o humilde
bloguista foi prejudicado durante esse tempo em 500 euros por ano, isto é, num
total de 7x500=3.500 euros.
Não vi um único comentador lamentar este prejuízo, nem
rasgar as vestes por estarem a violar o sagrado direito à propriedade das
poupanças e das expetativas da sua rendibilidade, possivelmente porque
entenderiam que o escrevinhador deveria ter levantado o seu dinheiro e
investido no Lehman Bros ou na AXA (como alguns dos seus colegas fizeram) ou no
BPN, ou no BPP, ou no BCP ou …
Taxação de depósitos
em Chipre - Se os 50.000 euros tivessem sido taxados a 6% como parece ter sido a primeira ideia
para os depósitos em Chipre (segundo outras informações, a taxa para este montante
seria de 3%; suponho ainda que se trata de depósitos a prazo ou obrigações, e
ignoro se a proposta previa a conversão de metade do dinheiro obtido com a
taxação em obrigações, ou de obrigações em outras de prazo superior e juro
inferior), o escrevinhador teria sido prejudicado em 3.000 euros (em 1.500
euros se só metade fosse confiscado), valor portanto inferior ao da baixa da
taxa de juro dos c.a.
Taxa extraordinária
sobre as pensões – Não se estranhará também a divulgação da pensão bruta do
escrevinhador: 4.450 euros. A sobretaxa que está descontando é de cerca de 350
euros, o que dará por ano 350x14=4.900 euros. O que faz pensar o que leva
tantos comentadores a escandalizarem-se com a taxação dos depósitos de Chipre.
Possivelmente o facto de 40% dos depósitos (total dos
depósitos em Chipre 68.000 milhões de euros – em Portugal 130.000 milhões; PIB
de Chipre 18.000 milhões – em Portugal 165.000 milhões; mais uma vez, baixas
taxas per capita em Portugal) serem superiores a 100.000 euros e serem provenientes
de cidadãos russos, ingleses e holandeses que acharam que Chipre era um ótimo
off-shore para pagar menos impostos. Na verdade, a maior parte do esforço iria
recair nos depositantes estrangeiros, a uma taxa de 9,9% (embora esse esforço
fosse aliviado à custa dos depositantes entre 20.000 e 100.000 euros).
Que culpa têm as pessoas de menores rendimentos, que nem
sequer têm depósitos de 20.000 euros a render no banco, para sofrerem com esta
crise?
Racionalização da
proposta de taxação de depósitos – Existe uma concordância interessante entre o
escrevinhador e o comentador de economia no Dinheiro Vivo, aliás professor na
universidade de Columbia, Ricardo Reis, sobre esta questão.
Digo interessante porque o ponto se vista deste economista é
essencialmente liberal, o que não é propriamente o ponto de vista do
escrevinhador.
Mas as coisas estarão acima de pontos de vista, quando é o
interesse da comunidade que se pretende servir.
Diz Ricardo Reis que a taxação de depósitos bancários deverá
seguir a regra da senioridade quando o banco abre falência (o nosso BPN parece
que demonstrou que não havia dimensão em Portugal para tantos bancos e que
falência por falência mais valia evitar a fastura de 8.000 milhões a pagar
pelos contribuintes).
Quem primeiro deve ser pago, usando os ativos do banco
falido, serão os depositantes com menos de 20.000 euros (o escrevinhador
incluirá também aqui a garantia de emprego ou de subsidiação para os
trabalhadores não decisores, mas será esta outra discussão) .
Depois, os depositantes com mais de 20.000 euros e menos de
100.000.
Depois os depositantes com mais de 100.000 euros e os
investidores.
Finalmente, os acionistas, embora nessa altura pouco deverá
restar.
Que diabo, estas coisas estão tratadas há muito tempo nos
manuais universitários, porque cargas de água os senhores políticos, quer os
decisores do destino do BPN (e dos ativos da SLN), quer os senhores de Bruxelas
taxadores de depósitos ignoram os manuais?
Faz lembrar a distancia entre a universidade e a industria
(no pressuposto de que em casos concretos o know-how existe nas universidades).
Que coisa.
Não seria melhor taxar os depósitos a prazo do que cortar em salários e em pensões? do que estar a castigar as pessoas de menores rendimentos?
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