segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A manifestação pelos complementos de reforma


Chegada ao Terreiro do Paço; nesta perspetiva é visível a quebra  da linha das varandas; o assentamento do torreão poente é anterior à construção e reparação do tunel do metropolitano, com reforço dos terrenos com estacas de betão armado; no entanto, deverá contiuar a monitorizar-se a instrumentação instalada, desconhecendo-se se ela é feita

em frente do ministério das Finanças

Cartaz distribuido durante a manifestação
Dei por mim a lembrar-me de Galileu, ou melhor, da minha professora de filosofia a contar como Galileu, em prisão domiciliária por ter desafiado a teologia geocentrica dominante, se maravilhava como podia sentir prazer apesar de preso enquanto meditava nas duas novas ciências do tratado que haveria de publicar como fundamento da física experimental.
Assim também me senti no meio dos colegas que encontrei na reunião de reformados com as suas pensões complementares de reforma em risco de serem suprimidas pela lei do orçamento para 2014.
Estamos presos na armadilha de um governo incapaz de compreender o funcionamento das coisas e incapaz de sentir o que as pessoas sentem.
Mas o reencontro com antigos colegas é também um fator de contentamento.
De forma análoga ao que sentia Galileu, alegro-me ao ver o grupo quase completo a quem demos aulas para que fizessem o seu exame do antigo 1º ciclo e progredissem nas carreiras.
Ou o mestre das oficinas de material circulante com quem percorremos noites atrás de noites em ensaios para colocar o sistema de marcha automática em funcionamento na linha vermelha.
Ou o mestre serralheiro que no seu ultimo dia de trabalho, empurrado para a reforma antecipada, foi reparar a avaria de um motor de agulha, um parafuso deixado mal apertado pela empresa fornecedora, que paralisou a exploração no próprio dia da inauguração do prolongamento para Odivelas, depois dos senhores mnistros se terem retirado, muito contentes e ignorantes, como sempre.
Talvez algum governo peça desculpa mais tarde aos reformados a quem querem cortar os complementos de reforma, como a Igreja católica pediu três séculos depois da condenação de Galileu.
Mas de momento, os conselheiros de imagem do governo exploram as diferenças entre as pensões dos reformados do metropolitano e as da maioria da população.
Por isso a senhora que se senta ao meu lado num dos bancos da praça de Camões, enquanto se forma a manifestação de protesto do setor dos transportes contra a lei orçamento de 2014, protesta : “sou viúva e a minha pensão de sobrevivência vai ser cortada e é muito mais pequena do que os complementos que os senhores recebem, e ainda por cima fazem greve”.
Não vou contrariar a senhora, não gosto de arreliar ninguém, não lhe vou dizer que a asfixia que o governo pratica contra grupos a que chama “privilegiados”  acaba sempre por se repercutir em todos os outros escalões da sociedade, como se fosse o efeito de um multiplicador económico através dos mecanismos da procura interna. Por cada euro que se corta no rendimento de uns, mais do que isso acaba por se refletir no rendimento de outros.
Arreliada anda a senhora com o aumento da renda da casa e da eletricidade, que não vai poder repercutir ao hóspede a quem alugou um quarto.
Tão pouco lhe vou dizer que o nivelamento social se deve fazer por cima, não por baixo, e que a desigualdade de distribuição da riqueza tem mais a origem nas fontes do poder financeiro e económico do que nos reformados do metropolitano, como se prova com a cada vez maior concentração de riqueza em cada vez menos.
Mas o problema é real.
Como ganhar o apoio da população para as lutas dos trabalhadores do metro? como conseguir que os incómodos e desconforto que as greves provocam na população sejam menores do que  a solidariedade de todos contra um governo que os magoa e que não tem politicas de emprego e de investimento?
Volto-me para o meu amigo delegado sindical mas ele só me diz que já está marcado um programa de luta contra o governo através de greves em todos os setores.
Contraproponho “Está bem, não há dúvida que o atual governo é um obstáculo ao bem estar da população, mas vamos fazer greves que não prejudiquem a ida para o trabalho de quem ainda tem trabalho. Os comboios não deviam parar entre as 6:30 e as 10: 00 e entre as 17:00 e as 20:30 . As greves deviam ser de zelo, limitando as perturbações na circulação a pequenos atrasos nas estações para recordar normas de segurança, como nos aviões, partilhar com os passageiros a impotência para melhorar coisas como o acesso de pessoas com mobilidade reduzida, explicar por que as contas são negativas por incluirem o serviço da divida dos investimentos das expansões, por as indemnizações compensatórias serem insuficientes, por a repartição das receitas dos passes ser errada, por os governos não quererem dotar o metro de financiamento como o “versement” em França ou as mais valias imobiliárias em Hong Kong, explicar porque é um desperdício tanta deslocação em transporte individual e porque se justificam as multas por mau estacionamento e as portagens de acesso ao centro das cidades.
O prazer do reencontro é contrabalançado por notícias desagradáveis, de quem já faleceu, ou de quem não pode sair dos lares onde aguarda o fim.
“Você está mais gordo, tem de ter cuidado com a alimentação”.
Arrependo-me de ter dito isto. O moço, moço da minha idade, eletricista do material circulante responde : “É´dos tratamentos, estive a morrer com uma sepsis. Fiz uma biopsia num hospital privado por causa da prostata e sobreveio a infeção”
Oiço doutro lado a história do colega que morreu numa sessão de fisioterapia durante o período pós operatório da colocação de uma prótese na anca, noutro hospital privado muito cotado na opinião pública.
Se estes casos tivessem ocorrido num hospital público os consultores de imagem do governo tê-los-iam aproveitado para desmerecer no serviço nacional de saúde.
É´ doentia esta perseguição a tudo o que seja público.
Não é o ser público ou privado que define a qualidade de um serviço. Há espaço para todos, mas não para a mentira, para a ganancia e para a ignorância.
Doenças são conversas típicas de reformados.
A manifestação já arrancou.
“Transportes e comunicações, ao serviço das populações”, “Assim não vai dar, sempre os mesmos a pagar”, “Este governo hostil, quer destruir abril”.
Uma repórter de uma estação de TV aproxima-se do meu colega, atraída talvez pela sua boina basca:
- Posso fazer-lhe umas perguntas?
- Claro, mas não vai censurar o que eu disser?
- Não, não, só vamos ter de ajustar as respostas ao tempo disponível, por razões editoriais.
- Pois é, o editor faz cortes ao que o entrevistado diz, deixa   coisas importantes nos “brutos”, tal como o governo faz cortes cegos. Corta o que poderia contribuir para o PIB,  paralisa empresas como o metropolitano cortando-lhe o acesso aos fundos comunitários durante anos.
- Não acha que é injusto um grupo profissional como os reformados do metropolitano receberem complementos de reforma para os quais não contribuíram?
- Olhe menina, isso é verdade, uma parte da verdade, mas pedia-lhe que ouvisse o resto da verdade. O caso do metropolitano é mais grave do que na Carris e noutras empresas de transporte porque foi assim que foram negociadas as saídas antecipadas para poupar nos encargos de pessoal. Enquanto noutras empresas se negociaram indemnizações para saída antecipada, no metropolitano elas foram diferidas sob a forma de complementos de reforma. Devo dizer-lhe que na minha direção eu fiquei contrariadíssimo quando a administração negociou com as chefias intermédias, mestres e coordenadores técnicos, gente com muita experiencia, as suas saídas. Deixou-me sem enquadramento experiente para as tarefas de manutenção e de fiscalização das empreitadas. Também compreende-se, o objetivo era enfraquecer o metro para dar oportunidades ás empresas privadas para prestar serviços de manutenção.  
- São quase 14 milhões de euros por ano só de complementos de reforma.
- Pois são, mas também são cerca de 1400 reformados. Em média cada um recebe 670 euros por mês, e em média também, estimativa minha, cada um recebe uma pensão global bruta, pensão da segurança social mais complemento, de 2000 euros por mês.
Dir-me-á que é superior à da maioria dos reformados portugueses, mas repare que por comboios a andar e mantê-los em serviço em condições de segurança exige profissionais qualificados. E repare também que, para além dos cortes nas pensões da segurança social, para as quais descontaram, se a lei orçamento for aprovada assim
vamos ter um corte médio de 50% no rendimento.
Não parece que ninguém tenha um corte tão elevado.
Interrompo o meu colega para dizer à repórter:
- Quando entrei para o metro, antes do 25 de abril, vim ganhar 10 contos por mês. O meu colega que foi selecionado comigo pela EFACEC e quis lá ficar rapidamente atingiu 17 contos por mês. Na altura comprava-se um Toyota por 84 contos. Só nos anos 80, quando houve financiamento internacional para as expansões, começámos a ganhar tanto como os nossos colegas da CP.  A promessa do complemento de reforma era uma maneira de compensar o menor vencimento.
- Pode ser que o governo em vez de cortar todo o complemente de reforma só corte uma percentagem.
- Sabe – continuei - um dos objetivos do governo, para além de emular a revolução cultural na China do Mao Tse Tung, que pôs os professores e os engenheiros a varrer as ruas, é o de reduzir os encargos com pessoal das empresas públicas, e suprimindo os complementos de reforma torna o metro mais apetecível. É´ pena o senhor secretário dos transportes revelar ignorância sobre a qualidade dos indicadores do metro quando comparados com os das outras redes. Mas isso não interessa quando se pretende a todo o custo privatizar ou concessionar. Não lhe reconheço nem a ele nem aos senhores da troika experiencia e conhecimentos de transportes para decidirem que é mais eficiente a gestão privada. Isto é também uma forma de ofender quem dedicou a sua vida profissional ao metro.

