Claro que acredito haver uma direita democrática, mas existe nela um paradoxo, ou mais.
Claro que também há paradoxos na esquerda democrática, mas agora estou a tratar dos paradoxos da direita democrática.
Por um lado, defende a igualdade de oportunidades e a livre iniciativa do mercado livre. Que o interesse egoista do produtor responde às necessidades do consumidor.
Mas por outro lado, o simples efeito de herança introduz desigualdade de oportunidades.
O filho do soldado terá, tristemente, maiores probabilidades de ser soldado, e o filho do oficial de ser oficial.
Uma escolaridade não compulsiva deixará as melhores escolas para os filhos dos pais com maior capacidade financeira e educacional, embora estatisticamente haja exceções.
Mas não é só o efeito de herança, a simples aplicação da lei de Fermat-Weber à economia mostra que os mais fortes têm um poder mais atrativo dos benefícios que os torna sucessivamente mais fortes e distantes dos mais fracos.
A direita democrática não pode negar isto, que é uma evidencia.
Representada por exemplo neste gráfico dos rendimentos S80/S20, em que em Portugal os 20% mais ricos detêm 6 vezes mais rendimentos do que os 20% mais pobres:
dados Pordata no DN do 151ºaniversário |
http://observatorio-das-desigualdades.cies.iscte.pt/index.jsp?page=indicators&id=42
Mas como é democrática, propõe remédios.
Por isso a direita democrática fala tanto na função do Estado como regulador, não regulamentador.
E aqui caímos noutro paradoxo.
Por um lado, o organismo regulador dependente do Estado corrige assimetrias, mas para poder fazê-lo terá de conhecer por dentro o negócio que quer regular.
Terá portanto de dispor de uma entidade que esteja no mercado produzindo o bem ou serviço desse negócio.
Porém, aí colide com o princípio que a direita democrática defende que é o de deixar os negócios para os privados.
E então, para corrigir este segundo paradoxo, a direita democrática propõe a figura da concessão da regulação a uma entidade privada selecionada por concurso público.
E eu insisto, caímos outra vez num paradoxo, e neste caso de entrada dupla.
Por um lado e em primeiro lugar, temos um concurso público, teoricamente com igualdade de oportunidades para os concorrentes.
Por outro lado, é necessário que a entidade elaboradora do caderno de encargos e selecionadora do adjudicatário esteja dentro do negócio e o conheça bem, precisamente para equilibrar as condições do caderno de encargos e para avaliar objetivamente os candidato.
Em segundo lugar, por um lado o concessionário que ganhar o concurso será selecionado por apresentar a proposta mais vantajosa par ao Estado.
Mas por outro lado, como entidade privada, o concessionário terá como prioridade o lucro. Por exemplo, aproveitará o concurso para aumentar o lucro da sua empresa proporcionando um benefício a uma outra empresa com que tenha relações privilegiadas.
Estatisticamente, a experiencia mostra que raramente o lucro da entidade privada coincide com o benefício para a entidade pública.
Mas a direita democrática insistirá e dirá que não, que não é raramente , porque o Estado é ineficiente a gerir.
Então temos de analisar essa afirmação com exemplos históricos e com uma inequação:
1 - os exemplos históricos podem tomar-se especialmente na geografia política da América do Norte, com os desenvolvimentos de novas tecnologias com o apoio dos departamentos federais dedicados à investigação, desde a informática da Apple ao GPS, aos radiotelefones por satélite da Iridium, às formas alternativas de produção de energia; pela negativa, temos o afundamento da CIMPOR, da PT, da quase extinção da marinha mercante portuguesa, e os receios das águas
2 - a inequação é que só haverá vantagem para o Estado se os lucros da entidade privada relacionados com o serviço prestado, atual e futuro, forem inferiores ao diferencial de custos de eficiencia da entidade privada e da entidade pública. Ora, como não é o Estado que gere seja o que for, antes são as pessoas que mal ou bem o fazem, esta inequação só se verifica se se selecionarem incompetentes para o negócio do Estado.
Acresce que a incompetencia dos servidores do Estado num qualquer negócio pode ser estimulada e forçada a partir de entidades privadas contratadas ou concessionadas pelo próprio Estado para otimizar o funcionamento dos seus negócios ou serviços.
Dois bons exemplos disto são:
1 - a lei da contratação pública elaborada por gabinetes privados de advogados, mais ou menos ligados a grupos de deputados do Parlamento ou formando com eles conjuntos de interseção;
2 - as determinações do ministério das finanças obrigando a vistos prévios por ele próprio ou do tribunal de contas, introduzindo atrasos insuportáveis no processamento das tarefas, incompatíveis com níveis razoáveis de produtividade. Isso mesmo se demonstrou com a demora de mais de um ano na aquisição de materiais e equipamentos para o patrulheiro Figueira da Foz construido pelos estaleiros de Viana do Castelo quando importava desacreditá-los; ou, conforme confessado pelo atual presidente da TAP depois de assinado o contrato de venda de 61% da participação pública, o atraso do pagamento de salários e fornecimentos não terá sido por bancarrota de tesouraria/bilheteira, mas porque os vistos do tribunal de contas demoravam sob gestão pública, isto é, por burocracia artificial.
Ora, este é também um paradoxo, o Estado concessionar um serviço reduzindo previamente a produtividade de um negócio que ele detem, com o fundamento que o concessionário é comparativamente mais eficiente.
Pelo que, chegado a este ponto, desisto de procurar mais paradoxos (por exemplo, porque a privatização de empresas estratégicas foi concedida a empresas de capitais públicos, como a Three Gorges e a State Grid da EDP-REN, ou a Hainan da Azul-TAP?) e digo que é por isto, parafraseando Bertrand Russel ("Porque não sou cristão") que não posso concordar com a direita democrática.
Sem comentários:
Enviar um comentário