Manhã de sábado no início de outono na avenida da Igreja, em
Lisboa.
Por entre os cidadãos e cidadãs que usufruem do sol e
ambiente pacífico nas esplanadas e nos passeios, contando as suas viagens de
férias, as compras de roupa e de automóveis e as notícias dos filhos emigrados,
reparo nos dois que descem a avenida lado a lado, em passo calmo, a condizer
com o que os rodeia.
Um deles, alto e magro, projeta a cabeça para a
frente.
O outro, de barriga ligeiramente proeminente, com uma
camisola de riscas horizontais de cor berrante e calças brancas, de mãos nos
bolsos, escuta atentamente o que lhe diz o companheiro, mas sem desviar o
olhar.
Parece concordar com o mais alto e magro, embora por vezes
abane a cabeça como quem opõe uma objeção mas sem convicção.
Irão comentando as notícias do dia, os pequenos casos da
campanha eleitoral, serão assertivos, convictos das suas razões? ou pelo
contrário, confessam-se desanimados pela impotência dos seus cérebros em
compreender a complexidade da natureza e da vida em comunidade, a
impossibilidade de encontrar soluções de organização para usufruto da paz, a
incompreensão dos outros face ao que os dois sentem e pensam, como reagem, como
se comportam? Ou simplesmente observando como já são muitas as folhas caídas no passeio?
Ao vê-los afastarem-se, pelas costas, percebo porque me
chamaram a atenção.
Existe uma fotografia de Einstein e Gudel, em ameno passeio
nos terrenos da universidade de Princeton. Não num dia de clima temperado, mas
num dia cinzento em que, também pelas costas, se vêem os dois de sobretudo,
confabulando. Dissertando sobre a expansão do universo, de que Einstein não
tinha ainda na altura a prova física, ou sobre a incompletude de Gudel,
terminando com o sonho das leis universais de que tudo se deduziria. Pese
embora a dúvida atual que talvez seja possível completar a simetria do modelo
padrão.
Ou talvez Gudel e Einstein apenas estivessem trocando
impressões sobre a sua impotência em compreender a incompreensão e a
incapacidade das comunidades se organizarem em função da paz.
Ou simplesmente comentando as folhas caídas no caminho.
Ou simplesmente comentando as folhas caídas no caminho.
Detenho-me por momentos, pensando na preocupação de quem pôs
na constituição dos Estados Unidos como objetivo a felicidade dos povos, e
vendo os dois conversadores a dobrar a esquina, a caminho do hospital Julio de
Matos, onde estão internados.
(Sou um admirador deste hospital, sinto que tratam bem os
seus frequentadores. Espero que não venha a concretizar-se o desejo de uma
antiga muito ilustre ministra da saúde, que queria urbanizar os terrenos com o
pretexto de que estudos recentes dão este tipo de hospital como ineficiente. E
como eu pensam muitos dos moradores e empregados das esplanadas que os vêem
passar).
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