A senhora reporter agradeceu-nos  muito e despediu-se com um sorriso bonito.
A manifestação chegava ao Terreiro do Paço.
Pouco depois, em frente do ministério das Finanças, foi recordado que existe uma lei da segurança social, o DL 4/2007 , que define o sistema previdencial português, que o divide em três pilares (art.8º,nº2, a segurança social contributiva, o financiamento por capitalização e os regimes facultativos complementares. Não é preciso vir agora aquele senhorinho das decisões irrevogáveis vir pregar “reformas de Estado”. Aliás, existe uma diretiva europeia que garante a proteção dos sistemas complementares das reformas em caso de insolvência das empresas que os contrataram com os seus trabalhadores (mais um caso de ignorância dos senhores governantes?).
Ouviu-se também Zeca Afonso, antes de finalizar a manifestação com um sentido UhUhUh! ao ministério das Finanças.
O fim  de tarde estava muito bonito.
O cais das colunas cheio de turistas.

turismo na praia do cais das colunas

fim de tarde na Ribeira das Naus
O terraço do arco da rua Augusta, agora acessível por elevador, também.
Como dizia Platão, dentro de nós todos há-de haver alguma coisa que sobreviverá.








2 comentários:

  1. “…no entanto, deverá continuar a monitorizar-se a instrumentação instalada, desconhecendo-se se ela é feita…”
    Posso adiantar-lhe, presumindo não estar a cometer qualquer inconfidência, que deixou de ser feita há um bom par de meses!

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    1. Obrigado pela informação. Ficamos assim a saber que não há monitorização.Contraria os princípios da engenharia, os da prevenção e da previsão, mas repetindo Platão, algo sobreviverá.

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