Um metropolitano é um local de encontro de pessoas.
Por momentos há uma proximidade de histórias reais de gente diversa.
Também poderemos dizer o mesmo dos elevadores, por exemplo, mas nos metros há um talvez mais forte sentimento de partilha entre os que ocupam momentaneamente o espaço e uma maior facilidade em meditar na vida, em ter "um minuto de sossego".
Do outro lado do Atlântico chega uma crónica de Hugo Gonçalves, de que transcrevo do DN uma parte, mostrando que os metropolitanos têm vida, e que por isso também vivem na literatura, no caso da crónica, a observação da associação entre o metro e os telemóveis.
Retrato de rapariga
Está sentada ao meu lado, bonita, jovem, um piercing no nariz.
Passam as estações de metro e ela não tira os olhos do reflexo do seu rosto no telemóvel - não se trata de um espelho, mas da câmara que serve para ensaiar a sua beleza.
O comboio lasca a escuridão das entranhas do Rio, e ela prossegue, agora fazendo dezenas de selfies - beicinho e olhos de eyeliner. No resto do vagão, mais pessoas olham para os seus insetos eletrónicos, mantendo contacto com o mundo exterior, teclando para prosseguirem sempre presentes, para existirem continuamente diante de uma audiência que não vêem.
Ninguém quer estar sozinho, o cérebro liberto, um minuto de sossego. A promoção permanente do eu tornou-se compulsiva. Tudo o que fazemos, pensamos ou fotografamos é suscetível de nos engrandecer se ampliado no éter do ciberespaço - uma patética ilusão de eternidade e de autoimportancia. Esse egocentrismo e essa alienação impedem, por exemplo, o entendimento do que deveria ser tão óbvio: usar o telefone enquanto conduzimos implica o risco da própria morte ou de matar alguém. No entanto, nem a possibilidade de morrermos impede a burrice de teclar ao volante...
... ... "precisamos da habilidade de estar sozinhos, apenas estar, sem fazer outra coisa ao mesmo tempo. Foi isso que os telemóveis nos roubaram, porque agora queremos saber o que se passa a todo o momento"... ... ... as benesses da tecnologia são uma dádiva, mas estão aqui para nos servir e não para nos escravizar... ...
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